domingo, 28 de fevereiro de 2016

MATERNIDADE TRANSCENDENTE DE MARIA.




MATERNIDADE TRANSCENDENTE DE MARIA.
“et incarnaturs est de spiritu sancto ex maria virgine

            Se Jesus fosse um mero homem, falar se sua origem humana não resvestiria especial importância. Quando Jesus, entretanto, é reconhecido é reconhecido como Messias, Filho de Deus, Unigênito, Logos de Deus encarnado, falar de sua origem humana é surpreendente. Como nasceu o Filho de Deus? Existe alguma característica especial que manifesta sua procedência divina?
A Igreja sempre confessou (Symbolum Romanum, símbolo niceno-constantinopolitano): Jesus, o Senhor, nasceu de mulher, da virgem Maria, e que ela unicamente, sem concurso de varão, foi sua origem nesta terra. A maternidade humana e não a paternidade é o que explica a origem humana do Senhor. Maria é Theotókos. A expressão “mãe de Deus” não traduz adequadamente aquela antiga invocação. A tradução exata em latim seria “Deipara” ou “Dei Genitrix”, mas não “mater Dei”. Os dois primeiros termos fazem referencia à ação de gerar e dar a luz. “Mater Dei” faz referencia à relação permanente que se estabelece entre mãe e filho. As afirmações de fé da Igreja primitiva e proclamadas no Credo, requerem hoje ser meditadas, debatidas, clarificadas.

1.      “MARIA MÃE-VIRGEM” SEGUNDO OS DOIS MODELOS CRISTOLÓGICOS: ASCENDENTE E DESCENDENTE.
Dois modos de enterder Jesus Cristo no NT: Paulo e João (cristologia descendente) e sinóticos (ascendente). A origem humana de Jesus num destes modelos leva a distintas apreciações da figura da “mãe de Jesus”.

1. Cristologia descendente: a maternidade como “kénosis”
            Paulo e João falam de uma modalidade da existência divina de Jesus: preexistiu como Logos, como Filho de Deus, antes de ser viando ao mundo. O Verbo eterno de Deus foi enviado ao mundo e assumiu a existência de uma criatura humana. O Filho de Deus como salvação do mundo.
            A origem humana de Jesus é explicada nesta cristologia como “kenosis”, “anonadamiento” ou “abajamiento”. Para Paulo a figura de Maria não comporta nenhuma importância especial. É tal a admiração que produz o abaixamento do Filho de Deus, que não presta particular atenção a sua origem materna ou paterna. São irrelevantes seus pais e seu nascimento virginal. A origem humana de Jesus não é devida ao Espírito, mas a ação do Pai que envia o Filho, ou a ação do mesmo Filho que assume a carne humana. Para João, a Palavra se fez carne sem proceder da vontade da carne. Ela é gerada por Deus. João falara unicamente de “mãe de Jesus” e nunca de Maria.
            Esta perspectiva cristologica entrou grande acolhida nos Padres gregos. Neles, ao contrario, a figura da mãe adquiriu grande relevância sobretudo para combater a negação gnóstica da encarnação.

2. Cristologia ascendente: a maternidade virginal como “símbolo”
Os sinóticos partem de baixo, do homem concreto que é Jesus. Eles não perguntam como o Filho eterno do Pai se fez homem, mas como este homem pode ser chamado e ser Filho de Deus. Não lhes interessa nenhum tipo de preexistência. Mt e Lc tentam unicamente explicar como este homem, Jesus de Nazaré, é o Filho de Deus desde o momento de sua concepção. Jesus é varão não graças ao varão, mas ao Espírito que produz em Maria o ser-homem de Jesus, e, ao mesmo tempo, seu ser “santo” e “grande”, seu “ser Filho de Deus”, seu “nome”. Na origem de Jesus segundo Mt e Lc não existe causa segunda, não existe ato de geração humana. O homem Jesus existe só “do Espírito Santo... ex Maria virgene”. Esta cristologia supera a cristologia adocionista, pois não houve tempo em que Jesus não fosse Filho de Deus; foi concebido assim por obra do Espírito no seio de Maria, a virgem. Os prólogos cristológicos dos sinóticos têm uma enorme importância para a compreensão de todo o Evangelho. Oferecem a grande chave de leitura na origem humana de Jesus: “de Espírito Santo ex Maria Virgene”.

