domingo, 28 de fevereiro de 2016

A IMACULADA E A ASSUNÇÃO

Passados os primeiros séculos, a Igreja foi progressivamente centrando-se em Maria, como mulher individual e privilegiada. Descobriu nela sua santidade única, dons que não dividia com ninguém, a não ser seu Filho, como a imaculada conceição e assunção em corpo e alma ao céu.
           

A Santidade única de Maria

 O termo usado para definir Maria no Oriente foi “panaghia”, a toda santa ou santíssima. A tradição ortodoxa fala de Maria como mulher possuída pelo Espírito. A Santa  Theotókos, era objeto de culto litúrgico e da reflexão teológica.

O culto litúrgico a imaculada conceição de Maria

            A Igreja do Oriente instaurou já desde o século VII a festa da conceição da Virgem. Por trás da festa da anunciação e concepção de Jesus, Maria era celebrada como a mulher que não teve o menor rastro de pecado. No contexto de adoração a Santidade de Deus emergia durante a ação litúrgica a Theotókos, a sem mancha entre outros. Os hinos litúrgicos a denominavam santa, santíssima, imaculada, sem defeito. A oração Mariana mais antiga “Sub tuum paesidium” chamava a Maria “santa Dei Genetrix... virgo gloriosa et benedicta”.
            A santidade de Maria se celebrava no ocidente por meio da festa imaculada. Começou na Inglaterra, primeiro de 1060 a 1066, e depois a partir de 1127. o objetivo da festa era sobretudo na santificação de Maria no sei de Ana. Somente no final do século XV, a Igreja de Roma adotou oficialmente esta festa.

A doutrina dos Padres orientais sobre a Panaghía

a)      Os defeitos de Maria
Antes do concílio de Éfeso era unânime considerar Maria como mulher de santidasde única: os apócrifos, os Padres. Não obstante, alguns autores tiveram dúvidas sobre a completa e perfeita santidade. Para ressaltar que Maria tinha passado de uma vida segundo a carne para uma vida segundo o Espírito, que Maria cresceu espiritualmente como nós, alguns Padres não tiveram inconveniente em admitir em Maria imperfeições e defeitos, baseados na leitura de certos textos evangélicos.
Tertuliano – que a maternidade de Maria tivera feito perder a virgindade;
Orígenes – Maria era chamada a crescer através da purificação interior, produzida pela redenção de Cristo;
João Crisóstomo – comentando Mt 12,47, lhe atribuía a Maria um “excessivo amor próprio” e, portanto, algumas imperfeições;
Cirílo de Alexandria via na espada de dor, profetizada por Simeão, a espada da dúvida;
Efrén – não eximia Maria do caminho da fé, sujeito às provas e as dúvidas.


b)      Maria e o Espírito Santo
       A santidade de Maria era posta em relação com o Espírito Santo, principalmente no acontecimento da encarnação. Estabelecia-se assim, um paralelismo do Espírito Santo e a Santa Virgem. No símbolo de Niceno-constantinopolitano põe em relevo a íntima conexão entre o Espírito Santo e Maria  no mistério da encarnação; mas demonstra perplexidade quando busca entender o modo da relação.
c)      A toda santa
            Assim como Cristo nasceu do Espírito e de Maria, assim nasce todo crente do Espírito Santo e do Fiat da Virgem. Segundo os Padres a Virgem personifica a santidade da Igreja: em sua infinita pureza, a virgem é toda santa, e por isso é figura da Igreja: a santidade de Deus na santidade humana. Cirílo de Alexandria no discurso do concílio de Éfeso comparava a santidade do corpo de Maria, em que habitou o Filho de Deus e da qual nasceu, com a santidade do templo: “Salve, Maria, templo donde Deus habita, templo santo, como o chama o profeta Davi quando diz: ‘Tu templo és santo e admirável em sua justiça’ (Sal 64,6). Salve, Maria, a criatura mais preciosa da criação; salve, Maria, pomba puríssima”.
            Para Gregório de Nissa, Maria era imaculada: “A plenitude da divindade que residia em Cristo brilhou através de Maria, a imaculada”. André de Creta disse dela: “O corpo da Virgem é uma terra que Deus tem trabalhado, a primicia da massa adamítica que tem sido divinizada em Cristo...”. E em outra ocasião: “Eu proclamo a Maria a única santa, a mais santa entre todos os santos”.

As doutrinas das Igrejas orientais

A Igreja ortodoxa bizantina segue a André de Creta (+ 740), para quem Maria é pura em tudo e sobrepassa ao céu em santidade, donde tem o primeiro lugar depois de Deus. Quando os teólogos e poetas religiosos bizantinos utilizavam a palavra “imaculada” não lhe davam o sentido que tem nos teólogos latinos. Não incluíam a exceção da Theotókos do pecado original, dado que a teoria do pecado original não existia entre eles. Afirmavam unicamente a santidade perfeita de Maria desde a origem.

