MARIOLOGIA SISTEMÁTICA
Diante dos posicionamentos ora contra ora a favor
da verdade sobre Maria, a teologia sente a necessidade de dar respostas e
explicar as contradições e harmonias, as definições dogmáticas e as
experiências marianas.
I. A mariologia no campo da
contradição
Resulta
difícil harmonizar os dados que a respeito de Maria procedem da Escritura, da
tradição teológica, da tradição patristica e do magistério normativo ou
dogmático. A mariologia tem se desenvolvido
parelamente a cristologia e eclesiologia, no entanto nos últimos dois
séculos fez-se afirmações dogmáticas sem precedentes, como, o dogma da
Imaculada Conceição e o da Assunção de Maria. Um parecer que excede o âmbito do
revelado. Não se encontra dados na Bíblia nem na patrística a respeito dos dois
dogmas. O magistério traiu e não respeitou as normas elementares de fidelidade
e obediência a Escritura e a Tradição?
Hoje se põe em
questão a realidade da «concepção
virginal» tanto do ponto de vista histórico-crítico como, de sua centralidade
no símbolo da fé. Existem teólogos que se pudessem excluiriam do símbolo da fé
“incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria virgine”. Tendo como chave de
interpretação mero theologumenon ou christologumenon. Desse modo, a virgindade
de Maria “antes do parto” seria insustentável teologicamente. O título de Maria
mãe de Deus seria uma divinização ilegítima.
Muitos
teólogos, inclusive protestantes contestam a mariologia. O magistério da Igreja
está vigilante sobre esta questão, para evitar o reducionismo teológico dos
contestadores.
Além da
questão teológica se vê crescer entre os crentes a indiferença afetiva ante a
virgindade de Maria, ante sua maternidade e ante seu mistério. O mistério de Maria e sua própria vida estão
intimamente ligados à existência da Igreja.
Os que
contradizem a doutrina mariológica da Igreja optam pelo reducionismo teológico,
seja de sinal escético ou dogmático.
II - A verdade sobre Maria
A Igreja se mostrou desde suas origens, interessada em conhecer a
verdade sobre Maria. Ela penetrou na zona misteriosa de Maria fazendo dela
objeto de sua reflexão teológica e sapiencial. Mateus, Lucas e João dão uma
maior relevância e a colocam em importantes contextos teológicos. Os evangelhos
apócrifos, em particular o protoevangelho de Tiago, na época patrística
serviram como fonte de estudo sobre a virgindade e santidade de Maria. Ela
esteve sempre presente na espiritualidade do povo de Deus: no culto e no
caminho espiritual. A Igreja a proclamou theotokos. Na concepção virginal de
Jesus se descobre o grande símbolo da filiação divina. Ela foi vista como a
nova Eva, que recapitula a primeira e se converte em causa de salvação.
a. Os dogmas marianos
O dogma da
virgindade de Maria antes, durante e depois do parto se fundamenta no
conhecimento conatural do mistério de Cristo Jesus que o tem sido concedido.
Não é a satisfação de uma curiosidade histórica que explica a afirmação
dogmática, mas é expressão de uma experiência do mistério de Cristo, o que se
deduz que por Ele, Maria foi sempre virgem.
Maria é proclamada
theotokos por uma motivação profundamente cristológica, que se baseia na
divindade de Jesus. O conhecimento
místico de Cristo tem como conseqüência conhecer o mistério de sua mãe. A
Igreja não tem como referência os dados sobre Maria, mas o conhecimento do
mistério de Jesus. Os Padres ligaram a identidade do Filho à identidade da Mãe
e que a identidade da mãe se converteu em símbolo da identidade do Filho.
Os dois últimos
dogmas marianos: Imaculada conceição e Assunção de Maria
tiveram como motivações: a gloririficação de Deus, a glorificação de Maria e o
bem do povo. Nem todos os teólogos estavam de acordo com a proclamação dos dois
dogmas, mas o acordo fundamental estava no povo que já celebrava estas festas
marianas desde fazia séculos, que se identificava com a liturgia e alimentava
nela sua piedade Mariana. O povo cristão contemplava a Maria, desde sua relação
materna com seu Filho Jesus e viam nela a fonte humana do “todo Imaculado
Jesus”, a primeira pessoa redimida, salva e glorificada totalmente por seu
Filho. A devoção mariana, às vezes chegou a excessos, mas a teologia e o
magistério trataram de corrigi. Maria não foi idolatrada, mas reconhecida como
a dimensão mais acessível ao sagrado. Maria tem sido bem patrimonial mais do
povo simples e dos santos que dos teólogos. É uma realidade que se deve levar
em consideração quando tratar da hermenêutica das verdades ou definições
dogmáticas marianas.
b. A lógica interna dos dogmas marianos
Os dogmas marianos
não são afirmações autoritárias de quatro privilégios de Maria escolhidos
aleatoriamente aos quais lhes acrescentaria outros. São resultados de um
processo unitário, de um itinerário gnosiológico e espiritual, cheio de
complexidade. Trata-se de um processo seguido milhões de comunidades crentes ao
longo dezenove ou vinte séculos.
A Igreja age com
prudência antes de proclamar um dogma. É inteligente perguntar-se pela lógica
interna dos dogmas marianos, para compreender sua verdade. Eles surgem dentro
de um contexto vital, como exigência da vida. A Maternidade divina, a Virgindade
permanente, a Imaculada concepção e a Assunção não são quatro privilégios com
os quais Maria tem sido agraciada, como se pudesse ter sido agraciada com
outros diferentes. Deus a escolheu desde sempre para ser a mãe de Jesus e ela
correspondeu com amor. Portanto, a este mistério sacrossanto respondiam as
festas marianas iniciadas no primeiro milênio.
