MATERNIDADE
TRANSCENDENTE DE MARIA.
“et incarnaturs est de spiritu sancto ex maria virgine
Se Jesus fosse um
mero homem, falar se sua origem humana não resvestiria especial importância.
Quando Jesus, entretanto, é reconhecido é reconhecido como Messias, Filho de
Deus, Unigênito, Logos de Deus encarnado, falar de sua origem humana é
surpreendente. Como nasceu o Filho de Deus? Existe alguma característica
especial que manifesta sua procedência divina?
A Igreja
sempre confessou (Symbolum Romanum, símbolo niceno-constantinopolitano):
Jesus, o Senhor, nasceu de mulher, da virgem Maria, e que ela unicamente, sem
concurso de varão, foi sua origem nesta terra. A maternidade humana e não a
paternidade é o que explica a origem humana do Senhor. Maria é Theotókos.
A expressão “mãe de Deus” não traduz adequadamente aquela antiga invocação. A
tradução exata em latim seria “Deipara” ou “Dei Genitrix”, mas não “mater Dei”.
Os dois primeiros termos fazem referencia à ação de gerar e dar a luz. “Mater
Dei” faz referencia à relação permanente que se estabelece entre mãe e filho.
As afirmações de fé da Igreja primitiva e proclamadas no Credo, requerem hoje
ser meditadas, debatidas, clarificadas.
1.
“MARIA MÃE-VIRGEM” SEGUNDO OS DOIS MODELOS
CRISTOLÓGICOS: ASCENDENTE E DESCENDENTE.
Dois modos de
enterder Jesus Cristo no NT: Paulo e João (cristologia descendente) e sinóticos
(ascendente). A origem humana de Jesus num destes modelos leva a distintas
apreciações da figura da “mãe de Jesus”.
1. Cristologia descendente: a
maternidade como “kénosis”
Paulo
e João falam de uma modalidade da existência divina de Jesus: preexistiu como
Logos, como Filho de Deus, antes de ser viando ao mundo. O Verbo eterno de Deus
foi enviado ao mundo e assumiu a existência de uma criatura humana. O Filho de
Deus como salvação do mundo.
A
origem humana de Jesus é explicada nesta cristologia como “kenosis”,
“anonadamiento” ou “abajamiento”. Para Paulo a figura de Maria não comporta
nenhuma importância especial. É tal a admiração que produz o abaixamento do
Filho de Deus, que não presta particular atenção a sua origem materna ou
paterna. São irrelevantes seus pais e seu nascimento virginal. A origem humana
de Jesus não é devida ao Espírito, mas a ação do Pai que envia o Filho, ou a
ação do mesmo Filho que assume a carne humana. Para João, a Palavra se fez
carne sem proceder da vontade da carne. Ela é gerada por Deus. João falara
unicamente de “mãe de Jesus” e nunca de Maria.
Esta
perspectiva cristologica entrou grande acolhida nos Padres gregos. Neles, ao
contrario, a figura da mãe adquiriu grande relevância sobretudo para combater a
negação gnóstica da encarnação.
2. Cristologia ascendente: a
maternidade virginal como “símbolo”
Os sinóticos
partem de baixo, do homem concreto que é Jesus. Eles não perguntam como o Filho
eterno do Pai se fez homem, mas como este homem pode ser chamado e ser Filho de
Deus. Não lhes interessa nenhum tipo de preexistência. Mt e Lc tentam
unicamente explicar como este homem, Jesus de Nazaré, é o Filho de Deus desde o
momento de sua concepção. Jesus é varão não graças ao varão, mas ao Espírito
que produz em Maria o ser-homem de Jesus, e, ao mesmo tempo, seu ser “santo” e
“grande”, seu “ser Filho de Deus”, seu “nome”. Na origem de Jesus segundo Mt e
Lc não existe causa segunda, não existe ato de geração humana. O homem Jesus
existe só “do Espírito Santo... ex Maria virgene”. Esta cristologia supera a
cristologia adocionista, pois não houve tempo em que Jesus não fosse
Filho de Deus; foi concebido assim por obra do Espírito no seio de Maria, a
virgem. Os prólogos cristológicos dos sinóticos têm uma enorme importância para
a compreensão de todo o Evangelho. Oferecem a grande chave de leitura na origem
humana de Jesus: “de Espírito Santo ex Maria Virgene”.
2.
A síntese das duas perspectivas: o símbolo da
fé.
