sábado, 13 de fevereiro de 2016

O AMBIENTE DA IGREJA NASCENTE


 O contexto histórico e geográfico

            A Igreja não é um fenômeno fora do tempo e do espaço. Pelo contrário, o nascimento da Igreja está inserido nas condições históricas do tempo entorno a vinda de Jesus e, em geral, aos acontecimentos históricos do século I d.C. Por isto é necessária uma reflexão prévia sobre a situação de então, seja no âmbito estreito da Palestina, seja naquele mais amplo da cultura greco-romana e do Império Romano.
            Por “Alto Império” se entende a idade Imperial que vai de Otávio Augusto até Diocleciano (31 a.C. até 284 d.C.). A partir de Diocleciano se chamará “Baixo Império”.
            A situação sócio-cultural do século I d.C., sob vários aspectos, fomentava a difusão do Evangelho. Nunca antes disso um único domínio tinha se estendido por um espaço tão grande aonde viesse garantida a paz e fomentada a unidade cultural.
            Durante o século I antes e depois de Cristo se completou entorno ao mar mediterrâneo um círculo das províncias romanas (mare nostrum). Uma boa rede de estradas tornou possível a troca de mercadorias e de idéias de Gibraltar até a Pérsia, do Reno e do Danúbio até o Saara e o deserto siríaco. O mar não separava, mas unia as províncias, facilitando e acelerando o tráfico, o comércio e, em geral, as relações dos súditos do Império. A civilização greco-romana se irradiava além das fronteiras.
            A unidade cultural neste período era baseada na língua grega. Era a língua da literatura e da filosofia, mas também era a língua utilizada para o comércio e para difundir as religiões orientais (como foi o caso do cristianismo). Este grego não é o grego clássico mas um grego simplificado chamado koiné (= [língua] comum). Expressão da unidade no campo político era o Imperador, que a partir de Otávio Augusto (31 a.C.), mas principalmente de seus sucessores, consegue anular o papel do senado. Além disso, duas coisas mantinham o Império unido: o vigor das legiões que mantinham a paz dentro dos limites do Império (pax romana) e a cultura helenista que difundia a cidadania romana e as comodidades romanas (aquedutos, termas, bibliotecas, jogos públicos, unidade do sistema monetário, etc).
            Mesmo que 90% da população fosse de camponeses, estes não tinham nenhuma participação no poder. A plebe nas grandes cidades, às vezes, tinha mais influência. O poder real se encontrava nas mãos da aristocracia que numericamente era uma minoria. A suprema autoridade no Império era representada pelo Imperador que desde Otávio Augusto tentava tirar todo influxo da aristocracia (através do senado), como já foi falado. Além desta estratificação política que não deixa de ser social existiam outras, ou seja, entre homem e mulher e entre livres e escravos.

A religião no mundo pagão

            No Império existiam várias religiões a maioria delas politeístas (acreditavam em vários deuses). A crença em uma não impedia a crença em outra. Contudo é importante lembrar que existia o monoteísmo (a religião judaica) no Império: na Palestina onde era maioria e em várias regiões do Império onde era minoria, a estes judeus que moravam fora da Palestina chamaremos judeus da diáspora e falaremos deles mais adiante. Agora falaremos de algumas religiões do Império:
- O Culto do Imperador: nascido de concepções egípcias e orientais que consideravam o soberano como “filho de Deus” (ou filho de deuses); no início, o culto se dirigia ao Imperador somente após a sua morte; Calígula (37-41) e Nero (54-68) reivindicaram títulos divinos já na sua existência terrena e o mesmo fez Domiciano (81-96); o culto imperial continuou se espalhando e suscitou muitos conflitos entre os cristãos, que o julgavam incompatível com a sua fé no Deus único.
- As religiões tradicionais dos Gregos e dos Romanos, que implicava na crença em muitos deuses, que personificavam das forças da natureza. Após a intensificação dos contatos entre Gregos e Romanos, também foi feita uma identificação das respectivas divindades (Júpiter virou Zeus, Vênus virou Afrodite, Minerva virou Atenas, Mercúrio virou Hermes...). O culto oficial estava ligado aos templos e aos seus sacerdotes; o Estado o incentivou, especialmente em épocas de crise. Apesar do apoio oficial e da força das tradições locais, a religião oficial tinha perdido muito da sua força no novo contexto político e cultural do Império. Muita gente procurava novas experiências religiosas.
- As religiões dos mistérios, procedentes do Oriente (Egito, Síria, Pérsia...), organizavam-se, geralmente, em forma de associações fechadas, onde todos podiam entrar, mas somente após uma rigorosa iniciação; nelas predominava a celebração de “mistérios” ou dramas litúrgicos, que permitiam a identificação dos fiéis com a existência de um deus e apontavam, através disto, o caminho da salvação do indivíduo. Estas religiões reconheciam a existência do sofrimento e da morte, mas também prometiam a vitória sobre eles, a ressurreição e a imortalidade.
- As superstições e crenças populares: diversas formas de magia e feitiçaria, a crença na astrologia e a busca incessante para descobrir ou adivinhar o destino; a procura do maravilhoso e do milagre são muito difundidas e marcam o dia-a-dia da grande massa da população, que vive na insegurança e no temor da fome, da doença e da morte.

