As Perseguições
As perseguições aconteceram desde o século I até o ano de
312 d.C.. Para entendê-las precisamos ter presente que as perseguições de deram
de duas formas: as perseguições localizadas e esporádicas e as perseguições
sistemáticas e universais. As perseguições localizadas e esporádicas aconteciam
somente em uma cidade ou região e não tinham muita duração de tempo. Neste
grupo podemos colocar a perseguição de Nero aos cristãos de Roma ou a
perseguição do funcionário Plínio na região da Bitinia (esta perseguição vai
ter um papel importante para as outras perseguições localizadas e esporádicas
como veremos mais adiante), neste grupo podemos colocar os progroms que
eram perseguições populares. As perseguições sistemáticas e universais foram
aquelas decididas por algum imperador e que aconteceram em todo Império ao
mesmo tempo. Estas são consideradas as mais sangrentas (em particular a de
Décio e a de Diocleciano).
Para
começar veremos o documento do funcionário imperial Plínio, o moço, que nos
descreve com bastante precisão a perseguição na sua região.
LIVRO X, CARTA 96 E 97
Carta 96: Plínio pede conselho a Trajano
Gaio
Plínio ao Imperador Trajano, é meu costume, ó senhor, referir-lhe tudo aquilo
que tenho dúvida. Quem melhor que tu pode esclarecer a minha incerteza ou
iluminar a minha ignorância. Eu nunca estive presente aos processos feitos
contra os cristãos e por isto ignoro em que e até onde é costume
castigar-lhes ou investigar-lhes. Por isto também tenho dúvidas se si deve
admitir alguma diferença entre as diversas idades e se as crianças, até as
menores, devam ser tratadas como os mais fortes, se si deve perdoar a quem se
arrepende ou a quem abjura de ser cristão e não importe nada não sê-lo mais, se
si deve punir somente pelo nome, mesmo que não existam delitos ou se sejam
sujeitos ao castigo pelos delitos inseparáveis do nome. Por enquanto aqueles
que me foram denunciados como cristãos eu agi deste modo: lhes interroguei se
fossem cristãos, se confessavam que sim, eu fazia duas ou três vezes a mesma
pergunta ameaçando-os de castigo, se persistiam eu os condenava. Já que eu
duvidava daquilo que eles confessavam de ser, eram puníveis aquela obstinação e
teimosia invencíveis. Existiram outros igualmente loucos os quais foram
enviados para Roma já que eram cidadãos romanos. Assim difundindo-se a culpa
surgiram vários casos especiais. Foi-me dado um livrinho anônimo onde estava
escrito os nomes de muitos, os quais negaram de serem ou de terem sido cristãos
pois seguindo o meu conselho invocaram os deuses e ofereceram vinho e incenso a
tua imagem que eu tinha mandado colocar junto com as estátuas dos numos e mais
que maldissessem Cristo, coisas as quais, dizem, aqueles que se dizem cristãos
não fariam jamais. Afirmavam que a sua culpa era aquela de reunir-se em um dia
estabelecido, antes de surgir o sol, cantar, alternando-se em coros, hinos a
Cristo como a um Deus, obrigados com um juramento não a cometer delitos, mas de
abster-se de roubos, assassinatos, adultérios, de manter a fé ... Era costume
que se recolhessem para consumarem juntos uma refeição, mas ordinária e
inocente. Mas de todas estas coisas se abstiveram depois do meu edito que
segundo as tuas ordens tinha proibido as associações. Através da tortura de
duas escravas, que se diziam diaconisas, tentei verificar se existia algum tipo
de delito. Mas o que encontrei foi meramente uma superstição, nem mesmo com a
tortura confessaram algum delito. Por isto, suspenso o processo, recorro a ti
para um conselho, enquanto a coisa me parece digna de consulta, especialmente
pelo grande número de acusados, já que muitos de qualquer idade, ordem, sexo
são ou serão chamados em juízo, não só pelas cidades, mas também pelas
cidadezinhas e pelo campo se difundiu o contágio desta superstição, a qual
parece se possa parar ou corrigir. Já se nota o aumento da freqüência nos
templos, antes quase desertos, na celebração dos solenes sacrifícios, há muito
tempo não freqüentados e da venda das carnes oferecidas nos sacrifícios, cujos
compradores eram raríssimos.
