segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

VIDA, MORTE E RESSURREIÇAO NO AT

VIDA, MORTE E RESSURREIÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO

Essa questão é conhecida também como o problema da retribuição individual após a morte.

1- A VIDA

A esperança inicial de Israel fixava os olhos dos fiéis sobre a terra, não no céu: Sl 115,16. Não há nenhum sentimento trágico da vida. O conceito de vida é expresso com um plural intensivo, ‘hayyim’ (חַיּיּם) que vem a ser também felicidade; a ela pertencem a segurança, a saúde, a força e o bem-estar. Viver é mais do que existir, pois implica uma plenitude existencial. É o bem supremo, pelo qual o homem está disposto a dar tudo (Jó 2,4). O ideal mais desejado é a preservação e o prolongamento da vida (Dt 5,16; 16,20; 30,19.21; Am 5,4.6.14; Ez 18,23.32; etc.). O fundamento para essa concepção não é materialista, pois a vida é vista como dom de Deus, como parte da promessa. Javé é o vivente por antonomásia (Dt 5,26; Sl 42,3; 84,3; Jr 10,10...), tanto que a expressão se tornou uma fórmula de juramento (1 Sm 14,39; Jr 4,2; 12,16) e nele está a fonte da vida (Sl 36,10; Jr 2,13; 17,13). É Javé quem outorga, conserva e prolonga a vida, como pressuposto e parte integrante da promessa e como comunicação de seu próprio ser vivente (Cf. apostila sobre a Trindade, “o Deus Vivo”).
O ponto máximo da vitalidade se alcança quando a relação homem-Deus é atuada como comunhão. Então, o israelita pode confessar: “A tua graça vale mais do que a vida” (Sl 63,4). Em virtude disso, a existência é vida apesar de penúrias e dissabores (Sl 22; 84,11; 119: comparar os versículos 47.92.103.165 com os 23.38.41s.61.143).
Uma existência conduzida à margem da Aliança não é vida autêntica, mas um “invocar a morte com obras e palavras” (Sb 1,16). Transgredir o preceito divino é experimentar a própria condição mortal (Gn 2,17). A morte, negação da vida, é expropriação do âmbito da relação com o Deus vivo, uma excomunhão.

2- A MORTE, OS MORTOS, O ‘SHEOL’

            A morte é o compêndio de todos os males, o mal por excelência. Esta característica não é esquecida nos textos onde a morte aparece como algo natural (Gn 15,15; 25,8;35,29;49,29). Ao caráter luminoso da vida se opõem os traços mais sombrios para descrever a morte: amarga lembrança (Eclo 41,1) que suscita lágrimas (Eclo 22,11), noite espessa (Sb 17,20), trevas (Sl 88,7.13), torna os homens pouca coisa (Sl 89,48), a existência efêmera como a sombra (Jó 14,2). A morte coloca o homem numa situação de excomunhão, pois Deus não se ocupa dos mortos (Sl 88,6,11) e estes não louvam a Deus (Sl 6,6; 30,10; 88,11-13; 115,17; Is 38,11.18s). A morte é situação de silêncio (Sl 31,18; 94,17; 115,17) e de esquecimento (Is 26,14; Sl 88,13; Ecl 9,5s.10), de solidão existencial.
            Contudo, Javé conserva seu poder de intervenção também em relação à morte e aos mortos. A sua mão chega até o ‘sheol’ (Am 9,2; Sl 139, 7s; Jó 34,22), e lá pode realizar seus prodígios (Is 7,11; Sl 135,6).
            Por isso, os mortos sobrevivem. A morte é perda da vida, mas não cessação total da existência. Então se reduz de tal forma o dinamismo próprio do ser vivo que se pode falar do defunto como de um não existente (Jó 7,21; Sl 39,14), sem que isso signifique uma aniquilação do homem e nem muito menos uma imortalidade da alma. Entre esses dois extremos situa-se a concepção hebraica dos mortos como ‘refaim’  רֽפָאִים)). Esse termo deriva provavelmente do verbo ‘rafah’ (רָפָה), ser fraco.

           
            O lugar dos mortos é o ‘sheol’ שֽׁאוֹל)), destino sem volta, reino das trevas e do pó, terra do esquecimento, onde seus habitantes arrastam uma semi-existência umbrátil, que vale como residência indiscriminada de todos os mortos (Jó 3,19; Ecl 2,15). O sheol é a sorte comum para todos indistintamente (Ecl 9,3).

            A conservação de uma certa hierarquia social (Is 14,18.20; Ez 32,22-27) não constitui uma retribuição, pois é só um reflexo póstumo da glória terrestre do defunto. Se por outro lado o ‘sheol’ é chamado de lugar de perdição (Sl 88,12; Jó 26,6; 28,22; 31,12), tal afirmação não contém caráter ético, mas mostra o apreço pela vida e a negatividade da morte.
            Tais concepções, comuns a outros povos, não podiam satisfazer a Israel. A comunhão vital do homem com Deus, não pede uma continuidade, mesmo após a morte? Como o Deus da Aliança retribui o bem e o mal, a fidelidade e a infidelidade? Para responder a essas questões Israel deverá modificar totalmente sua concepção sobre a morte e o sheol.

 3- RETRIBUIÇÃO: A TESE TRADICIONAL

            As ações boas e más recebem de Javé a devida retribuição: Adão é punido por seu pecado, Noé é salvo por sua inocência, a fé de Abraão merece um prêmio, a corrupção de Sodoma merece castigo, e assim por diante. Todavia, prêmios e castigos são temporais.

            Tal retribuição é claramente solidária, envolvendo outros nos méritos ou deméritos dos indivíduos (Gn 7,1.13; 12,3; 19,12-16; Nm 16; Js 7; 1Sm 2,27-36; 2Sm 24, 1-17). Deus sanciona o bem e o mal com prêmios ou castigos terrenos e coletivos. O objeto da eleição divina é o povo como tal (Dt 7,6-8) e com o povo Deus fez aliança (Ex 19, 3-8; 24, 3-8); assim, é o povo o sujeito da retribuição, o mediador entre  o indivíduo e a justiça distributiva de Javé.; o indivíduo é alcançado pela justiça em razão de sua pertença à comunidade da aliança.       Em Dt 28 o princípio da solidariedade está codificado (cfr Jr 31,29; Ez 18,2).

Tal solução estava longe de ser satisfatória (Jr 17,10; 31,30). O oráculo sobre a nova aliança tem seu centro de gravidade à inscrição da Lei no coração de cada homem (Jr 31,31-34). Mas é em Ezequiel que lemos a chamada mais incisiva para a responsabilidade dos indivíduos e para a religiosidade pessoal. A situação presente não é devida às culpas dos antepassados, mas aos pecados pessoais dos contemporâneos (Ez 18, 1-24.29; 20,30). Cada um será julgado segundo seu proceder individual, mas a perspectiva dos prêmios e castigos continua sendo temporal (28,24-26; 33,25-29).
O livro dos Provérbios mantém a versão da retribuição temporal e individual (1,23-32; 3, 9s.16-18; 4,13; 7,2.24-27; 8,18-21; 9,6; 24,20).  É a linha de vários salmos: 1; 91; 112; 128.


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