PARA
UMA TEOLOGIA DA PARUSIA
A teologia tem se esforçado por preencher o vazio da
reflexão escatológica, sem a qual a compreensão da revelação ficaria truncada e
desprovida do acabamento que tudo ilumina.
1-
Parusia e fim da história
O devir histórico é um processo limitado, não indefinido
nem interminável. Há um ponto-alfa (a criação) e um ponto-ómega (a consumação
na Parusia). Essa concepção bíblica é absolutamente nova, vencendo a concepção
cíclica dos antigos. O futuro só tem sentido pleno nessa concepção, de outra
forma haveria uma perpetuação do presente ou mesmo do passado. Assim, a gênese
no tempo termina num parto, pois somente a eclosão do gestado justifica o tempo
de gestação. A Parusia encerra a história, a conclui consumando-a, constitui o
‘dies natalis’ de uma realidade globalmente transfigurada. Desse modo a Parusia
representa a justificação do tempo histórico
e o esclarecimento de seu significado. Ela constitui o fim na dupla acepção da
palavra: é o término e a finalidade de todo o processo.
Todavia,
há interpretações teológicas que se limitam a considerar o aspecto da finalidade.
Mais do que um acontecimento, a
Parusia seria um momento estrutural da existência do fiel. Desse modo o fato é
separado do sentido, o acontecimento, da interpretação. Essa é a visão presente
nos modelos de Dodd e Bultmann.Para o primeiro a Parusia cumpriria a função de
representar no plano coletivo o que é real no plano individual: o encontro da
pessoa com Deus no término de sua existência. Bultmann pretende manter só o que
é válido no núcleo escatológico: a contínua iminência da crise que a palavra de
Deus provoca no homem convidando-o à decisão.
Do
lado católico G.Greshake propôs algo semelhante. Dentro de uma história como
processo indefinido, a consumação escatológica teria lugar na morte e
ressurreição de cada ser humano, que levaria consigo um fragmento do mundo e da
história; desse modo, o reino de Deus vai se tornando extensivo à toda a
realidade criada. Temos assim uma consumação sem que haja um término.
Também
segundo G.Lohfink a Parusia se dá na morte de cada pessoa. O caráter terminal
da Parusia seria mero resíduo mítico da apocalíptica, e portanto um elemento
não vinculante.
O
que pensar dessas interpretações?
Em primeiro lugar, não se
vê como uma quantidade ilimitada a parte post (na escatologia) possa ser
limitada a parte ante (a criação).
Em segundo lugar, a
escatologia tem relação essencial ao tempo. Com o pretexto da modernidade,
realiza-se uma privatização do ‘éschaton’ e acaba-se por se perder a dimensão
crítico-liberadora inerente à mensagem escatológica.
Em terceiro lugar, a
liquidação da Parusia como acontecimento implicaria também uma negação da
verdade real e objetiva da ressurreição de Cristo. O realismo da encarnação e da ressurreição impõem o realismo da
Parusia.
Enfim, afirmar o fim da
história não significa afirmar o fim do mundo numa espécie de catástrofe
cósmica. Por isso, tentar um concordismo entre o realismo da Parusia e certas
sugestões provenientes da especulação científica ou mesmo da ficção científica
(a lei da entropia, a possibilidade de uma conflagração atômica, etc.) não é
postura autenticamente teológica. Não é um eventual fim do mundo (por
envelhecimento, consumição ou catástrofe) que vai precipitar a Parusia; é a
Parusia que vai por um término ao mundo, não por destruição, mas por
consumação.
2-
Parusia e páscoa da criação
Os termos bíblicos
‘apocalipse’-revelação, manifestação e ‘epifania’-aparição, acentuam sem dúvida
o aspecto da continuidade entre
mundo presente e futuro, que na Parusia
realiza um desvelamento ou descobrimento do que já estava presente de modo
oculto. Daí que o Novo Testamento não fala de retorno ou volta de Cristo, pois
ele já está presente entre os discípulos. Não há propriamente duas vindas, mas
uma só, a encarnação. O que há é uma distribuição dessa única vinda em três
fases: o Filho que assume a condição de servo numa existência histórica; a entronização
do Servo como Senhor glorioso; enfim, o desvelamento da presença real, porém
incógnita, de modo que seja evidente para todos, não só para os que se apóiam
na fé.