Carta 97: resposta de Trajano
Trajano
a Plínio saúde. Tu agiste como devia, ó meu segundo, no examinar as causas
daqueles que te foram denunciados como cristãos. Já que não é possível
estabelecer uma norma universal e direi
quase invariável, não se devem buscar . Mas se existirem acusados e convictos é
importante punir-lhes, mas se alguém negar de ser cristão e o demonstrar com a
adoração dos deuses, mesmo que suspeito pelo passado, obtenha, por causa do seu
arrependimento, o perdão. Com relação aos livrinhos anônimos de qualquer
espécie de acusações não devem ser acolhidos porque é de péssimo exemplo e
indigno dos nossos tempos.
Da
carta de Plínio se conhece como os cristãos, na Bitínia e no Ponto, eram
denunciados em vários casos, mas também como não se tem a disposição uma lei
imperial, pois nem Plínio nem Trajano mencionam. Falta uma legislação geral
para os cristãos. Plínio estava na dúvida: o cristão deveria ser julgado pelo nome
de cristão ou deveria haver um delito? Era necessário punir um cristão que
tivesse renegado a sua fé? As penas eram iguais para todas as classes sociais,
idade, sexo? Em todo caso: a confissão da fé cristã feita diante de um tribunal
e provada através da não aceitação de sacrificar aos deuses e ao imperador, era
igualado ao delito de resistência contra o estado, logo punível, em base da
coerção, com a morte.
Da
carta de Plínio sabemos que ele deixou livres aqueles que renegavam Cristo e
sacrificavam aos deuses, uma causa de tal comportamento era seguramente a
grande quantidade de denunciados. Plínio chega a conclusão, depois de numerosos
interrogatórios, que ao cristianismo, mesmo sendo uma superstição, não estavam
coligados delitos contra a moralidade ou contra a ordem pública. De fato se
tivesse encontrado algum delito, como poderia mandar embora sem uma justa
punição aqueles que mesmo tendo professado por um tempo o cristianismo, agora o
renegava? Dada a grande difusão da nova religião nas cidades e na área rural,
Plínio pensa indispensável a decisão do imperador, apresentando o bom sucesso
do seu modo de proceder: muitos retornavam aos cultos tradicionais,
confessando-se leais súditos de Roma, oferecendo incenso diante da estátua do
imperador. Na sua resposta Trajano aprovou nos pontos essenciais o
comportamento e a práticas de Plínio, sem contudo querer dar um regulamento
geral, insistia que não se devia buscar os cristãos, mas que se denunciados ou
réu-confessos deviam ser condenados e que aqueles que ofereciam sacrificio aos
deuses podiam ser deixados livre. Proíbe proceder através de denúncia anônima
julgando que tal comportamento é indigno do Estado Romano. A decisão de Trajano
interessa, por agora, só aos territórios de Plínio.
Porque
este rescriptum assumiu no futuro tanta importância? Este documento foi
inserido no epistolário publicado por Plínio, assim que outros funcionários,
lendo-o, tiraram a idéia geral de qual deveria ser o comportamento com relação
aos cristãos. Na verdade o documento deveria perder o vigor em 113, ou seja, no
momento do final do mandato de Plínio, contudo ainda o encontramos em vigor até
a metade do século III, quando em seu lugar entra em vigor a legislação de
perseguição organizada substituindo o “não se devem buscar”, com “se devem
buscar”.
O
aspecto mais importante foi a confirmação do imperador que o cristianismo
afirmado diante de um tribunal merecia a morte. Claramente e pela primeira vez
vinha afirmado que ser cristão era delito por si, para ser punido bastava o nomen
Christi sem outros delitos. Junto da acusação de sacrilégio, profanação da
religião do estado, o motivo principal para uma tal perseguição parece ter sido
o delito da laesa maiestatis.
