A prática e a experiência de Jesus
(Cf. Miranda,
25-29, 59-63; Barbé, 103s; apostila de Cristologia)
A teologia tradicional partia de Paulo
e de João, que elaboraram a primeira reflexão teológica sobre a graça e o uso
explícito do vocabulário. Atualmente partimos dos Sinóticos, onde se registra a
plena revelação da realidade da graça qual resumo de toda a vida de Jesus e
realização das promessas.
A prática de Jesus
O que surpreendeu os ouvintes:
- os milagres: sobre os elementos
naturais, curas e exorcismos;
- o falar com autoridade, em nome
próprio;
- o perdão dos pecados, concedido
imediatamente;
- a familiaridade com os pecadores e
marginalizados;
- a liberdade diante da Lei e das
tradições.
O que gostariam de ter visto e não
viram:
- o legalismo;
- o messianismo político, ou mesmo
militar;
- o castigo para os pecadores
(escatologia iminente).
Em que Jesus era diferente de João
Batista:
- vai aonde o povo se encontra, não o
chama a si no deserto;
- simplicidade de vida (não austeridade)
e mansidão;
- vai até os pobres e ao povo comum,
não enfrenta os poderosos;
- não pratica o batismo, mas pede fé e
seguimento, uma relação pessoal viva.
Toda essa prática de Jesus é entendida como graça, termo que
indica tudo o que é novo e original em Jesus. Deus sempre agiu assim, mas a
religiosidade da época havia deturpado a compreensão do agir de Deus exatamente
nesse aspecto.
A explicação de Jesus: como ele
justifica o seu proceder.
Jesus tem seu próprio conceito sobre o Reino de Deus. Esse é o grande
tema central da sua pregação e atuação (Mc 1,15; Mt 4,17; Lc 4,43), e
não o messianismo, a Igreja ou mesmo a graça. Também o Batista pregou o Reino
(Mt 3,2), mas outras são suas características.
Para Jesus, o Reino já é presente (não iminente), de um modo escondido e
humilde (não vistoso e glorioso); é a grande oportunidade em que Deus oferece
todo o seu amor (não o momento de cobrar, punir ou recompensar); depende,
também, do homem que acolhe a ação de Deus e não se limita a esperar, mas faz o
Reino acontecer; que não se converte apenas moralmente, mas, sobretudo, alcança
a capacidade de enxergar o Reino presente nas ações de Jesus.
A justificação de
Jesus aparece, especialmente, nas parábolas do Reino e da misericórdia.
Jesus deve ser como o Pai é: um Deus que quer demonstrar mais amor do que
nunca, para conseguir mais amor. Jesus mostra o amor gratuito e gracioso do
Pai, que privilegia quem mais precisa; mas esse amor só pode ser acolhido por
quem é capaz de aceitar tudo como um dom e não como uma recompensa (Mt
11,25-28).
A experiência de
Jesus
É a razão da prática e o conteúdo da explicação de Jesus: é a
experiência da relação pessoal com Deus, como Pai que ama gratuitamente (gera),
querendo só demonstrar o seu favor, desejando que se ame como ele. Deus é
sempre chamado de Pai, não de Rei, apesar de o tema central de Jesus ser o
Reino de Deus.
O centro vital de Jesus não está na Lei, mas no sentir-se Filho. Jesus
não veio para ensinar doutrinas e comportamentos: ele revela o Pai, de cujo
reconhecimento e aceitação irá derivar o comportamento adequado. O objetivo da
Lei era proporcionar o conhecimento de Deus. Jesus possui e comunica um
conhecimento superior, não adquirido pela Lei, mas pela intimidade com o Pai,
porque ele é seu Filho, o Filho.
O preceito e o
projeto de Jesus
Imitar ou seguir Jesus é ter a mesma prática dele, porque se adotou o
mesmo projeto e a mesma causa e se fez a mesma experiência. O preceito é amar o
inimigo, o próximo e o irmão. O projeto é que todos sejam um, como o Pai e o
Filho são um (Jo 17). O seguimento de Jesus é o pro-seguimento de sua causa.
