A mãe de um
judeu marginal
§ Não
há notícias históricas a respeito de Maria. Pelas notícias de Jesus (Flávio
Josefo e Tácito) podemos nos aproximar de sua figura histórica.
§ Os
Evangelhos não possuem intenção de fazer história, mas de apresentar a fé que
histórica.
§ Por
isso, recorremos a autores não cristãos e historiadores como ponto de partida
de notícias históricas sobre Jesus e sua mãe.
I. O Filho de Maria , um judeu
marginal
§ Maria
é conhecida porque Jesus é conhecido (não da mesma com José). Sua fama crescia à
medida que aumentava o número de crentes.
§ Jesus
não foi um personagem notório, famoso aos seus contemporâneos. Os historiadores
interessaram-se mais pelo movimento cristão que por seu fundador.
§ Foi
um judeu marginal de um movimento marginal, de uma província marginal.
1. O testemunho de Flávio Josefo.
§ Se
fez famoso na Igreja e na Tradição por causa das citações dos Padres da Igreja.
Assim ficou conhecido no Ocidente cristão.
a) Uma testemunha não-cristã.
§ O
interesse era apologético: demonstrar que o cristianismo tinha raízes na
antiguidade provadas em seus livros Antiquitatis
e Contra Apion.
§ Josefo
afirmava que a queda de Jerusalém devia-se ao pecado de Israel, por ter
condenado Jesus à morte; assim era como Josefo era lido pelos cristãos.
§ Também
transmite dados que corroboram com o Novo Testamento: censo de Quirino,
governador da Síria, a crueldade de Herodes, etc.
§ Sua
objetividade histórica era afetada por sua aliança com o imperialismo romano,
com a aristocracia judaica e por seu oportunismo.
§ Defendia
a elite judaica, era pro-romano, anti-revolucionário, etc.
b) A imagem de Jesus na obra de Flávio Josefo
§ Na
obra Antiguidades judaicas de 96-98,
Josefo dá um testemunho sobre Jesus. O texto é autêntico, embora com
interpolações cristãs.
§ Emerge
a figura de um Jesus homem sábio que manifesta sua sabedoria em fatos
surpreendentes. Possui seguidores e foi morto na cruz.
§ Seus
seguidores permanecem fiéis e a tribo dos cristãos continuou. Josefo fala
também de João Batista,
mas sem nenhuma ligação com Jesus.
c) Dados sobre a família de Jesus.
§ O
texto 20 de Antiguidades judaicas narra
à morte de Tiago, irmão do Senhor por Ananias, sumo-sacerdote.
§ Este
nome era comum. Josefo o especifica como irmão do Senhor, como aparece no Novo
Testamento e em Hegesipo (séc. II).
§ Porém,
Josefo e Hegesipo se diferem no relato da morte de Tiago: o primeiro afirma que
morreu apedrejado e o segundo, a pauladas (+ 70).
2. O testemunho de Tácito.
§ Governador
da província da Ásia, historiador (56/57 – 118 d.C), narra a situação da
Palestina no tempo de Jesus.
§ Fala
de Jesus em sua obra Os anais,
citando Nero e suas maldades.
§ Possui
um tom anti-cristão. Os cristãos são depreciados por seus vícios abomináveis e
perigosa superstição moral.
3. As fontes rabínicas e seu testemunho
§ São
várias fontes (Mishna, Talmud, Targuns, Midrashim). A Mishna é o mais antigo.
Mas são os rabinos do século II que falam de Jesus em reação à pregação dos
cristãos.
a) Jesus, bem Pantera
§ É a
história da literatura rabínica onde uma jovem judia manteve relações ilícitas
com um soldado romano chamado Pantera e cujo filho era chamado Bem Pantera.
(Orígenes, no Contra Celso, 248).
§ Celso
(178) refere esta história a Maria: seu marido era carpinteiro que a repudiou
após ter dado à luz em segredo; vai para o Egito onde Jesus trabalha como mago
(deus).
§ Pode-se
supor que esta história já circulava na diáspora judaica do século II. Porém,
Justino não a conhecia (+ 150) no Diálogo com Trifão.
§ Celso
relata algumas características de Mateus. Isto quer dizer que os judeus da
diáspora do século II conheciam Mt 1,18-25 e quiseram refutar inventando uma
paródia.
§ Por
ter surgido na diáspora e não na Palestina, questiona-se a historicidade.
§ Vários
escritos judeus falam de Jesus Bem Pantera, mas sem referência direta a Jesus.
b) Jesus, mago sedutor
§ O
Talmud babilônico fala de Yeshu que enganou Israel e foi apedrejado nas
vésperas da Páscoa.
§ Diversos
documentos falam que Jesus foi para o Egito e lê aprendeu bruxaria. Tudo para
fazer ridícula a figura de Jesus.
II.
Maria e a família de Jesus
1. Os nomes familiares
a) Se chamava Maria
§ Maria
era um nome comum tanto no Antigo Testamento quanto no Novo. A irmã de Moisés e
Aarão assim se chamava (Myriam; Ex 2,4-9) e outra Maria é mencionada em 1Cr
4,17.