Teologia Ocidental sobre a imaculada conceição de Maria

            O tema da santidade de Maria foi abordado numa perspectiva diferente: a exceção de todo pecado, até do pecado original. Para eles era necessário provar que Maria nunca, em nenhum momento, foi presa do pecado, nem sequer do pecado original. Por isso, ao falar da santidade de Maria era necessário combinar deferentes temas: o pecado, o pecado original, a concepção.
            Para os teólogos ocidentais, o problema consistia em aceitar que Maria estivera exenta do pecado original. As discursões estiveram motivadas pelos conhecimentos científicos da época a respeito da concepção do corpo (conceptio) e a infusão da alma (animatio), que não coincidiam num mesmo momento, senão que prescindia uma da outra. Só quando se anulou a diferença de tempo entre “conceptio” e “animatio” se encontrou o caminho livre para resolver o problema.
a)      A Grande dificuldade: defender a universalidade da redenção 
            A partir de Agostinho se ressaltava a universalidade do pecado original, para apresentar a necessidade universal da salvação e da graça de Deus em Cristo Jesus. Afirmar que Maria não teve pecado original, implicava negar que tivera sido redimida e salvada por Jesus Cristo e assim mesmo comportava a negação de sua ação redentora universal.
            O Papa Leão Magno confessava: “entre os filhos dos homens, só Jesus Cristo veio ao mundo sem pecado, porque só Ele foi concebido sem a contaminação da concupiscência da carne”.
 Redenção moral, santificação pelos pecados
            Os grandes escolásticos não quiseram admitir a exceção de Maria do pecado original por causa do dogma da redenção universal, mas não exigiram já uma purificação de Maria na Anunciação como não poucos Santos Padres. O problema que suscitava era como conciliar a preservação de Maria do pecado original com sua necessidade de redenção.
            Raimundo Lulio (+1315) compôs um tratado sobre a Imaculada Conceição, se Maria é primicia da nova criação, não podia encontrar-se em uma situação pior a dos primeiros pais antes do pecado; portanto, Maria não esteve submetida ao pecado original.
            Era a afirmação tradicional e universal a plena santidade de Maria. Ela não pecou pessoalmente porque foi santificada no seio de sua mãe, libertada da fome peccati, mas não num primeiro instante, senão no segundo(animatio). Assim pensavam Tomás de Aquino e Boaventura. Assim, santa Maria no primeiro instante de sua concepção não foi imaculada. Graças a Jesus Cristo foi redimida do pecado original no segundo instante: foi santificada.
b)      A perspectiva: o “Perfeitissimus Mediator” (Duns Scoto+1308 )
Respondeu as objeções anteriores nos seguintes argumentos: se opôs a opinião de Tomás de Aquino e outros, segundo a qual a dignidade de Cristo como redentor ficaria menosprezada pela isenção de Maria do pecado original, porque, se Cristo é o “perfeitíssimoMediador”, tinha a disposição de Maria um ato perfeitíssimo de mediação. E a respeito da concepção de Maria, Scoto estabeleceu três possibilidades: 1) que ela nunca tivera estado submetida ao pecado original; 2) que o tivera estado por um instante; 3) que tivera sido libertada dele depois de um certo tempo. Sua resposta foi a seguinte: “Só Deus sabe qual destas três possibilidade levou a cabo. Em todo caso, se não está em contradição com a autoridade da Igreja e da Escritura, me parece provável atribuir a Maria o que é melhor”. Para ele, o Perfeitíssimo Mediador não é só aquele que redime e restaura a ordem quebrada, senão aquele que previne o pecado, “Maria necessitou do Mediador que a prevenisse do pecado”. Assim, não há nenhum perigo de negar a redenção universal e a necessidade de redenção que Maria tinha. Para Scoto, já no primeiro instante da concepção de Maria, ela recebeu a plenitude total da graça, porque foi a mais redimida perfeitamente por o mais Perfeito Redentor. Foi redimida sendo preservada. Assim “não poderíamos chamar a Cristo perfeitíssimo Redentor nem a Maria perfeitíssima redimida se não afirmássemos a preservação do pecado original”.
c)      Até a definição dogmática
Nos séculos XV e XVI continuaram as lutas entre os maculistas e imaculistas. Nos séculos XVII – XVIII nem se condenou nem se afirmou a doutrina imaculista. Não obstante desde a bula “Sollicitudo” de Alexandre VII (8 de dezembro de 1661) ficou praticamente resolvida a questão em favor da conceição de Maria, preservada de toda mancha de pecado desde o primeiro instante de sua existência.
            O papa Pio IX, o dia 8 de dezembro de 1854, definia dogmaticamente a imaculada conceição de Maria nos seguintes termos: “Para honra da santa e indivisa Trindade, para a glória e honra da Virgem Mãe de Deus, para exaltação da fé católica e crescimento da religião cristã, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem aventurados Pedro e Paulo e com a nossa, declaramos, proclamamos e definimos que a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria foi preservada imune de toda mancha de culpa original no primeiro instante de sua concepção por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em atenção a méritos de Cristo Jesus Salvador do gênero humano, está revelada por Deus e deve ser, portanto, firme e constantemente crida por todos os fiéis”.