A Igreja é a comunidade onde isto já
se realiza parcialmente, por causa de Jesus e com ele. Por ser realização
inicial, mas em ligação com Jesus, a Igreja é sinal e sacramento da unidade de
todo o gênero humano.
* * *
A teologia da graça a partir da
prática da Igreja, especialmente na América Latina
(Cf. Boff, 42s, 86-111; Miranda, 18; Barbé)
A Igreja, mesmo
como comunidade local historicamente situada, continua a encarnação de Jesus, é
o seu corpo. A experiência, a prática e o projeto de Jesus continuam na
experiência, na prática e no projeto da Igreja. Tornam-se mais evidentes onde
sua finalidade é realizada ou conscientemente assumida como prioridade. A
finalidade é a comunhão entre os irmãos e o espírito missionário, que amplia o
número destes irmãos. Vários tipos de comunidade podem encarnar esta prática.
A prática a partir
da qual se deveria poder elaborar o tratado da graça se torna visível na
atividade pastoral, nas celebrações, na vida e no testemunho dos santos (não só
os canonizados!), nas instituições, no tipo de relacionamento entre os
cristãos, na ação desenvolvida no mundo, enfim, nos lugares e nas expressões da
experiência da graça.
Mas, tudo isso só poderá ser retamente
interpretado se a prática da comunidade for continuamente confrontada com a
prática de Jesus e com a compreensão da Igreja desta prática.
Há experiências humanas que são comuns
a todos os tempos: a dificuldade em praticar o bem, o sofrimento injusto, a
força do mal, as desavenças entre as pessoas, etc. A teologia da graça sempre
teve presente os problemas existenciais religiosos do homem na vivência da fé.
Na América Latina, a Igreja vivencia a
experiência do processo de libertação de um modo específico, embora haja outras
maneiras de viver, tematizar, conceituar e exprimir o processo de libertação.
Esta experiência e compreensão é ponto de referência para uma teologia da
graça.
Para aonde e para o que se dirige o
processo de libertação?
-
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para a comunhão trinitária, estendida
e participada aos homens, reali-zada neles; expressa como serviço,
participação, partilha;
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-
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para a liberdade
de ser como Deus quer, de pôr em ação o seu plano, de poder fazer o que Deus
quer, o que a ele agrada.
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De onde parte o processo de libertação? Libertação do
que?
Libertação do
pecado, no sentido amplo e completo. Só se tem noção do pecado quando se tem
uma visão clara do objetivo: o pecado é o que se opõe à meta. Não é
simplesmente ofensa a Deus ou desobediência; não se trata apenas do pecado
mortal, matéria de confissão. Só se entende o que é pecado na perspectiva da
finalidade.
Pecado é tudo o
que não cria a comunhão entre os homens, o que a nega, rejeita, dificulta, o
que tem o efeito contrário. É pecado o que tira a liberdade de fazer o que Deus
quer, o que cria e mantém estruturas e situações que impossibilitam a atuação e
a expressão da comunhão, da liberdade de querer o que Deus quer.
Na América Latina como um todo, o que mais se opõe ao
querer de Deus é a opressão e a exclusão, que geram pobreza e miséria,
desfigurando o pobre. O pecado não está tanto na má distribuição dos bens
materiais, ou na impossibilidade de se garantir a todos as necessidades básicas
da vida, mas no fato de que isso acontece porque os homens rejeitam o projeto
de Jesus. O mal está na falta de comunhão, não na falta de bens. A opressão
impede de viver a comunhão
para a qual o homem é feito. Os bens materiais e as conquistas dos homens não
são valores absolutos, mas “pretexto” para unir as pessoas. O objetivo não é a
auto-realização, mas ter o que partilhar e poder ser “um só”.
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