 

A Palestina


            Trataremos agora da situação política e religiosa da Palestina, evidenciando aqueles fatores que tiveram um peso determinante neste primeiro período da vida da Igreja migrante através do tempo.
            Com a conquista da Síria e com a reordenação política do Oriente, efetuado sob o generalato de Pompeu em 63 a.C., também a Judéia entra no âmbito de interesse político-militar dos romanos. O reino hebreu saiu da nova organização de Pompeu como um estado oficialmente autônomo (ainda que tributário). Enquanto Pompeu tinha negado a dignidade real ao último Asmoneu, Hircano II (63-40 a.C.), como chefe do governo de Jerusalém, o seu sucessor, o Idumeu Herodes (o grande) soube manter ótimas relações com os respectivos patrões romanos (primeiro Marco Antônio e depois Otávio Augusto).
            Herodes para consolidar o seu domínio exterminou a família dos Asmoneus. Mas não sendo de origem hebréia não pode tomar o lugar dos Asmoneus como Sumo Sacerdote. Depois de ter matado o último descendente da estirpe macabéia, ele, para garantir a manutenção do culto no Templo, nomeou alguém de sua confiança para ser o titular da suprema autoridade religiosa. Para contrapor a sua impopularidade, por ser estrangeiro, se empenhou na reconstrução do Templo que foi muito elogiado pelo seu esplendor e riqueza até pelos hebreus. Contudo, Herodes não era amado pelos seus súditos, não só pela sua proveniência não hebréia (semi-pagã), mas pela sua quase total dependência dos favores romanos e pela sua crueldade.
            Depois da morte de Herodes o seu reino foi dividido entre os filhos e a sua irmã. Felipe e Herodes Antipas herdaram as partes setentrionais do reino -o primeiro as zonas pagãs no noroeste do lago de Genezaré, o segundo a Galiléia e a Peréia- os dois reinaram como “tetrarcas”; Salomé, a irmã de Herodes, obtém algumas cidades na costa mediterrânea no sudoeste (Salomé morreu em 10 d.C. transferindo as suas posses para a imperatriz Lívia); Arquelau, o maior dos filhos de Herodes, recebeu a parte maior do reino judeu, ou seja, a Samaria, a Judéia e a Iduméia.
            No ano 6 d.C. Arquelau foi deposto e o seu domínio foi administrado por um prefeito. Este prefeito dependia do delegado da Síria. O governo do prefeito se limitou à cobrança das taxas e a manutenção da ordem. De todo o resto se ocupava o Sinédrio, um conselho de governo composto por representantes da nobreza judaica (anciãos), dos sacerdotes e dos fariseus (escribas) e presidido pelo Sumo Sacerdote. Os seus regulamentos no campo da jurisdição religiosa e civil tinham valor de Lei, mesmo para aqueles judeus esparsos em outras partes do Império Romano (judeus da diáspora).
            Muitas vezes os romanos mudaram o sistema governativo. De 6 até 41 d.C., a Judéia foi uma província romana administrada por prefeitos; depois seguiu um breve período em que Herodes Agripa reinou como rei (41-44 d.C.) unificando, praticamente, todos os territórios sobre os quais o seu avô Herodes, o Grande tinha exercitado seu poder real. Enfim se restabeleceu a soberania romana reduzindo a Judéia ao estado de província administrada por um procurador sem que de tal forma a situação viesse melhorada. O contraste social entre as cidades e zonas rurais se combinou com aquele entre judaísmo e paganismo de impostação helenística. Havia um grande descontentamento dos judeus com o domínio estrangeiro, isto fez com que se multiplicassem os incidentes entre judeus e governadores chegando à insurreição de 66 d.C. Em 70 d.C. Jerusalém caiu e o Templo foi destruído pelos romanos como represália às insurreições dos judeus.
            O período que vai de 70 d.C. até a destruição de Jerusalém (135 d.C.) é o epílogo com o qual termina a história do judaísmo na Palestina. Se por um lado os sacerdotes, como classe política, não sobreviveram a destruição do Templo (70 d.C.), começou a ascensão dos rabinos que se apoiavam sobre as sinagogas espalhadas não só pela Palestina, mas por todo o Império Romano. O messianismo político que surgiu, sobretudo durante o tempo do domínio estrangeiro conduziu a uma última insurreição (132-135/6 d.C.). A supressão da revolta significou o fim do judaísmo palestino, sobre as ruínas de Jerusalém se fundou uma nova cidade pagã chamada Aelia Capitolina, na qual era severamente proibida a presença de judeus e de cristãos de origem judaica.