III - Qual é a verdade e como se chega a ela?
A Igreja tem seguido de modo adequado e legítimo o caminho para
conhecer a verdade sobre Maria?
A verdade e a lógica
Para a lógica a verdade evolui à base de silogismo, premissas e
conclusões. Considera-se a pessoa como uma máquina pensante e não como
inteligência que sente. De acordo com essa visão intelectualista, a evolução da
verdade sobre Maria dependeria da capacidade silogística dos cristãos, da sábia
utilização de todos os ingredientes teológico-bíblicos que permitiriam um
conhecimento mais adequado de sua pessoa.
Os filósofos
clássicos e, cristãos, nos diziam que quando nossa linguagem ou nossa forma de
atuar expressa algo que é tal como se comporta na realidade, ou quando nosso
entendimento capta adequadamente aquilo que entende então acontece a verdade.
Afirmavam que o fundamento da verdade intelectual e moral é a capacidade que
tem tudo o que existe de descobrir-se e manifestar-se em si mesmo a mente
humana: esta é a verdade que se confunde com tudo o que é. Tudo o que existe é,
por sua vez, verdadeiro, porque depende da verdade por antonomásia: o princípio
absoluto da verdade.
Segundo essa perspectiva,
a verdade sobre Maria se produz quando a Igreja expressa em sua doutrina ou em
seus dogmas algo que coincide com a realidade histórica de Maria, quando a
mente da Igreja capta adequadamente o dado objetivo mariano que trata de expor.
Sua verdade é necessariamente irradiante, se exterioriza e as faz conhecer.
1.
A verdade e a ecológica
Neste momento do “pensamento débil” da “democracia das verdades”, o
tema da verdade não está tão claro como o pensamento clássico suponha. Muitos
pensadores colocam a questão em
discursão. A partir de Newton se pensou que o objeto da
ciência era o conhecimento certo; mas na atualidade, demonstra-se que o
conhecimento deve tentar negociar com a incerteza. A lógica aristotélica nos
tem ensinado a pensar a partir da conexão entre causas e efeitos. Deus, nós
temos concebido como primeira causa, da que tudo mais é efeito.
2.
O acesso à verdade sobre Maria pela lógica da
complexidade
A lógica da complexidade requer um acesso múltiplo à verdade de Maria,
que abre mil caminhos sem absolutizar nenhum. Pode-se seguir a via da
simplificação ou da complexidade. Ela esteve sempre presente na memória da
Igreja em seu mistério de vida totalmente transcendente e, sobretudo na vida do
povo de Deus.
1.
A verdade como acontecimento
A verdade é um acontecimento da vida, que se assiste e no qual se
participa. Para a filosofia clássica, conhecer consistia em representar uma
realidade desde fora, enquanto que para a “ecologia do espírito”, conhecer é
construir a realidade que se pensa, que se vai descobrindo.
2.
As simplificações da verdade sobre Maria
A verdade sobre Maria se vai construindo na medida em que me introduzo
no mundo que ela é e representa, no mundo dos testemunhos que se tem dado sobre
ela. Os protestantes só aceitam como verdade o que a Palavra de Deus, o N.T.
disse sobre Maria. Uma posição reducionista.
Portanto, a verdade sobre Maria é uma realidade que se vai descobrindo
na vida comunitária, eclesial, na que colaboram não poucos fatores e, cada vez
mais, não poucas comunidades.
V. Critérios para interpretar as definições dogmáticas sobre Maria
1.
O magistério da Igreja não está sobre a Revelação
A Igreja reconhece a revelação.
Um dogma é reposta da Igreja à revelação de Deus. Ela está a serviço da Palavra
de Deus e não sobre ela (DV 10).
2. Toda afirmação dogmática nos leva a escutar as Escrituras e a
compreender em maior profundidade a revelação
O dogma é um
convite a escutar as Escrituras e a Tradição, a descobrir o impacto da
revelação na alma da Igreja em todos os séculos, e em cada um de nós.
A revelação é a
proposta de Deus para o encontro com o homem de todos os séculos. A verdade da
revelação se vai realizando progressiva e historicamente na medida em que vai
sendo acolhida por diferentes gerações e comunidade humanas.
3. Escutar a particularidade na totalidade da Sagrada Escritura
A verdade
sobre Maria é deduzida nos quatro evangelhos e em sua totalidade bíblica, desde
Gênesis a Apocalipse.
4. Não são novos dados, mas novas perspectivas.
A chave de interpretação dos dogmas marianos deve ser o conhecimento
mais profundo das três dimensões: A Imaculada Conceição (Protológica),
Maternidade virginal permanente (histórica) e Assunção (histórica).
5. cada dogma forma parte de
um conjunto de verdades e entre elas há uma hierarquia
A revelação é um acontecimento que culmina em Jesus Cristo. A
fonte de todos os dogmas consiste na fé em Deus Pai , em Jesus Cristo , no
Espírito Santo e à Igreja.
6. as afirmações dogmáticas e
seu significado em distintos ecossistemas teológicos
As afirmações dogmáticas devem ser entendidas em seu
contexto histórico e cultural. Os ecossistemas teológicos estão em constante
evolução.
A
Igreja tem se preocupado por descobrir a verdade sobre Maria. Ela faz parte da
história da salvação. Mistericamente está presente na memória e coração dos que
crêem. A Igreja tem tratado de chamá-la de bem-aventurada nos diversos momentos
da história. O Espírito tem concedido um conhecimento mais profundo de sua
verdade.
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