§ No
século I, nomes como Jesus, Maria e José eram reacionários. Receber um nome de
um patriarca era identificar-se como judeu autêntico em meio à helenização.
§ Ao
renascimento da identidade nacional e religiosa judaica era forte na Galiléia,
que sofria muito de influência pagã, por isso, os nomes patriarcais na família
de Jesus.
§ Lutero
afirma: “O nome Maria significa mar amargo; de acordo com o ambiente
circunstancial em que vivem. O povo encontra-se apenado e amargurado”.
b) Lhe porás o nome de Jesus
§ Jesus
era um nome abreviado, derivado do herói Josué. Foi um nome popular até o
início do século II d.C. Cristo era usado para distinguir de tantos outros.
§ Yeoshua
significa “que Yahweh ajude”, ou “que Deus salve”. É um nome em contraste com a
helenização que tem a ver com o desejo de restaurar o povo de Israel.
2. Jesus, filho legítimo?
§ Mateus
e Lucas conheciam uma tradição da concepção ilegítima de Jesus. Por seu
machismo ocultaram e camuflaram como concepção virginal, afirma Jane Scharberg.
a) O logion 105 do evangelho de Tomé
§ Ela
supõe que no evangelho de Tomé contenha frases anteriores aos canônicos.
§ Diz
o logion: “Aquele que conhece o pai e a mãe será chamado filho de prostituta?”
§ Parece
que este logion não se refere à origem histórica de Jesus e é improvável que
contenha dados anteriores aos Evangelhos.
b) Filho de Maria
(Mc 6,3)
§ Por
falar: “Não é este o filho
de Maria ?” alguns vêem a negação da legitimidade de Jesus.
Outros manuscritos apresentam: “Não é este o filho do carpinteiro?”
§ É
provável que esta seja uma acomodação de Marcos a Mateus e Lucas.
§ Chamar
um homem de “filho de sua mãe” não indica ilegitimidade no Antigo Testamento e
no Novo. É o exemplo da Sérvia, irmã de Davi (1 e 2Sm, 1 e 2Rs).
§ Os
nazarenos estranham a novidade de Jesus, diante de um passado que não demonstra
nada de extraordinário. Filho
de Maria pode referir-se à sua viuvez.
c) Nós não nascemos da fornicação
§ Os
judeus afirmam que são filhos legítimos de Abraão, por isso, são livres e não
são escravos. Porém Jesus rebate dizendo que não são filhos de Deus porque
atuam contra a vontade de seu Pai.
§ Quem
ataca é Jesus. Os judeus defendem sua legitimidade espiritual afirmando que não
nasceram da fornicação.
§ Portanto,
sobre os textos anteriores se projetam questões posteriores hostis ao
cristianismo e sobre a concepção ilegítima de Jesus.
3. Mãe de um carpinteiro ou de um camponês?
§ Talvez
Jesus e sua família se dedicassem em tempo parcial ao cultivo da terra. Os
cristãos palestinos apresentavam a família de Jesus como lavradora.
§ Isto
pode explicar porque a maioria das parábolas inspira-se na agricultura.
§ Maria
e Jesus viviam em ambiente agrário. Carpinteiro é mencionado em um único
versículo (Mc 6,3a) e nunca é mencionado nas pregações de Jesus ou outros
pontos do Novo Testamento.
§ Tektwn, além de carpinteiro englobava as
funções de pedreiro e ferreiro. Muitas ferramentas se construíam com madeira.
§ Ser Tektwn implicava bastante habilidade técnica
e uma boa dose de força muscular.
§ Na
Galiléia havia poucos ricos (Herodes Antipas, dignatários da corte...). O grupo
médio incluía comerciantes e artesãos e lavradores independentes.
§ Na
escala inferior estavam os servos contratados, artesãos ambulantes e lavradores
sem terra e por fim, os escravos.
§ O
reinado de Herodes Antipas (4-39 d.C) foi próspero e pacífico, permitindo Jesus
empreender sua missão itinerante durante vários anos.
§ Alguns
afirmam que Jesus e José viajavam muito e trabalhavam ocasionalmente em outras
cidades.
4. O núcleo familiar de Jesus
§ O
indivíduo não era uma pessoa isolada, mas fazia parte de uma unidade mais
ampla: a família que dá segurança comunitária e identidade social.
§ Ao
cortar estes laços, Jesus entrava num novo contexto de identidade.
§ Em
Nazaré havia muitas pessoas parentas. Quando Jesus tinha 30 anos talvez José já
tivesse morrido. Maria tinha 14 anos quando Jesus e 48 ou 50 quando morreu.
a) Irmãos e irmãs de Jesus
§ No
ocidente a partir de Jerônimo (383) começou-se a dizer que os irmãos eram
primos. No oriente se dizia que eram frutos de um matrimônio anterior de José.