2.      A síntese das duas perspectivas: o símbolo da fé.
Alguns teólogos protestantes insistem na diferente perspectiva dos dois modelos cristológicos para desvalorizar a crença na concepção virginal de Jesus. Emil Brunner: a fé na preexistência torna desnecessário o recurso à concepção virginal. Wolfhart Pannenberg: sustenta que o relato da concepção virginal surgiu como correção a uma cristologia adocionista, segundo a qual Jesus começou a ser Filho de Deus da descida do Espírito sobre ele no batismo. Os relatos, entretanto, dizem que não foi assim. O Espírito desceu sobre Jesus antes, em sua concepção. A cristologia foi retroagindo. Pannenberg vê no paralelismo Eva-Maria um perigo: atentar contra Jesus, o único representante da humanidade de Deus, fazendo de Maria outra representante igualmente válida.
Estes teólogos advertem justamente as diferenças existentes entre as duas linhas ou concepções cristológicas fundamentais do NT. Entretanto, elas não se contradizem, mas se completam mutuamente. A Igreja primitiva fundiu a perspectiva da preexistência com o nascimento por obra do Espírito na virgem. O “incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria virgine” é a síntese dogmática e crente.  Suscitou muitas reações: para uns é desnecessária, impossível, mito, secundária, para outros absolutamente necessária.

II. “EX MARIA VIRGINE”: UM DEBATE AMPLO.
Por que enquanto para uns este artigo de fé é necessário e para outros é impossível, explicável (mas não histórico), desnecessário e secundário?

1.      Desnecessário à causa do pecado original
Para Agostinho o pecado original se transmitia através do prazer da geração, da libido. Com Jesus não assim, porque foi concebido virginalmente. Isto é o que ratifica o relato da concepção virginal. Detrás desta teoria está a desvalorização da sexualidade humana e materialização do pecado. Nunca foi aceita pela doutrina oficial da Igreja.
Schleiermacher se assemelha a Agostinho. O pecado original distanciou a humanidade de Deus. A reprodução natural também está sob este influxo. Por isso, a atividade sexual não pode germinar o Redentor. É necessário um ato criador suscitado por Deus sobre a pessoa nascente de Jesus. A geração natural nunca obteria tal resultado. Paul Althaus: o nascimento virginal é uma parábola, mas não uma condição real da nova criação de Deus. O artigo de fé é entendido como formulação parabólica da importância de Jesus como novo adão; a essência da pregação é a ressurreição de Cristo. A fé da Igreja primitiva é pascal, sem nascimento virginal. Enfim, esta é a forma generalizada do protestantismo moderno.

2.      Impossível, absurdo!
A concepção virginal contradiz a concepção mecanicista do mundo e nega a plena humanidade de Jesus.
a) Dentro de uma concepção mecanicista do mundo
Iluminismo, deísmo: a concepção virginal “é a mais vistosa desviação de todas as leis naturais” (Strauss). A teologia não soube responder adequadamente e contentou em afirmar o poder de Deus para realizar milagres oportunos. Entendia os milagres como intervenção nas leis da natureza e ruptura de sua lógica interna.
b) Porque pressupõe a negação da plena humanidade em Jesus
Emil Brunner: um ser gerado sem pai pode ser verdadeiramente homem? Na doutrina da concepção virginal existe um certo docetismo unido à desvalorização da geração sexual própria do ascetismo helenista. Aquela concepção favoreceu o ascetismo monástico e um culto a Maria alheio à Bíblia.