A dinastia dos severos
Septímio
Severo (193-211)
Caracala
(211-217)
Alexandre
Severo (222-235)
Mesmo
que não mude a situação jurídica dos cristãos no Império, a relativa tolerância
durou ainda sob Septímio Severo, ao menos até 202 d.C. Prova desta tolerância é
a possibilidade concedida aos bispos de reunirem-se em sínodos para decidirem a
questão da Páscoa. Mas não faltam perseguições individuais já que a situação
jurídica existente desde Trajano não tinha sido abolida. Em definitivo podemos
dizer que se trata de uma política amigável, mas não de total paz para a
Igreja.
Septímio Severo
(193-211)
Contudo
em 202 d.C. notamos uma virada na política imperial: Septímio Severo tinha se
convencido que o aumento dos cristãos representava naquele momento uma
autêntica ameaça ao império, por isto proibiu as conversões seja ao
cristianismo que ao judaísmo. Além dos rumores crescentes do povo em geral e à
rigidez dos cristãos montanistas, a nova perseguição poderia explicar-se com a
nova polêmica filosófica começada pelos filósofos pagãos. Mais ou menos em 180,
Celso, filósofo pagão, tinha feito as suas acusações contra a nova religião,
cujo verdadeiro fim, a seu ver, seria a destruição da sociedade e da cultura
pagã e do estado romano. Acusações não totalmente gratuitas, já que se referia
aos dois grandes princípios da unidade do Império Romano: de um lado o
politeísmo na sua interpretação romana que permitia encontrar lugar a todos os
deuses no panteão romano, do outro lado a unidade representada pelo imperador.
Perdidos estes dois princípios se destrói o Império. As mesmas idéias são
colocadas pelo histórico Dion Cássio (morto em 230 d.C.), que na sua obra
reflete sentimentos semelhantes: falando dos tempos de augusto ele coloca na
boca do famoso Mecenato uma exortação a Augusto para que proíba a difusão das novas
religiões (consideradas ateísmo e magia) que do Oriente estão se estendendo por
todo o Império e destruindo a religião tradicional; é um apelo moralizante, que
deve ser colocado no século III mais que no I.
Os
motivos do Edito de Septímio Severo em 202 d.C. com o qual proíbe as conversões
ao judaísmo e ao cristianismo são:
1.
Rigorismos da própria Igreja (o montanismo)
2.
Rumores entre o povo simples contra os cristãos
3. Os
intelectuais que vêem ameaçadas as bases do Império
Com
este edito se atua uma mudança nas formas de proceder jurídico com relação ao
cristianismo, passando da normativa da época de Trajano de “não procurar”, a
uma mais ativa de Septímio Severo, vigiando através de uma rede policial para
evitar o aumento dos cristãos.
O
edito não teve a mesma força em todo o Império, pois dependia de procedimentos
regionais, sendo mais forte lá onde era mais forte a adesão ao cristianismo.
Contudo algumas conseqüências dele foram:
-
Alexandria: fechamento da Escola Catequética mais ou menos em 202 d.C., os
professores fugiram, mas seis estudantes foram justiçados.
-
África: se tem o testemunho do martírio da nobre Perpétua e da sua escrava
Felicidade, catecúmena, justiçadas com os companheiros e o instrutor cristão em
mais ou menos 203 d.C. Juntos com estas testemunhas se somam outras numerosas
deserções por parte do clero.
-
Capadócia: se conhecem mártires.
Estas
perseguições diminuíram no final do governo de Septímio Severo.
Caracala (211-217)
Devemos
admitir uma relativa paz, também porque se sabe pouco das fontes sobre este
período. Não se sabe de novos editos como aquele de Septímio. Mas certamente
não terminaram as perseguições regionais.
Alexandre Severo (222-235)
Com
Alexandre o cristianismo pode expandir-se novamente, superando as restrições do
edito de Septímio, que mesmo ficando em vigor não foram atuados (mas também não
foram abolidas).
A
própria mãe do imperador Julia Mamea, em visita em Antioquia, convidará
Orígenes a uma discussão privada sobre questões religiosas (Eusébio de
Cesaréia).