O judaísmo palestino

            Apesar dos repetidos golpes de sorte e sobretudo apesar da deportação desastrosa ao exílio, os judeus conseguiram afirmar-se na sua inconfundível identidade étnico-cultural graças a sua religião. No curso dos séculos eles conseguiram desenvolver uma autocompreensão que unia fortemente a sua fé monoteísta com a existência da nação israelita. Nem o movimento cultural do helenismo, nem o domínio romano puderam obrigá-los a abandonar a religião herdada dos seus ancestrais.
            Pelo contrário, o domínio estrangeiro provocou o despertar de novas esperanças messiânicas de traços abertamente políticos que, contra a expectativa do tempo pré-exílico, determinaram uma concepção do messias mais universalizada no sentido que o enviado de Yahve não só viria purificar e a reinar com justiça o seu povo, mas ao mesmo tempo o seu domínio se estenderia por todo o mundo. Apesar de que, naquele tempo, a gama das esperanças messiânicas fosse muito vasta, comumente se une a chegada do messias à idéia que este expulsaria os romanos e exterminaria àqueles que tivessem se comprometido com eles; depois edificaria o reino de Deus e submeteria todos os povos, ou seja, os pagãos, a sua regência.
            Mesmo que a fé na ressurreição dos mortos e em um juízo final sobre o mundo tivesse sido difundida sempre mais em Israel desde o século II a.C., nem todos os segmentos tinham aderido a esta crença. Mas aqueles que tinham acreditado estavam convictos que os mortos justos, sobretudo os mártires da fé em Yahveh, gozariam daquele futuro reino messiânico, enquanto que os inimigos de Deus teriam subido punições eternas.
            Estes inimigos não se encontravam somente fora de Israel, mas poderiam estar dentro da própria comunidade. O distintivo para reconhecer uns dos outros era dado pela observância, mais escrupulosa possível, da Lei na qual a vontade de Deus se expressava e concretizava. Esta Lei foi experimentada não tanto como um jugo insuportável -esta é a visão pessoal de São Paulo- quanto como um sinal da predileção divina que desfrutava o povo eleito. Para evitar qualquer transgressão, mesmo involuntária e talvez inconsciente, os fariseus se empenharam em “construir um recinto” entorno da Lei, interpretando a Lei de modo bastante rígido, buscando assim impedir a sua violação. Em compensação pela observância meticulosa da Lei, o judeu devoto esperava de ser premiado por Deus não só na vida futura, mas já na terrena.
            Centro do culto judaico foram Jerusalém e o Templo sobre o monte Sion. A gestão do Templo e o desenvolvimento do culto era responsabilidade dos sacerdotes. Para a manutenção do Templo o adulto hebreu devoto, onde quer que vivesse, deveria pagar uma taxa. Para as grandes festas e segundo as suas possibilidades os devotos deveriam ir em peregrinação a Jerusalém, experimentando, de tal forma, a sua participação na comunidade religiosa e nacional do povo eleito por Deus.
            Onde moravam os judeus, na Palestina ou também na dispersão (diáspora), não faltavam as sinagogas. A instituição sinagogal servia antes de tudo para o ensinamento dos fiéis na religião herdada dos seus ancestrais por meio da escuta da Sagrada Escritura e da sua interpretação, mas funcionava também como instrumento para manter a própria nacionalidade em um ambiente pagão. As sinagogas eram dominadas pelos fariseus (rabinos), que por este motivo conseguiram afirmar-se como guia do povo judaico, principalmente depois da destruição do Templo (70 d.C.) quando não existia mais nenhum outro centro de culto.
            O zelo pela Lei provocou, no judaísmo do século I a. e d.C., a formação de várias correntes teológicas. Trataremos brevemente somente de algumas entre as mais importantes. Conhecemos dos evangelhos os saduceus e os fariseus e encontramos algum sinal sobre os zelotes, contudo sobre o movimento dos essênios nos chegaram notícias através de Flávio Josefo e de Plínio o Velho, mas que foram já superadas pela descoberta dos rótulos do Mar Morto (1947).