A Assunção de Maria em corpo e alma ao céu

Paralelamente surgiu a necessidade de celebrar e refletir sobre o destino final da Virgem; descobrir em que acabou toda a sua história e como cumpriu Deus nela suas promessas. E ao mesmo tempo se percebia a necessidade de explicar que tipo de presença a mantinha na comunidade de fé.

A festa do trânsito

Desde o século VII a assunção de Maria em corpo e alma ao céu tem sido crida, tanto na Igreja do Oriente como na do Ocidente. Já no século VI se introduziu a festa do Trânsito, dormição ou assunção de Maria no dia 15 de agosto. O objetivo da festa não estava bem definido: umas celebravam a morte de Maria, outras celebravam a assunção ao céu. Em torno ao ano 600 se introduziu no ocidente a festa da dormição ou Pausatio de Maria. Desde Roma a festa se expandiu a Inglaterra e a França; foi a partir dos papas Adriano I (+795) e Pascual I (824) a festa passou a ser chamada Assunção.

As primeiras notícias: Epifanio

Devemos a Epifanio umas das primeiras reflexões sobre a morte de Maria entre os anos 374-377. O que lhe motivou foi uma preocupação pastoral: na piedade popular, havia uma tendência de venerar Maria como uma deusa, de pensa-la como uma figura sem carne, sem história, sem nascimento e sem morte. Depois de algumas investigações chegou a conclusão de que não havia informação válida a respeito nem na Escritura ou Apócrifos, nem nos escritos eclesiásticos. Assim, Epifanio propôs três hipótese de solução: 1) Maria morreu mártir(Lc 2,34); 2) Maria simplesmente morreu; 3) Maria foi assunta ao céu sem morte precedente(Ap 12). Epifanio afirmou que não havia ouvido nada sobre a morte de Maria. No século IV, não havia nenhum tipo de tradição jerosolimitana sobre a assunção. Mas, em meados do século V se falava de uma casa no vale de Josafá e em Getsemani donde haviam vivido João e Maria. Jugie conclui: “Fica incerto até o fato da morte e da sepultura de Maria... Incluso em Jerusalém não se fala da sua tumba. Com maior razão não se encontra nada sobre a gloriosa ressurreição. A meados do século VI a situação era que nada se sabe como foi o fim terreno da mãe de Deus”.

Os relatos apócrifos (ver pg. 266)

Independentemente do seu valor histórico, o relato intenta imaginar-se o fim de Maria em coerência com o que foi sua vida e as relações que ela manteve com a comunidade de seu Filho. Descreve um belo final, que intenta substituir o que foi um fim totalmente escuro, anônimo, apagado da memória histórica.