Nenhum
processo contra os cristãos e nenhum martírio de cristãos pode ser admitido com
certeza sob Alexandre, sendo numerosos o número destes na corte e na cidade de
Roma.
A Historia
Augusta, uma composição tardia do século IV, de vários autores, que foi
escrita com a finalidade de pedir tolerância aos pagãos daquele tempo, exalta a
mesma tolerância tida pelo imperador Alexandre com relação aos cristãos.
Os Imperadores Soldados
Máximo
Trácio (235-239)
Felipe
o árabe (244-249)
É um
período de extrema instabilidade política: os imperadores duram pouco no poder
para poder impor uma política religiosa significativa, mas as perseguições
aumentam, sobretudo com Máximo o rastro.
Máximo Trácio (235-239)
Máximo
se caracteríza por se um imperador bastante intolerante por isto as massas
aproveitam o caminho livre para fazer uma verdadeira caça ao cristão,
favorecidos pela situação jurídica incerta.
Eusébio
de Cesaréia sublinha o fato de ser Máximo o primeiro a atingir não só os
cristãos da corte, mas sobretudo a hierarquia. Vítimas ilustres foram o papa
Ponciano e o presbítero Hipólito, transportados nas mineiras da Sardenha, onde
morreram.
Continua
o estado de insegurança, depende muito do governador da província que pode
impunemente cumprir ou não os editos dos imperadores.
Felipe o árabe (244-249)
Felipe
sustenta uma postura favorável aos cristãos. Algumas histórias chegaram até nós
por meio de Eusébio de Cesaréia, entre elas uma que falava de existência de uma
pequena estátua de Cristo entre os deuses do sacrário privado do imperador. A
correspondência do imperador e da sua mulher com Orígenes confirma esta postura
favorável aos cristãos.
Reflexões sobre a metade do
III século
1.
Desorientação na política religiosa do estado, que oscilando entre perseguições
e tolerância torna insegura a posição dos cristãos sempre expostos aos
desafogos populares.
2. A
iniciativa de um método na perseguição: Septímio Severo e Máximo o rastro são
os primeiros a darem as perseguições um novo tom de organização, atuado
posteriormente com Décio plenamente.
3.
Inicia uma tímida convivência: sobretudo com Alexandre e Felipe o árabe se
demonstra a possibilidade de uma coexistência pacífica entre o cristianismo e o
império, mas somente como perspectiva futura, porque desaparecem muito rápido
com a nova perseguição de Décio.
As perseguições metódicas
Décio
(249-251)
Valeriano
(253-259)
Galieno
(260-268)
Décio (249-251)
Uma
revolta do exército junto ao rio Danúbio em 249 d.C. faz surgir o novo
imperador Décio. O seu programa é restabelecer o fundamento religioso do estado
e levar ao estado a situação de felicidade e de unidade perdidas. A causa desta
perda foi a debilidade dos seus predecessores.
Pouco
depois da ascensão ao trono imperial, Décio inicia uma perseguição de uma
dureza jamais vista, também pela simultaneidade da atuação em todo o império.
Esta perseguição de Décio pode ser colocada no grupo das perseguições
sistemáticas (porque muito organizada) e universais (porque atingiu todo o
império). Com um edito, no ano 250 d.C., Décio pede a todos os habitantes do
império a Supplicatio Deodorum (oração acompanhada de um sacrifício aos
deuses), para exprimir a lealdade dos seus súditos com relação ao estado (império)
e para aplacar os deuses. Os insucessos militares foram interpretados como
resultado da negligência do culto aos deuses, que por isto deveriam ser
renovados. Quem sacrificava recebia um libellus, confirmação escrita que
era entregue para aquele que tinha feito o sacrifício. Em determinadas ocasiões
este documento era exigido pela autoridade judiciária, quem não tivesse o
documento deveria sacrificar e quem não aceitasse sacrificar seria levado preso
para o início do processo.
O
edito não falava explicitamente dos cristãos mas os tocava em primeira linha,
já que deste sacrifício estavam isentos somente os judeus, que gozavam ainda do
privilégio conferido por César. Neste momento os cristãos não eram uma minoria
e Décio, certamente, se dava conta que os atingiria com o seu edito.