* Os saduceus

            Representavam a aristocracia urbana judaica que geralmente se apoiava sobre os sacerdotes e sobre o Templo sem ter alguma popularidade fora de Jerusalém. O seu nome derivava de Zadoq que nos tempos de Salomão tinha sido constituído Sumo Sacerdote e cuja descendência prestava ainda serviço cultual no Templo (até 70 d.C.). Os saduceus reconheciam somente a Torá, ou seja, o Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), como autoridade inspirada por Yahveh, negando o caráter obrigatório das escrituras proféticas e sapienciais, assim como a tradição oral, que vinha transmitida entre os fariseus. Os saduceus não aceitavam a doutrina da imortalidade das almas, da ressurreição, do Juízo Final e os anjos, que os fariseus acreditavam.
            Apesar de serem bastante conservadores na sua visão religiosa, os saduceus foram a corrente mais aberta aos influxos helenísticos contemporâneos. Eram considerados pelos outros como mundanizados e muito condescendentes em relação ao domínio estrangeiro. Como classe dirigente tiveram interesses políticos e econômicos que os levaram a comprometer-se e a colaborar primeiro com os reis selêucidas e depois com o regime romano.

* Os fariseus

            Os fariseus se distinguiam de todos os outros hebreus pela sua meticulosa observância da Lei, cuja interpretação os dividiu ainda em várias facções, como a escola de Hillel ou aquela de Shammai. No movimento farisaico encontramos os herdeiros dos hasidim, ou seja, daqueles que tinham se oposto ao influxo helenizante imposto pelos reis seleucidas à Palestina durante a primeira metade do século II a.C. Nos primeiros tempos de João Ircano I (135-104 a.C.) tinham abandonado a colaboração com os Asmoneus por causa da sua crescente mundanização e assimilação do ambiente helenístico. Talvez, naquela época, assumiram o nome “fariseu”, ou seja, separados.
            Se tivesse existido um “partido da Lei”, certamente este seria o partido dos fariseus. Estes estudavam a tradição religiosa, com todo o cuidado possível, para descobrir o significado jurídico dos preceitos contidos na Torá e o sentido dos escritos proféticos. Viviam em associações onde conduziam vida comum dedicada ao estudo da Lei, tendo como guia um chefe espiritual. O objetivo do seu empenho era a santificação do inteiro povo de Israel. Para isto tinham que se manter puros de qualquer contágio do mal que se contraía através da comunhão social com os pecadores. Quem não observava a Lei ficava excluído da comunidade. Os fariseus acreditavam na imortalidade das almas, na ressurreição, no Juízo Final e nos anjos. Além da Torá reconheciam as escrituras proféticas e sapienciais e a tradição oral.
            Apesar do seu desprezo para com o povo em geral, que não conseguia observar as Leis como devia, os fariseus eram o partido do campo e dos pequenos centros urbanos, onde eram muito populares por causa da sua seriedade religiosa e da sua exemplar conduta de vida. Mesmo sendo um movimento leigo, pertenciam ao seu grupo alguns sacerdotes. Os fariseus determinavam em grande parte a vida pública, apesar de que no Sinédrio o Sumo Sacerdote fosse um saduceu. Antes de tudo em matéria de religião os fariseus eram os verdadeiros guias do povo em geral. A sua doutrina era baseada sobre todo o Antigo Testamento e sobre a tradição oral e a Halakah (ou seja, a sua interpretação da Torá).
            Depois do ano 70 d.C., cairá a autoridade dos saduceus e dos sacerdotes; mesmo as tentativas dos zelotes de se rebelarem contra o governo romano se revelaram inúteis; desapareceram também os essênios; contudo, os fariseus sobreviveram à catástrofe nacional e já que a sua fortaleza eram as sinagogas estas continuaram a florir mesmo depois da destruição do Templo e da cidade de Jerusalém (135 d.C.). O movimento farisaico se transformará no rabinismo depois de 135 d.C.