3.      Explicável, mas não histórico, mas sim mitológico e arquetípico.
Exegese histórico-crítica: intencionalidade do relato e seu gênero literário.
a) A insuficiência de informação histórica
Não temos testemunho pessoal de Maria e de José. Emil Brunner: o relato não pode proceder de Maria ou de uma fonte próxima a ela. Porque as genealogias de Jesus remete só a paternidade masculina? Por que a família de Jesus se manifesta cética em relação a ele (Mt 3,21)? Por que todos os outros testemunhos bíblicos se calam a respeito? A resposta é: porque criam na eterna filiação de Jesus desde Deus.
Paul Althaus: a historicidade do natus ex de virgene não pode ser demonstrada nem rejeitada, porém a dogmática não tem argumentos para afirmar este dado, do qual temos poucas noticias na Escritura.
b) A explicação mítica
Defensores: David Friedrich Strauss, A. Harnack, J. Hilmann, M. Dibelius. O mito dava expressão lingüística a determinadas representações, esperanças, aspirações e idéias religiosas. Por suas características literárias, o relato da concepção virginal não tem caráter histórico e expressa de forma mítico-legendária a fé em Jesus como grande homem de Deus.
c) Explicação antropológico-psicológica
Feuerbach: o relato da concepção virginal seria explicável como projeção antropológica ou psicológica do ser humano. Os primeiros cristãos projetaram seus sonhos de família no amor profundo do Pai e Filho. Para completar a família divina sentiram a necessidade de uma terceira pessoa (feminina).
Jung: explicitou mais que Feuerbach o caráter projetivo do relato. A “criança divina”, nascida da virgem, é um protótipo, uma dessa imagens que ficaram armazenadas no inconsciente e que nos foram transmitidas geneticamente desde tempos remotos. É um grande símbolo do não-gerado, do não-feito em nossa psique individual ou coletiva.
Drewermann: psicoterapeuta, interpreta o relato na perspectiva de Jung. O relato do nascimento e infância do salvador representa os estágios que cada ser humano tem de recorrer necessariamente na vida para encontrar a si mesmo, tendo a Deus como ponto de partida. Descreve o território e o drama de nossa própria alma na busca de sua identidade.

4.      Um elemento secundário dentro da fé da Igreja
Teólogos católicos recorreram a doutrina do Vat II sobre a hierarquia de verdades (UR 11). A virginitas ante partum  não seria comparável com a verdade da ressurreição, fundamento da fé cristã.

III. “EX MARIA VIRGINE”: A RESPOSTA
Ante a aquelas objeções que resposta hoje a teologia pode dar? Devemos nos contentar em explicar o artigo do Credo “et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria virgine” de forma tíbia, desapaixonada e esceptica? Concordaremos com Hans Küng (“o relato da concepção virginal é um símbolo”)?

1.      Não o pecado original, mas a graça original!
A concepção virginal não é requerida para evitar em Jesus a transmissão do pecado original. A doutrina de agostinho nunca foi assumida pela Igreja. Mt e Lc não vão nesta direção. A finalidade do relato é mostrar como o fato único da origem do Filho de Deus leva em si uma forma única de geração humana. O fato de não ser uma concepção sexual bilateral para a gênese de seu Filho é um grande sinal da graça. Ninguém ganha de Deus! O ser humano nunca poderá merecer seu redentor e muito menos gera-lo. No AT a virgindade não é poder, mas debilidade, incapacidade de gerar. Aqui é o ponto de partida do mistério da Natividade. A pobreza virginal de Maria é o sinal do ágape divino. Não é portanto, a libido como transmissora do pecado o motivo que faz necessária a concepção virginal. É a graça e nada mais.

2.      Porque impossível e absurdo?
a) Quem decide a concepção virginal é o Deus Criador
Os racionalistas afirmam ser absurdo a concepção virginal. A teologia tem dado respostas apressadas, recorrendo ao voluntarismo de Deus. Hoje estamos em melhores condições. A eco-teologia conta como o evento surpreendente dentro da eco-evolução do mundo; conta com o inexplicável, o ilógico, mas sim eco-lógico. A relação entre Deus e o mundo está sobre o sinal da complexidade: porque é imanente até o máximo e transcendente até o máximo. O funcionamento do mundo é categoricamente autônomo e transcendentalmente heterônomo. O milagre é entendido como ação de transcendente em sua criação, sinal de sua presença, de seu senhorio, de sua vontade, de seu reinado. Pode dirigir o mundo sem destruir a eficácia de sua própria criação. Enfim, o que se contrapõe não é ciência e fé, mas duas concepções filosóficas da realidade.
b) O Espírito de Deus é quem faz Jesus plenamente humano
Calcedônia: duas naturezas em Cristo perfeitas, não mescladas. Isto não supõe a negação do nascimento virginal? Como poderia ser igual a nós sem pai humano?
     O Logos, o Verbo, é igual a nós no ser humano que assumiu, mas não é igual a nós no modo como se fez homem.