§ Em
Mt 1,25 fala que José não teve relações com Maria até que ela deu a luz. “Até que” não indica
descontinuidade ou alteração do que se realizou até então (Sl 109).
§ Não
precisamos entender que José e Maria tiveram relações após o nascimento de
Jesus.
§ Em
Mt 13,55 fala dos irmãos de Jesus, levando pensar que Maria e José tiveram outros
filhos.
§ Marcos
não fala de José como Mateus; e, neste último, a ordem é diferente. Nele dá a
impressão que os irmãos estão ligados a sua mãe biológica, formados por laços
de sangue.
b) Primos e primas de Jesus
§ Epifânio
de Salamina (315/402) afirma que os irmãos
§ de
Jesus são filhos de um matrimônio anterior de José, portanto, meio irmãos de
Jesus.
§ Jerônimo
foi o primeiro Padre a afirmar que os irmãos de Jesus eram seus primos e a
defender a virgindade de Maria e de José.
§ Ele
argumenta-se na palavra hebraica ‘âh (irmão) que traduz no grego como adelphos
(primo). No Antigo Testamento esta palavra algumas vezes, significa primo ou
sobrinho (Gn 29,12;24,48).
§ Não
está certo que adelphos era usado no Antigo Testamento para indicar primo.
Paulo chama a Tiago de irmão do Senhor (Gl 1,19) como também Flávio Josefo.
Além disso, primo em grego é aneyios.
§ No
Novo Testamento adelphos se usa em dois sentidos:
§ Firgurativo
ou metafórico: para os seguidores de Jesus, cristãos primitivos, os judeus,
etc.;
§ Real:
para irmão de sangue, legítimo ou meio irmão (com um ou dois pais comuns).
§ Diferentes
são os argumentos:
§ Para
Blinzler Simão e Judas eram filhos de Clopas, um irmão de José e a mãe de
Santiago era uma outra Maria, ligados de alguma forma a Jesus.
§ Para
McHung, uma Maria, irmã de José, desposada por um desconhecido deu a luz a
Tiago e José; Clopas, irmão de José, era casado com outra Maria, da qual nasceu
Simão; portanto, todos eram primos de Jesus, que foram criados por José após a
morte do pai.
§ Eusébio
na História Eclesiástica fala que Hegesipo relata o martírio de Tiago a quem
chama “irmão do Senhor” e menciona um tio e um primo de Jesus, Simão, filho de
Cleofas, tio de Jesus.
§ Não
dá para saber se este Simão é o mesmo identificado em Mateus e Marcos. O mesmo quando
fala de Judas, irmão do Senhor, segundo a carne.
§ Tertuliano
afirmava que eram irmãos verdadeiros, combatendo Marcião com sua visão doceta
da humanidade de Jesus.
c) Perplexidade diante dos dados históricos
§ O
dado é complexo, e por isso, muitos aceitam que Jesus teve irmãos, filhos de
Maria.
§ Mas,
quem assim afirma não percebe que o Novo Testamento usa irmãos do Senhor, mais
como título. Flávio Josefo, que não entendia o significado, usou irmãos de
Jesus.
§ Também
não se diz que são filhos de Maria, nem de José.
III. Na marginalidade
§ Importante
para saber quem foi Jesus e Maria.
1. Nazaré: uma aldeia marginal
§ Flávio
Josefo e o Talmud não citam nenhuma vez Nazaré. Só aparece pela primeira vez no
século III e IV d.C.
§ A
arqueologia revela que Nazaré sempre foi muito pequena, judia na época romana e
sua atividade principal era a agricultura, sem prosperidade.
§ Está
no extremo sul da baixa Galiléia, aldeia isolada dos caminhos mais
freqüentados, a 4 ou 6 Km
de Séforis.
§ A
crucifixão era uma pena de morte romana. Os romanos queriam acabar com a
esperança judia da vinda do Messias rei (anitsemitismo).
§ Maria
é uma mulher entre as tantas que compartilham seus sofrimentos.
IV. Conclusão: mãe de um judeu
marginal
§ 1.
Para as histórias profanas e judia Jesus não teve tanta importância. Por isso,
elas lhe dedicavam alguns comentários, ainda que negativos.
§ 2.
Elas falam da morte de seu irmão Tiago e do caso de Maria com Pantera.
§ 3.
Jesus e Maria forma personagens marginais. Jesus, um marginal do sistema.
§ 4. A marginalidade de Jesus
explica a marginalidade nas atas dos historiadores oficiais, como também a do
seu grupo.
§ 5. A mãe e os irmãos de Jesus
só são mencionados para ofendê-lo.
§ 6.
As notícias da família de Jesus são interessantes quando lidas no contexto do
século I (nomes patriarcais e matriarcais).
§ 7.
Não temos dados históricos concretos sobre o nascimento de Jesus, além dos
Evangelhos.
§ 8.
Jesus era carpinteiro ou artesão? Imaginamos num contexto agrário e próspero.
§ 9.
Quanto aos irmãos de Jesus, não podemos chegar a uma conclusão certa.
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