A
PROXIMIDADE DA PARUSIA
Eis uma questão das mais controvertidas e complicadas na
exegese do Novo Testamento.
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Jesus e a espera próxima da vinda do
Reino.
Jesus
identificou-se com a figura do Filho do Homem e parece ter pensado a sua vinda
para uma data próxima, imaginando um cumprimento dentro em breve do vaticínio
de Dn 7. “Não acabareis de percorrer as cidades de Israel até que venha o Filho
do Homem” (Mt 10,23c). “Estão aqui presentes alguns que não provarão a morte
até que vejam o Reino de Deus chegando
com poder” (Mc 9,1). “Vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poderoso e
vindo com as nuvens do céu” (Mc 14,62; cf. Mc 13,28-30). Permanece o problema
de como Jesus entendia essa proximidade no horizonte de sua concepção
escatológica.
A
proximidade em questão não pode ser cronológica, mas deve ter outro sentido.
Jesus pode ter se equivocado, condividindo a mentalidade comum em uma questão
que Ele não precisava conhecer com clareza porque a solução não fazia parte de
sua missão salvadora. Entretanto, mais do que um defeito de um conhecimento
desnecessário, podemos conjeturar que ele se exprimisse numa outra concepção do
tempo, como podia fazer a partir do mistério de sua personalidade única. De
fato, nele mesmo, alpha e ómega, se alojava uma peculiar e absolutamente
inédita vivência da proximidade atual entre a sua pessoa e o seu anúncio.
Trata-se de uma proximidade não cronológica, mas ôntico-existencial. A
experiência da proximidade pessoal se exprimia na linguagem deficiente da
proximidade cronológica. Seu ser já estava de tal forma estruturado pelo
‘éschaton’ que se fundia com ele, como aparece na auto-designação de Filho do
Homem.
Uma
consideração paralela olha não só para o aspecto qualitativo da personalidade
de Jesus, mas também para a qualidade
do próprio Reino de Deus. Se Jesus afirma sua próxima chegada, com isso Ele
traduz a idéia de que esse Reino é pensado pelo Pai em correspondência ao seu
desejo de introduzir o quanto antes a criação na comunhão de vida com Ele. Para
isso é necessário que a humanidade assim queira. Deus, por sua parte, oferece o
Reino que está próximo, isto é, ao alcance do homem, se ele quiser. O que por
natureza está próximo depende do interesse do homem em realizar o que é próprio
do Reino. Não o fazendo, o Reino retarda, mostrando Deus sua paciência com os
pecadores, sua longanimidade e sua misericórdia, dando mais tempo para os
homens.
O
Reino ainda pode ser considerado próximo no sentido de ser a etapa definitiva que inicia a consumação final, onde estão
presentes embrionariamente todas as virtualidades que irão se manifestar no
‘éschaton’ da história econômica da salvação. Essa consumação, portanto, é
realmente só questão de tempo, mas sua realização já está decidida e iniciada
de maneira irreversível. O fim está próximo equivale, assim, a estar garantido,
determinado de modo inevitável. Mesmo não concluído, o fim já começou, não
estamos mais na preparação ou nos antecedentes do fim.
Dito
isso, devem ser ponderados textos nos quais o elemento cronológico desemboca
numa singular elasticidade do tempo
de espera. Jesus lembra que Deus pode tanto prolongar como abreviar esse tempo
(Mt 24,22). Numa economia de graça e não de julgamento, Deus pode abreviar o
tempo em benefício dos eleitos, como pode prolongá-lo para dar novas
oportunidades para a conversão dos pecadores.
Junto à petição do “Venha o teu Reino”, o discípulo é exortado à
paciência (Mc 13,7.13.21-23).
Jesus
recusou-se a responder à pergunta – tão
importante no clima apocalíptico da época – sobre a data da Parusia (Mc 13,32). Em Lc 17,20 não se trata tanto da
previsão de uma data precisa, mas da possibilidade de perceber a vinda do Reino
através de fenômenos claramente observáveis: “A vinda do Reino de Deus não é
observável” = não vem de acordo com observações prognosticáveis (o substantivo
‘παρατήρησις’ era usado para a observação dos astros ou para o reconhecimento
crítico de fenômenos claramente
identificáveis). Jesus não quer instruir sobre o fim iminente, mas quer lançar
seu apelo dimensionado na perspectiva do fim, da realização plena do Reino. A
opinião que Jesus podia ter em seu saber humano sobre a extensão do prazo não
era uma definição autoritativa, pois a única autoridade por ele reconhecida
nesse assunto era o Pai.
Há
textos que insistem na incerteza do
momento da consumação do Reino (Mc 13, 33.35.37; Mt 24,42; 25,13; Lc 12,40),
metaforicamente expressa com a imagem do ladrão que não envia aviso prévio (Mt
24,43; Lc 12,39). Daí que a atitude específica da comunidade escatológica é a vigilância sem desfalecimento
(γρηγορέω) da qual decorre uma ética exigente e a postura de uma confiante e
ardente expectativa (Mt 24,42; 25,13; 26,41 // Mc 14,38; Mc 13, 35.37; Lc
12,37).