A
perseguição, que se estendeu por todo o Império, fez vítimas em todo lugar,
mesmo tendo durado pouco, sobretudo nas regiões mais cristianizadas: Ásia
Menor, África, Egito. Também Orígenes foi envolvido na perseguição, como
confessor. As modalidades de martírio foram várias: fogueira, decapitação, mas
também torturas cruéis, ou a morte por fome na prisão (o estado não se
responsabilizava de sustentar os presos; durante as fases de investigação do
processo os familiares podiam levar a comida; mas depois da condenação isto era
proibido).
Foi
uma invasão dos godos que colocou fim na perseguição, também porque o subsistir
dos inimigos externos e das perdas militares não podia ser atribuído a
responsabilidade de uma grande parte da população. Décio morreu no campo de
batalha (251 d.C.) e isto colocou fim a perseguição. Iniciou uma fase de
relativa calma, mesmo se em alguns lugares continuaram perseguições e execuções
regionais, como aquela do papa Cornélio em 253 d.C. ou 254 d.C. A perseguição
voltará em 257 d.C.
Esta primeira perseguição
sistemática e universal deu origem a um grande problema nas comunidades. Houve
um grande números de cristãos que apostataram (negaram) a sua fé durante as
perseguições (os lapsi). Terminada as perseguições estes lapsi
vão querer voltar para a comunidade para isto deverão se reconciliar passando
pela penitência pública, dependendo da modalidade da apostasia será a
penitência:
- libellatici: aqueles que pagando conseguiram
um libellus, sem contudo sacrificar;
- turificati: o seu sacrifício tinha se
limitado a oferta de um pouco de incenso (Thus) para uma imagem sagrada
(era muito freqüente naquele período oferecer algum grão de incenso aos Lares
familiari quando se entrava em uma casa privada; além disso em todos os
tribunais tinha uma imagem onde se podia sacrificar com incenso; era um rito
religioso com uma vantagem fundamental: custava pouco, os sacrifícios cruentos
eram custosos e necessitavam um templo, do qual nem todos as cidadezinhas eram
dotadas).
- sacrificati: aqueles que tinham participado
de um verdadeiro sacrifício.
Muitos
foram presos, mas nem todos foram justiçados. Aqueles que mesmo tendo sofrido a
prisão e a tortura não foram justiçados e sobreviveram a perseguição, foram
chamados de “confessores”; aqueles que perderam a vida, além do termo clássico
de martyres (martys = testemunho), receberam os nomes de
“consumados” ou “coroados”. É neste contexto que surge o privilegium martyrium: aqueles
que tinham perdido a vida pela fé eram considerados com já estando junto ao
Cristo Juiz e logo estavam em grau de interceder pelos pecadores no juízo de
Deus; este privilégio era atribuído também aos confessores. Alguns destes
mártires, ainda vivos, imediatamente antes da execução tinham conseguido
através de alguns confessores, dar para alguns lapsi as litterae
communionis (cartas de comunhão), que significava a reconciliação tida sem
necessidade de penitência e sem esperar o final das perseguições. Isto
posteriormente representará um desafio para a autoridade do bispo, a quem
dependia a fixação do modo de reconciliação, e da penitência: se tratou de um
desencontro entre os poderes carismáticos e poderes institucionais na Igreja. A
intervenção de Cipriano andou no sentido de reduzir os confessores à norma
disciplinar eclesiástica sem criar divisões, mas colocando fim ao privilegium
martyrum.
A
partir desta problemática a Igreja se deu conta de que a catequese deveria
mudar e teve que se responsabilizar pela reconciliação dos lapsi.