Alguns teólogos protestantes insistem na diferente perspectiva dos dois
modelos cristológicos para desvalorizar a crença na concepção virginal de
Jesus. Emil Brunner: a fé na preexistência torna desnecessário o recurso à
concepção virginal. Wolfhart Pannenberg: sustenta que o relato da concepção
virginal surgiu como correção a uma cristologia adocionista, segundo a qual
Jesus começou a ser Filho de Deus da descida do Espírito sobre ele no batismo.
Os relatos, entretanto, dizem que não foi assim. O Espírito desceu sobre Jesus
antes, em sua concepção. A cristologia foi retroagindo. Pannenberg vê no
paralelismo Eva-Maria um perigo: atentar contra Jesus, o único representante da
humanidade de Deus, fazendo de Maria outra representante igualmente válida.
Estes teólogos advertem justamente as diferenças existentes entre as
duas linhas ou concepções cristológicas fundamentais do NT. Entretanto, elas
não se contradizem, mas se completam mutuamente. A Igreja primitiva fundiu a
perspectiva da preexistência com o nascimento por obra do Espírito na virgem. O
“incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria virgine” é a síntese dogmática e
crente. Suscitou muitas reações: para
uns é desnecessária, impossível, mito, secundária, para outros absolutamente necessária.
II. “EX MARIA VIRGINE”: UM DEBATE AMPLO.
Por que enquanto para uns este artigo de fé é necessário e para outros
é impossível, explicável (mas não histórico), desnecessário e secundário?
1. Desnecessário à causa do pecado original
Para Agostinho o pecado original se transmitia através do prazer da
geração, da libido. Com Jesus não assim, porque foi concebido virginalmente.
Isto é o que ratifica o relato da concepção virginal. Detrás desta teoria está
a desvalorização da sexualidade humana e materialização do pecado. Nunca foi
aceita pela doutrina oficial da Igreja.
Schleiermacher se assemelha a Agostinho. O pecado original distanciou a
humanidade de Deus. A reprodução natural também está sob este influxo. Por
isso, a atividade sexual não pode germinar o Redentor. É necessário um ato
criador suscitado por Deus sobre a pessoa nascente de Jesus. A geração natural
nunca obteria tal resultado. Paul Althaus: o nascimento virginal é uma parábola,
mas não uma condição real da nova criação de Deus. O artigo de fé é
entendido como formulação parabólica da importância de Jesus como novo adão; a
essência da pregação é a ressurreição de Cristo. A fé da Igreja primitiva é
pascal, sem nascimento virginal. Enfim, esta é a forma generalizada do
protestantismo moderno.
2. Impossível, absurdo!
A concepção virginal contradiz a concepção mecanicista do mundo e nega
a plena humanidade de Jesus.
a) Dentro de uma concepção mecanicista do mundo
Iluminismo, deísmo: a concepção virginal “é a mais vistosa desviação de
todas as leis naturais” (Strauss). A teologia não soube responder adequadamente
e contentou em afirmar o poder de Deus para realizar milagres oportunos.
Entendia os milagres como intervenção nas leis da natureza e ruptura de sua
lógica interna.
b) Porque
pressupõe a negação da plena humanidade em Jesus
Emil Brunner: um ser gerado sem pai pode ser verdadeiramente homem? Na
doutrina da concepção virginal existe um certo docetismo unido à desvalorização
da geração sexual própria do ascetismo helenista. Aquela concepção favoreceu o
ascetismo monástico e um culto a Maria alheio à Bíblia.
3. Explicável, mas não histórico, mas sim mitológico e
arquetípico.
Exegese
histórico-crítica: intencionalidade do relato e seu gênero literário.
a) A
insuficiência de informação histórica
Não temos testemunho pessoal de Maria e de José. Emil Brunner: o relato
não pode proceder de Maria ou de uma fonte próxima a ela. Porque as genealogias
de Jesus remete só a paternidade masculina? Por que a família de Jesus se
manifesta cética em relação a ele (Mt 3,21)? Por que todos os outros testemunhos
bíblicos se calam a respeito? A resposta é: porque criam na eterna filiação de
Jesus desde Deus.
Paul Althaus: a historicidade do natus ex de virgene não pode
ser demonstrada nem rejeitada, porém a dogmática não tem argumentos para
afirmar este dado, do qual temos poucas noticias na Escritura.
b) A explicação
mítica
Defensores: David Friedrich Strauss, A. Harnack, J. Hilmann, M.