* O movimento dos sicários e dos zelotes

            Compunham-se de pessoas que não toleravam o governo estrangeiro, já que Yahveh e nenhum outro devia reinar sobre o seu povo. O seu início se deve àquele célebre censo ocorrido sob Quirino em 7 d.C., do qual  Lucas, de modo errado, faz menção em ocasião ao nascimento de Jesus (Lc 2,1s). Naquela época Judas de Gamala e o fariseu Zaddoq reuniram aquelas pessoas que compartilhavam a sua visão político-religiosa, ou seja, que o censo fosse o início da escravidão romana e por isto de uma condição indigna do povo de Deus. Mesmo sendo cruelmente suprimida pelos romanos esta revolta não se apagou. Por 60 anos este grupo assassinou não só os estrangeiros como também aqueles que eram considerados seus colaboradores. Em 66 d.C. voltaram a provocar uma insurreição na Galiléia; e quando esta caiu, a resistência estourou em Jerusalém, ali o movimento se dividiu em diversas facções (entre elas zelotes e sicários). Com a tomada de Jerusalém (70 d.C.) e a caída de Massada estes movimentos se extinguiram.

* O movimento dos essênios e a comunidade de Qumran

            Segundo Flávio Josefo os essênios representaram uma terceira “filosofia” (a comparação é feita com as escolas filosóficas da Grécia), junto com as seitas dos saduceus e dos fariseus, mas aos essênios falta claramente um influxo político. Mais ou menos na segunda metade do século II a.C. os essênios se separaram do movimento dos hasidim/fariseus sob a direção do assim chamado “Mestre da Justiça” (o qual era de descendência zadoquitica). A causa da separação era ligada uma suposta contaminação do culto no Templo e por isto foram obrigados ao exílio refugiando-se nas proximidades do Mar Morto. A partir daquele momento os essênios foram marginalizados do campo político e por este motivo crescerá neles o ódio em relação aos respectivos regentes em Jerusalém (apesar de que gozaram de certos favores sob Herodes). Talvez envolvida na revolta de 66 d.C., a seita dos essênios e a comunidade de Qumran desapareceram mais ou menos em 68 d.C. (esta parece ser a data mais provável da destruição do “mosteiro” por obra as legiões romanas).
            A comunidade de Qumran, ou seja, a mais profunda concretização das idéias e intenções dos essênios, se considerava como “resto santo” de Israel; lá se conduzia uma vida comunitária que por muitos aspectos se assemelhará ao posterior monacato cristão. Em primeiro lugar, pela renúncia perfeita a posse em favor da comunidade e pela completa dependência e obediência em relação aos superiores. Estes eram sacerdotes (“filhos de Aarão” ou “filhos de Zadoq”) e governavam a comunidade junto a assembléia, mas tinham a palavra final em matéria de religião e de ética. Depois de um ano de prova fora da comunidade e dois anos vividos em Qumran, o “noviço” era admitido na comunidade como membro, com todos os direitos e as obrigações. Aqueles que pecavam gravemente eram excluídos depois da sentença de uma assembléia de ao menos cem membros. Todo o desenvolvimento da vida cotidiana se efetuava na comunidade: refeições, trabalho e oração. Um distintivo característico eram as abluções cultuais, repetidas várias vezes ao dia. A simplicidade e a moderação do seu modo de vida foram louvadas seja por Flavio Josefo que por Filo. Mesmo não desprezando o matrimônio em princípio, ao menos certas classes de essênios não se casavam.
            A comunidade de Qumran como “nova aliança” também se orgulhava da meticulosa observância da Lei e se abstinha de qualquer contato -já por si contagioso- com qualquer pessoa impura. Mas serem estado eleitos por Yahveh enchia de alegria e gratidão os fiéis, os quais ao mesmo tempo aprendiam a odiar todos os outros (mesmo hebreus) como inimigos de Deus.