Concluindo, Jesus previu
certamente um tempo intermédio entre a Páscoa e a Parusia. Para confirmação
ulterior lembremos a formação dos discípulos, as instruções sobre o comportamento deles no mundo, o envio
missionário deles manifestam a consciência de Jesus a respeito de um fim posterior à sua morte.Assim também as
afirmações de Mc 2,19s e 14,7. Se o entretempo prolongou-se além do previsto
por Jesus, a estrutura de sua concepção não fica por isso modificada.
-
O problema na comunidade primitiva
Há três séries de textos a
respeito de como a comunidade sentiu o problema:
a) A Parusia é esperado
para logo (1Ts 4,15-17; 1Co 7,29;15, 51; Rm 13,11. Daí a fervorosa invocação do
‘maranatha’ (1 Co 16,22).
b) Relativização
deliberada desse cálculo estimativo (1Ts 5, 1s.4; 2 Ts 2,2ss; 2 Pd 3,10; Ap
3,3; 16,15). Note-se o uso freqüente da imagem do ladrão proveniente de Jesus.
c) O dado mais relevante é
a presença do tema em textos tardios, quando não se podia mais esperar a
Parusia dentro da primeira geração que já falecera. Surpreendentemente, a
linguagem da proximidade não só não desaparece, mas é usada com toda a
naturalidade e com freqüência.
A partir da carta aos
Romanos Paulo, seguido dos outros, não
fala mais do fim dentro da sua geração, mas continua tratando da esperança da
Parusia em termos de proximidade (Fl 4,5; 1 Tm 4,1; 2 Tm 3,1; Tt 2,12s; 1 Pd
4,7; Hb 10,25.37; Tg 5, 7-9; 1 Jo 2,18; Ap 1,1; 2,16; 6,11; 22,6s.20).
Portanto, a idéia da
proximidade, plasmada em 1Ts, 1Co e Rm com um óbvio sentido de proximidade
cronológica, sobrevive à pura cronologia e passa a ser categoria inseparável da
mesma idéia da Parusia. Não é possível falar da Parusia a não se em termos de
proximidade, e isso independentemente da extensão, maior ou menor, do lapso de
tempo que ainda nos separa dela. Não é a quantidade do tempo que conta, mas a
sua qualidade. O momento presente confina com o fim, está sob o cerco do fim,
é, pois, iminente. O mero ínterim que ainda permanece, entre o ainda não e o já, não constitui mais uma distância real.
Além do mais, a pessoa
esperada pela comunidade não é alguém ausente, mas sim bem presente no meio
dela, na celebração eucarística, no rosto dos irmãos, na proclamação da
Palavra. O esperado está próximo, não longe.
A comunidade teve que
absorver a dilação da Parusia, esperada para a primeira geração cristã, sem demonstrar absolutamente sinais de
rejeição. 2 Pd 3 confirma que o alargamento, mesmo indefinido, do prazo de
espera não acabou com a esperança parusíaca, pois esta se manteve viva. Nos
textos citados não há o menor sinal de grave decepção por causa do adiamento
(somente 2Pd 3 e talvez Jo 21,23 poderiam insinuar algo disso). Assim foi,
porque o dado cronológico não pertencia à essência da esperança. De outra
forma, a comunidade não teria sobrevivido à ruína do que teria representado sua
convicção fundamental; muito menos teria sobrevivido sem renunciar nem à sua
atitude de expectativa, nem a formular
tal atitude com a categoria da proximidade.
A adaptação não traumática
às novas circunstâncias da espera foi possível porque a pregação escatológica
de Jesus já subministrara recursos suficientes para efetuar com êxito tal
operação, para reconverter a proximidade cronológica (quantitativa) em
proximidade teológica (qualitativa) e trocar a dilação em dilatação do
prazo.
“Vós sereis o meu povo; Eu
serei vosso Deus”. Foi essa a célula geradora da promessa no Antigo Testamento:
a mútua pertença entre Deus e o seu povo, a recíproca comunidade de vida. Pois
bem, a encarnação do Filho de Deus cumpre esse propósito da maneira mais
generosa possível, mas também da forma mais inesperada. Coerente com a
peculiaridade única desse cumprimento surge um novo modo de compreender o escatológico e um novo estilo de viver a
esperança.
O acontecimento
escatológico perfurou a história para enriquecê-la por dentro e pilotá-la até a
meta. O ‘éschaton’ implanta-se com a encarnação, vida , mote e ressurreição de
Jesus, e desenrola num arco temporal de duração indeterminada, mas que pode ser
denominado ‘a última hora’, ‘os últimos dias’,
‘o novo eon’, e se consuma com a Parusia do Senhor ressuscitado.
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