Dibelius. O mito dava expressão lingüística a determinadas representações,
esperanças, aspirações e idéias religiosas. Por suas características
literárias, o relato da concepção virginal não tem caráter histórico e expressa
de forma mítico-legendária a fé em Jesus como grande homem de Deus.
c) Explicação
antropológico-psicológica
Feuerbach: o relato
da concepção virginal seria explicável como projeção antropológica ou
psicológica do ser humano. Os primeiros cristãos projetaram seus sonhos de
família no amor profundo do Pai e Filho. Para completar a família divina
sentiram a necessidade de uma terceira pessoa (feminina).
Jung: explicitou
mais que Feuerbach o caráter projetivo do relato. A “criança divina”, nascida
da virgem, é um protótipo, uma dessa imagens que ficaram armazenadas no
inconsciente e que nos foram transmitidas geneticamente desde tempos remotos. É
um grande símbolo do não-gerado, do não-feito em nossa psique individual ou
coletiva.
Drewermann:
psicoterapeuta, interpreta o relato na perspectiva de Jung. O relato do
nascimento e infância do salvador representa os estágios que cada ser humano
tem de recorrer necessariamente na vida para encontrar a si mesmo, tendo a Deus
como ponto de partida. Descreve o território e o drama de nossa própria alma na
busca de sua identidade.
4. Um elemento secundário dentro da fé da Igreja
Teólogos católicos recorreram a doutrina do Vat II sobre a hierarquia
de verdades (UR 11). A virginitas ante partum não seria comparável com a verdade da
ressurreição, fundamento da fé cristã.
III. “EX MARIA
VIRGINE”: A RESPOSTA
Ante a aquelas objeções que resposta hoje a teologia pode dar? Devemos
nos contentar em explicar o artigo do Credo “et incarnatus est de Spiritu
Sancto ex Maria virgine” de forma tíbia, desapaixonada e esceptica?
Concordaremos com Hans Küng (“o relato da concepção virginal é um símbolo”)?
1. Não o pecado original, mas a graça original!
A concepção virginal não é requerida para evitar em Jesus a transmissão
do pecado original. A doutrina de agostinho nunca foi assumida pela Igreja. Mt
e Lc não vão nesta direção. A finalidade do relato é mostrar como o fato único
da origem do Filho de Deus leva em si uma forma única de geração humana. O fato
de não ser uma concepção sexual bilateral para a gênese de seu Filho é um
grande sinal da graça. Ninguém ganha de Deus! O ser humano nunca poderá merecer
seu redentor e muito menos gera-lo. No AT a virgindade não é poder, mas
debilidade, incapacidade de gerar. Aqui é o ponto de partida do mistério da
Natividade. A pobreza virginal de Maria é o sinal do ágape divino. Não é
portanto, a libido como transmissora do pecado o motivo que faz necessária a
concepção virginal. É a graça e nada mais.
2. Porque impossível e absurdo?
a) Quem decide a
concepção virginal é o Deus Criador
Os racionalistas afirmam ser absurdo a concepção virginal. A teologia
tem dado respostas apressadas, recorrendo ao voluntarismo de Deus. Hoje estamos
em melhores condições. A eco-teologia conta como o evento surpreendente dentro
da eco-evolução do mundo; conta com o inexplicável, o ilógico, mas sim
eco-lógico. A relação entre Deus e o mundo está sobre o sinal da complexidade:
porque é imanente até o máximo e transcendente até o máximo. O funcionamento do
mundo é categoricamente autônomo e transcendentalmente heterônomo. O milagre é
entendido como ação de transcendente em sua criação, sinal de sua presença, de
seu senhorio, de sua vontade, de seu reinado. Pode dirigir o mundo sem destruir
a eficácia de sua própria criação. Enfim, o que se contrapõe não é ciência e
fé, mas duas concepções filosóficas da realidade.
b) O Espírito de
Deus é quem faz Jesus plenamente humano
Calcedônia: duas naturezas em Cristo perfeitas, não mescladas. Isto não
supõe a negação do nascimento virginal? Como poderia ser igual a nós sem pai
humano?
O Logos, o Verbo, é igual a nós no ser
humano que assumiu, mas não é igual a nós no modo como se fez homem.
3. Histórico e simbólico: o grande mito do novo Gênesis
A informação-documentação que possuímos para afirmar a concepção
virginal como fato histórico e real é insuficiente? É excessivo conceder tal
realismo histórico ao que parece fora de nossa verificação?
a) As tradições e
os prólogos cristológicos
Coincidência total entre Mt, Lc e Jo: a concepção virginal nos
prólogos. Os evangelistas não pedem interpretações simbólicas; querem
transmitir um fato histórico, real; nos transmitem uma ruptura no modo normal
da geração dos seres humanos; não existe aversão a uma possível concepção
não-virginal.