* O judaismo da diáspora

            No início da era cristã a maioria dos judeus não vivia na Palestina, mas espalhados por toda a bacia do mediterrâneo, principalmente na metade oriental. A consciência de ser o povo eleito por Deus determinava o modo em que os judeus viviam na diáspora (=dispersão). Mantinham-se o mais possível separados, formando bairros. O centro espiritual, mas também nacional da comunidade era representado pela sinagoga. Não existia naquela época uma cidade com alguma importância onde não existisse uma sinagoga com as casa dos judeus ao redor. Quando acontecia alguma coisa de “mal” os judeus serviam geralmente de bode expiatório sobre os quais se reservava a indignação dos habitantes das cidades. Viverem juntos as vezes garantia aos judeus uma maior segurança, mas outras vezes facilitava uma maior vulnerabilidade em relação a estas represálias.
            Mesmo que mais abertos à cultura helenística - o ambiente cultural em que viviam - os judeus da diáspora conservavam a sua fé e a suas características nacionais. Por esta fidelidade a religião dos antepassados não se misturavam com os seus concidadãos os quais interpretavam esta postura como um sinal de desprezo. Mesmo que não fosse ausente a vida campesina, principalmente na Síria e no Egito, o judaísmo da diáspora era composto de pessoas que pertenciam a classe média: artesãos, comerciantes, mas também banqueiros. Muitas vezes conseguiram ser exonerados de certas obrigações que poderiam ferir a sua visão religiosa.
            Apesar da fidelidade à religião judaica é importante constatar que receberam alguns influxos da cultura helenística, ao qual estavam expostos já que viviam ali. Falavam a Koiné e, inclusive, a Bíblia tinha sido traduzida nesta língua (a chamada “Setenta”); evidentemente a maior parte entre eles não conhecia mais a língua hebraica, em conseqüência disso a Koiné penetrava também no culto da sinagoga.
            Através da língua o complexo cultural helenístico, ao menos até certo grau, conseguiu se infiltrar no pensamento hebraico (que por isto se distinguiu muito daquele do judaísmo palestino). De tal maneira também a interpretação da Sagrada Escritura se abriu aos princípios da exegese científica, cujo centro se encontrava em Alexandria.
            Todos os judeus da diáspora continuaram fiéis a sua religião herdada; este fato é testemunhado pelas grandes renúncias que eles assumiram, seja para pagar pela exoneração que lhes levaria a um conflito com a crença exclusiva em Yahveh, seja pela manutenção do Templo; a relação que os unia com o Templo se exprimia também com a peregrinação à Jerusalém. Era a coerência da comunidade israelita, baseada sobre a crença monoteísta que provocava sobre eles a crítica e o ódio dos pagãos, mas também que tornava mais sólida a sua consciência de formar o povo eleito.
            No meio da hostilidade pagã, os judeus, principalmente os fariseus, se empenharam em converter àqueles que se abriam ao monoteísmo e se mostravam impressionados pelo alto nível ético do seu modo de vida. Para este objetivo contribuiu a difusão de um novo gênero literário, ou seja, a apologética, cuja plena extensão acontecerá com o cristianismo do século II e III. A propaganda judaica se serviu (como àquela cristã) da ficção pseudônima ou mesmo da falsificação literária; livros de prestígio foram “enriquecidos” com partes favoráveis ao judaísmo ou mesmo foram publicados livros com os nomes de grandes personagens da antiguidade. Os efeitos imediatos desta ação foram modestos, já que pertencer ao judaísmo resultava em desvantagem, sobretudo a circuncisão fazia desistir os assim chamados “temerosos de Deus” da plena incorporação na comunidade local judaica, mesmo se freqüentavam a sinagoga. De qualquer modo a missão judaica no mundo pagão preparava o campo para a evangelização cristã.


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