As primeiras reflexões teológicas – pastorais

a)      Passo dos apócrifos as reflexões teológicas
Wenger publicou em 1955 um sermão do bispo Teotecno de Lívia. Ele afirmava claramente, no final do século V, a assunção de Maria em corpo e alma ao céu. Não falava de dormição. Segundo M. Jugie, o primeiro testemunho “donde a doutrina católica da assunção ao céu é explicitamente afirmada” é um sermão do patriarca Modesto de Jerusalém (+634).
b)      Os argumentos teológicos da Assunção de Maria
Um dos princípios teológicos fundamentais para justificar a Assunção de Maria em corpo e alma ao céu foi dito pelo papa Leão Magno (440-461): “Se Adão tivesse atuado perseverantemente segundo esta incomparável dignidade concedida a sua natureza, observando a lei que lhe foi dada, sua alma intacta teria sido conduzida a glória celestial com aquela parte dele mesmo que era seu corpo”.
Para German de Constantinopla (+733), André de Creta (+740) e João Damasceno (+749), o motivo fundamental da assunção é a maternidade divina. Por isso, ela esteve exenta de pecado, foi sempre virgem. Para o primeiro, a assunção era a conseqüência da ação de Deus sobre o corpo de Maria. Ele utilizava o argumento da conveniência, segundo o qual teria sido impossível que a morada de Deus, o templo vivo da santíssima divindade do Unigênito fora presa da morte na tumba. E por estar assunta ao céu, exerce a função de mediadora e intercessora. Para o segundo, a assunção de Maria sobrepassa nossa compreensão e conhecimento; reconhecia que não havia sobre ela nenhuma tradição positiva, mas exclui que o corpo de Maria pudesse apodrecer no sepulcro, porque não convinha nem a sua maternidade divina, nem a sua santidade, nem a sua virgindade perpetua. E o terceiro, utilizava o argumento de conveniência. Maria era considerada por ele como mediadora e intercessora. E o grande motivo da assunção parecia ser a pureza imaculada de Maria, preparada assim para ser mãe de Deus. A celebração da Assunção foi se consolidando na consciência dos fiéis essa verdade religiosa. Não se sabe se, neste caso, a celebração foi um meio para expressar a fé ou se chegou a provocar a fé.
 A favor da Assunção no Ocidente
Na obra atribuída a Agostinho, intitulada de “De Assumptione Beatae Mariae Virginis” afirma: i) Maria não compartiu a maldição de Eva e deu a luz a seu filho sem dor, conservando intacta sua virgindade; conheceu a morte, mas não foi sua prisioneira; ii) ficou intacta a virgindade de seu corpo, por que Jesus não podia preservar a seu corpo da corrupção? Se a carne de Cristo é a carne de Maria, se um filho tem que honrar sua mãe, se Senhor orou para que seus discípulos estivessem lá onde ele estaria, como não levará ao céu o corpo e a alma de sua mãe? “Tenho medo de afirmar que o corpo santíssimo do qual Cristo tomou sua carne... tenha tido a mesma sorte que todos os demais”. Por isso, teria que concluir que Maria está em Cristo e junto a Cristo. Aquele que não permite que nem um cabelo da cabeça de seus santos caia sem sua permissão, não irá conservar integro o corpo e a alma de sua mãe? Pôde-se preservar Daniel dos leões, não irá a preservar a sua mãe “sempre incorrupta?”.

A Justificação Teológica

Desde a época carolíngia até o século XIII, os teólogos prepuseram argumentos de conveniência. Há aqui um exemplo:
- A mãe e o filho estão unidos segundo a carne;
- O Filho é glorificado em seu corpo;
- Sob pena de romper a unidade da mãe e do Filho, convém glorificar corporalmente a mãe com seu Filho.
No século XIII se explicava a relação de Jesus e Maria deste modo: Maria deu o corpo Àquele de quem procede toda a graça (Jô 1,17). Manteve com ele uma profunda relação pessoal. Por isso recebeu de Jesus a graça perfeita que a conduziu a gloria completa (Rm 8 10-11). Em razão de sua união com Cristo, Maria escapou dos laços da morte. Por não ter pecado, Maria não podia ficar retida e cativa pelas conseqüências do pecado.

A Definição Dogmática

Entre os anos 1921 ao 1940 chegaram a sede Romana petições de mais de mil bispos residenciais, numerosas congregações religiosas e inumeráveis fiéis de todo o mundo. Antes de 1944 o 73 por 100 das dioceses episcopais residenciais tinham pedido a definição dogmática da Assunção.
a)      A favor e em contra: antes da definição
Nos interessas a conhecer as razões com as quais fundamentam esta definição. Alguns criam que o dogma estar explicitamente revelado na Sagrada Escritura. Outros apelavam para a tradição oral, não escrita, procedente dos apóstolos. A maioria se fundava na fé unânime da Igreja. O fato eclesial era mais que suficiente para uma definição dogmática. Não havia unanimidade em explicar o porquê do dogma da assunção. Uns pensavam como conseqüência do dogma da maternidade divina, outros da virgindade de Maria, outros de sua Imaculada Concepção, outros de sua função soteriológica. Teve teólogos católicos que se opuseram à definição do dogma por não encontrar motivações bíblicas, históricas, nem teológicas. Estas e outras críticas fizeram ver que o dogma da Assunção não podia ser fundado (ver pg 277).
Os únicos motivos que pareciam aducibles eram os argumentos de conveniência e a reflexão realizada a partir da “analogia da fé” e a evolução dos dogmas. Pareceu que o argumento mais sólido era aquele que partia de uma contemplação global do mistério de Maria dentro do Mistério de Cristo.
b)      A Definição Dogmática

No dia 1º de novembro de 1950, o papa Pio XII proclamou a definição da Assunção de Maria nestes termos (ver pg 278). O dogma define a Assunção como divinamente revelada, sem indicar como concluiu Maria sua vida terrena. “O princípio fundamental está constituído por aquele único e idêntico decreto de predestinação no que, desde a eternidade, Maria está unida misteriosamente, por sua missão e seus privilégios, a Jesus Cristo em sua missão de salvador e de redentor, em sua glória, em sua vitória sobre o pecado e em sua morte”.

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