H. Schürmann: a
notificação do fato histórico da concepção virginal proveio de uma intima
tradição familiar, em ultima instancia de Maria e Jose, e que, pela natureza do
assunto, um fato assim se contaria ao principio com muita reserva e se
transmitiria em pequenos círculos. Demorou para que chegasse aos grandes
centros eclesiais. Lucas e Mateus elaboraram uma construção literária e
teológica para dizer que Jesus realmente é Filho de Deus desde sua concepção.
R. E. Brown: o fato
foi conhecido desde os tempos de Jesus. Os cristãos, para explicar que Jesus
não era fruto do pecado explicavam de forma positiva: “por obra do Espírito
Santo, Maria concebeu virginalmente”. O interesse primário de Mt e Lc e
teológico e cristológico.
J. de Freitas
Ferreira: para ambos (Mt e Lc) o milagre da concepção deve ser atribuído ao
Espírito Santo. Ato insondável da onipotência de Deus, de seu poder criador, do
Espírito. A concepção virginal não é um ato constitutivo da filiação divina de
Jesus, mas um sinal de sua origem divina.
b) Se relata um
fato incomparável e único
Todos os que estudaram a fundo cientificamente os relatos da concepção
percebem que não há dependência literária e ideológica com nenhum mito da
antiguidade. Não temos informação para chegar à fonte originária de informação,
mas podemos supor que a fonte primaria só pode ser Maria.
c) A legítima
re-mitologizaçao de uma história real
Resposta à explicação da concepção virginal como projeção
antropológica-psicológica: a Bíblia é história e não mito. Ela é um documento
único na história das religiões, pois faz uma crítica radical dos mitos em nome
do único Deus. Na religião bíblica o eterno aparece no tempo. Cuidado com o
monopólio psicanalítico na interpretação da SE, que dilui a figura histórica,
singular e inconfundível, de Jesus de Nazaré no estado anímico de qualquer
pessoa.
4. Um artigo de fé cristológica fundamental
a) A
não-equiparação entre paternidade de Deus e maternidade de Maria
“Nascido da virgem Maria” é uma confissão de fé que proclama que um
indivíduo humano, Maria, por meio de sua fé, gerou o Messias e que, através
dela, Deus mesmo se comunicou plenamente ao gênero humano. Uma maternidade que
transcende qualquer outro tipo de maternidade. J. Ratzinger: “A filiação divina
de Jesus se baseia, segundo a fé católica, não no fato de que Jesus não teve
pai humano. Não é um fato biológico, mas ontológico”.
b) Jesus não é um
deus transformado em homem
O ser de Jesus enquanto Filho de Deus consiste no fato de que existe
como ser humano exclusivamente graças a Deus em um sentido absoluto, e não
condicionado por uma cooperação criatural dos pais. Para os Padres a virgindade
de Maria era o sinal da Encarnação, que manifestava que Jesus era filho de Deus
(transcendência) e, ao mesmo tempo, filho de uma mulher (imanência).
c) Entre o
documento histórico e o testemunho autêntico da fé
Mt e Lc mostram que
todo o ser de Jesus está sob a ação do Espírito, desde seu nascimento. O que eles
nos transmitem é mais importante que o testemunho pessoal e histórico de Maria.
Ela não receber o ministério do testemunho apostólico, que ficou reservado aos
apóstolos. A validade teológica do “et incarnatus est de Spiritu Sancto”
depende na medida em que ele procede da pregação e tradição apostólica.
O “ex Maria virgine” fica situado num marco
de impressionante riqueza teológica. O reducionismo biologista do fato é
pornografia teológica. O importante é contemplar o mistério em sua totalidade.
A via de acesso ao mistério da encarnação virginal é a acolhida do testemunho
da fé.
d) É essencial ao
Credo este artigo de fé?
Sim. O dogma da
concepção virginal é uma confissão do ilimitado caráter secreto do vere Deus
vere homo e da incomensurável maravilha do temor reverencial e da
gratuidade que sentimos. A virgindade de Maria num sentido global, que abraça
sua existência espiritual-corpórea, é sinal real do fato de que este homem
Jesus, no qual Deus se faz presente, não pode ser o resultado das potencialidades
da criatura.
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