Contudo, o acontecimento
que encerra a história trás consigo um coeficiente de uma novidade desconhecida até então, algo que ainda não aconteceu. De
fato, a Escritura fala de ressurreição, de vida eterna, de nova criação, de
transformação cósmica. Tais acontecimentos não são independentes uns dos
outros, pois a célula geradora do inteiro ‘éschaton’, com todos os seus
elementos, é a Parusia, isto é, a revelação da realeza de Cristo por um lado, e
a consumação de sua obra, por outro. Então será comunicada a toda a realidade a
ressurreição já realizada na humanidade de Jesus, aquele que é invocado no
‘maranathá’. A Parusia é assim a páscoa da criação, superação da defasagem
ainda presente entre Cristo e a sua obra. Por esse lado, a Parusia, mais do que
a vinda de Cristo a este mundo, é a ida deste mundo rumo à forma
de existência própria do Cristo ressuscitado, conforme a promessa garantida
pela ressurreição, que em Cristo se realizou em vista de nós.
O destino cristológico
estava incrustado na criação desde sua origem; agora se cumpre como emergência
das pulsões injetadas no interior da realidade pela Páscoa de seu Senhor, e não
pela recurso externo de um decreto administrativo, a dar um desfecho ao teatro
do mundo no estilo de um faustoso fim de festa. Cristo é o ‘éschaton’, não tem um ‘éschaton’. Somos nós e o mundo a termos
um ‘éschaton’, não ele. Cristo não está separado do ‘éschaton’, nem deve chegar
a ele. Ele não tem um futuro próprio, nós somos seu futuro ainda pendente. A rigor, a Parusia não trás para Jesus nada
que ele já não tenha por sua páscoa, a não ser o fato de ele se completar em
nós enquanto glorificados com e por ele.
3-
Parusia e práxis cristã
Uma Igreja que não se sente – mesmo que o saiba
teoricamente – a comunidade dos que esperam a vinda do Senhor, será tentada de
se instalar no mundo o mais comodamente possível, compactuando com o poder
estabelecido, tornando-se ela também uma estrutura de poder. A uma crescente
desatenção em relação ao futuro escatológico corresponde um interesse crescente
pelo futuro intra-histórico.
Situamos
aqui o papel dos sinais da Parusia apresentados no NT: o esfriamento da fé (Lc
18,8), a aparição do anti-Cristo (2 Ts 2, 1ss; 1 Jo 2, 18-22; 4, 1-4; 2 Jo
7-9), a pregação do evangelho a todas as nações (Mt 24,24) e a conversão de
Israel (Rm 11,25ss). Entender esses
sinais como indicações cronológicas e descritivas do futuro tem sido uma
tentação constante. Todavia, toda e
qualquer época poderia rastrear em sua experiência a presença desses sinais. De
fato, já estamos na época escatológica. Esses sinais, devidamente
interpretados, alimentam a verdadeira esperança escatológica, pois, longe de
subministrar falsas seguranças e
expectativas espetaculares, promotoras de um distanciamento da responsabilidade
histórica, reativam e liberam as
energias dos crentes para enfrentar a gravidade da hora presente.
O
cristão movido pela esperança deve atuar na direção daquilo que espera. Esperar
a Parusia é crer que Cristo venceu a injustiça, a dor, o pecado e a morte; não
pode haver então uma resignação passiva diante da persistente emergência desses
fenômenos, que perderam seu direito de assolar a humanidade. Dar testemunho da
ressurreição de Cristo significa torná-la veraz usando sua força contra o
domínio arrogante da morte. O Reino anunciado chega na medida que os fiéis
realizam o que é próprio do Reino, porque sabem que já dispõem da vitória de
Cristo. A vida cristã se fortifica com a própria estrutura do sacramento que a
instaura e acompanha, fazendo das ações e comportamentos cristãos os sinais eficazes
do reinado de Cristo.
2
Pd 3,11s: “Se todo este mundo está fadado a desfazer-se assim, qual não deve
ser a santidade do vosso viver e da vossa piedade, enquanto esperais (πρσδοκώντας
) e apressais (σπεύδοντας : também no sentido de anelar intensamente) a vinda do Dia de Deus...”. Segundo este
texto, esperar a Parusia é fazer tudo para que chegue, é fazer tudo para
antecipá-la. Esperar é operar.
Entre os fariseus, a observância da
Lei de Moisés apressava a vinda do Messias, e os pecadores a retardavam. Para
os cristãos, Jesus iniciou o Reino para que chegasse à consumação através da
oração que comprova, no aproveitamento daquilo que Jesus já iniciou, a verdade
de uma vontade que realmente quer aquilo que pede: um Reino que será consumado
pela Parusia, mas que é uma resposta a uma prece feita com a vida. Assim como o
Verbo se encarnou respondendo à oração cheia de esperança daquela que era
imaculada para ser capaz de orar à altura do dom, assim também Jesus se
manifestará na glória de seu Reino pela prece de uma esposa, a Igreja, que na
ação mostra que quer deveras o que pede como graça na oração. “Quando o Filho
do Homem vier, encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8). Uma oração feita pelo
Espírito, dom do Cristo ressuscitado, garantia da futura ressurreição da
humanidade: “O Espírito e a Esposa dizem: vem!” (Ap 22,17).
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