Valeriano (253-259)
Valeriano
se lançou sobretudo contra as classes dirigentes: hierarquia e leigos
influentes. Os presbíteros e os bispos que não sacrificavam eram condenados à
prisão até a morte por fome (257 d.C.). Em 258 d.C. um outro edito atingia não
só a hierarquia mas também os leigos de classes elevadas. Estes se eram
senadores ou eqüestre eram justiçados, enquanto as mulheres eram exiladas e os
bens confiscados; se eram oficiais do Império nas províncias, a condenação eram
as mineiras (uma condenação que era reservada para as classes inferiores: o que
significava que estes oficiais que eram honestiores, eram degradados e
se tornavam humiliores) e os bens eram confiscados. Muitos foram os
apóstatas principalmente nas classes mais elevadas, mas muitos foram também os
confessores e os mártires. As vítimas mais célebres desta perseguição: Cipriano
de quem nos chegaram os atos proconsulares, o papa Sisto II com os seus
diáconos entre eles Lourenço, o teólogo cismático de Roma, Novaciano. O bispo
Dionísio de Alexandria foi exilado.
Também
esta perseguição terminou devido aos acontecimentos militares do Império:
Valeriano perdeu contra os persas e caiu vivo em poder de Shapur I. Os cristãos
interpretaram o acontecimento como uma punição divina. Apesar da maior duração
e maior organização da perseguição e das grandes perdas entre o clero e as
classes elevadas, a Igreja resistiu muito bem, preparada pela precedente
experiência sob Décio.
Galieno (260-268)
Galieno
sucede ao pai como Imperador. Ele pensa que é oportuno, em vista da pacificação
interna do Império, parar qualquer ato de hostilidade, restituir os edifícios
de culto e iniciar um tempo de tolerância que durou até 302 d.C. Assim o
cristianismo recomeçou a aumentar numericamente e a penetrar de novo também
entre as classes dirigentes. Por causa do aumento do número dos cristãos neste
momento, se iniciou as construções das basílicas.
O
significado do edito de Galieno: em 260 d.C. foi promulgado um ato jurídico
que não apenas colocou fim as perseguições, mas que realizava também um
verdadeiro reconhecimento da Igreja por parte do estado. O que não significa
que o cristianismo se tornasse religião de estado, mas que a tolerância não era
só de fato, mas garantida pelas leis estatais. Esta opinião se baseia em três
motivações:
A) O edito de Galério de 311 d.C. que é uma garantia de
tolerância, foi escrito usando uma expressão que o coliga com uma situação
preexistente. Desta forma o edito de Galério seria uma renovação de uma
situação preexistente (antes da perseguição de Diocleciano), ou seja, o tempo a
partir do edito de Galieno.
B) Eusébio de Cesaréia reproduz a carta de Galieno aos
bispos do Egito. O Egito tinha voltado ao poder de Galieno com dois anos de
atraso por causa da presença de um usurpador. Os bispos egípcios escreveram ao
imperador perguntando se os privilégios dados aos cristãos no resto do Império
valesse também para eles. No endereçamento da resposta imperial se lê que a
carta estava endereçada a três pessoas (Dionísio, Pinna e Demétrio) e “aos
outros bispos”. Estes não são pessoas privadas, mas representantes legais de
uma instituição, a Igreja (egípcia, no caso). A segurança da Igreja é garantida
pelo estado que a reconhece como persona iuris.
C) Entre 264 d.C. e 268 d.C. em Antioquia surge o caso
do bispo Paulo de Samosata: deposto como herético por dois sínodos, não aceita
deixar a igreja (lugar) e o episcopado. Quando o Império, com Aureliano, em 275
d.C. volta a ter posse de Antioquia, a comunidade escreve ao imperador para que
resolva a situação (da posse da igreja). Aureliano responde com uma carta onde
ele diz que o edifício (igreja) deveria ser dado para quem estava em comunhão
com os bispos da Itália e em primeiro lugar com o bispo de Roma. Este fato nos
mostra que o estado reconhece a Igreja como dotada da capacidade jurídica de
agir em processo (através da igreja de Roma, provavelmente) e de possuir (logo
de ser “pessoa jurídica”).
Estes
três argumentos parecem esclarecer com suficiente certeza que com Galieno se
tem uma tolerância garantida pelo estado e que inclui a Igreja, seja local,
seja para todo o Império, como persona iuris capace di ius publicum. A
“virada constantiniana” que é o momento em que o estado romano começa a
favorecer a Igreja já se inicia com Galieno quando o estado reconhece à Igreja
o seu direito público e garante a sua existência pelas leis do estado.
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