3.      Histórico e simbólico: o grande mito do novo Gênesis
A informação-documentação que possuímos para afirmar a concepção virginal como fato histórico e real é insuficiente? É excessivo conceder tal realismo histórico ao que parece fora de nossa verificação?
a) As tradições e os prólogos cristológicos
Coincidência total entre Mt, Lc e Jo: a concepção virginal nos prólogos. Os evangelistas não pedem interpretações simbólicas; querem transmitir um fato histórico, real; nos transmitem uma ruptura no modo normal da geração dos seres humanos; não existe aversão a uma possível concepção não-virginal.
H. Schürmann: a notificação do fato histórico da concepção virginal proveio de uma intima tradição familiar, em ultima instancia de Maria e Jose, e que, pela natureza do assunto, um fato assim se contaria ao principio com muita reserva e se transmitiria em pequenos círculos. Demorou para que chegasse aos grandes centros eclesiais. Lucas e Mateus elaboraram uma construção literária e teológica para dizer que Jesus realmente é Filho de Deus desde sua concepção.
R. E. Brown: o fato foi conhecido desde os tempos de Jesus. Os cristãos, para explicar que Jesus não era fruto do pecado explicavam de forma positiva: “por obra do Espírito Santo, Maria concebeu virginalmente”. O interesse primário de Mt e Lc e teológico e cristológico.
J. de Freitas Ferreira: para ambos (Mt e Lc) o milagre da concepção deve ser atribuído ao Espírito Santo. Ato insondável da onipotência de Deus, de seu poder criador, do Espírito. A concepção virginal não é um ato constitutivo da filiação divina de Jesus, mas um sinal de sua origem divina.
b) Se relata um fato incomparável e único
Todos os que estudaram a fundo cientificamente os relatos da concepção percebem que não há dependência literária e ideológica com nenhum mito da antiguidade. Não temos informação para chegar à fonte originária de informação, mas podemos supor que a fonte primaria só pode ser Maria.

c) A legítima re-mitologizaçao de uma história real
Resposta à explicação da concepção virginal como projeção antropológica-psicológica: a Bíblia é história e não mito. Ela é um documento único na história das religiões, pois faz uma crítica radical dos mitos em nome do único Deus. Na religião bíblica o eterno aparece no tempo. Cuidado com o monopólio psicanalítico na interpretação da SE, que dilui a figura histórica, singular e inconfundível, de Jesus de Nazaré no estado anímico de qualquer pessoa.

4.      Um artigo de fé cristológica fundamental
a) A não-equiparação entre paternidade de Deus e maternidade de Maria
“Nascido da virgem Maria” é uma confissão de fé que proclama que um indivíduo humano, Maria, por meio de sua fé, gerou o Messias e que, através dela, Deus mesmo se comunicou plenamente ao gênero humano. Uma maternidade que transcende qualquer outro tipo de maternidade. J. Ratzinger: “A filiação divina de Jesus se baseia, segundo a fé católica, não no fato de que Jesus não teve pai humano. Não é um fato biológico, mas ontológico”.
b) Jesus não é um deus transformado em homem
O ser de Jesus enquanto Filho de Deus consiste no fato de que existe como ser humano exclusivamente graças a Deus em um sentido absoluto, e não condicionado por uma cooperação criatural dos pais. Para os Padres a virgindade de Maria era o sinal da Encarnação, que manifestava que Jesus era filho de Deus (transcendência) e, ao mesmo tempo, filho de uma mulher (imanência).
c) Entre o documento histórico e o testemunho autêntico da fé
Mt e Lc mostram que todo o ser de Jesus está sob a ação do Espírito, desde seu nascimento. O que eles nos transmitem é mais importante que o testemunho pessoal e histórico de Maria. Ela não receber o ministério do testemunho apostólico, que ficou reservado aos apóstolos. A validade teológica do “et incarnatus est de Spiritu Sancto” depende na medida em que ele procede da pregação e tradição apostólica.
     O “ex Maria virgine” fica situado num marco de impressionante riqueza teológica. O reducionismo biologista do fato é pornografia teológica. O importante é contemplar o mistério em sua totalidade. A via de acesso ao mistério da encarnação virginal é a acolhida do testemunho da fé.
d) É essencial ao Credo este artigo de fé?

Sim. O dogma da concepção virginal é uma confissão do ilimitado caráter secreto do vere Deus vere homo e da incomensurável maravilha do temor reverencial e da gratuidade que sentimos. A virgindade de Maria num sentido global, que abraça sua existência espiritual-corpórea, é sinal real do fato de que este homem Jesus, no qual Deus se faz presente, não pode ser o resultado das potencialidades da criatura.

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