sábado, 13 de fevereiro de 2016

AS PERSEGUIÇÕES

As Perseguições


            As perseguições aconteceram desde o século I até o ano de 312 d.C.. Para entendê-las precisamos ter presente que as perseguições de deram de duas formas: as perseguições localizadas e esporádicas e as perseguições sistemáticas e universais. As perseguições localizadas e esporádicas aconteciam somente em uma cidade ou região e não tinham muita duração de tempo. Neste grupo podemos colocar a perseguição de Nero aos cristãos de Roma ou a perseguição do funcionário Plínio na região da Bitinia (esta perseguição vai ter um papel importante para as outras perseguições localizadas e esporádicas como veremos mais adiante), neste grupo podemos colocar os progroms que eram perseguições populares. As perseguições sistemáticas e universais foram aquelas decididas por algum imperador e que aconteceram em todo Império ao mesmo tempo. Estas são consideradas as mais sangrentas (em particular a de Décio e a de Diocleciano).
            Para começar veremos o documento do funcionário imperial Plínio, o moço, que nos descreve com bastante precisão a perseguição na sua região.





LIVRO X, CARTA 96 E 97

Carta 96: Plínio pede conselho a Trajano

            Gaio Plínio ao Imperador Trajano, é meu costume, ó senhor, referir-lhe tudo aquilo que tenho dúvida. Quem melhor que tu pode esclarecer a minha incerteza ou iluminar a minha ignorância. Eu nunca estive presente aos processos feitos contra os cristãos e por isto ignoro em que e até onde é costume castigar-lhes ou investigar-lhes. Por isto também tenho dúvidas se si deve admitir alguma diferença entre as diversas idades e se as crianças, até as menores, devam ser tratadas como os mais fortes, se si deve perdoar a quem se arrepende ou a quem abjura de ser cristão e não importe nada não sê-lo mais, se si deve punir somente pelo nome, mesmo que não existam delitos ou se sejam sujeitos ao castigo pelos delitos inseparáveis do nome. Por enquanto aqueles que me foram denunciados como cristãos eu agi deste modo: lhes interroguei se fossem cristãos, se confessavam que sim, eu fazia duas ou três vezes a mesma pergunta ameaçando-os de castigo, se persistiam eu os condenava. Já que eu duvidava daquilo que eles confessavam de ser, eram puníveis aquela obstinação e teimosia invencíveis. Existiram outros igualmente loucos os quais foram enviados para Roma já que eram cidadãos romanos. Assim difundindo-se a culpa surgiram vários casos especiais. Foi-me dado um livrinho anônimo onde estava escrito os nomes de muitos, os quais negaram de serem ou de terem sido cristãos pois seguindo o meu conselho invocaram os deuses e ofereceram vinho e incenso a tua imagem que eu tinha mandado colocar junto com as estátuas dos numos e mais que maldissessem Cristo, coisas as quais, dizem, aqueles que se dizem cristãos não fariam jamais. Afirmavam que a sua culpa era aquela de reunir-se em um dia estabelecido, antes de surgir o sol, cantar, alternando-se em coros, hinos a Cristo como a um Deus, obrigados com um juramento não a cometer delitos, mas de abster-se de roubos, assassinatos, adultérios, de manter a fé ... Era costume que se recolhessem para consumarem juntos uma refeição, mas ordinária e inocente. Mas de todas estas coisas se abstiveram depois do meu edito que segundo as tuas ordens tinha proibido as associações. Através da tortura de duas escravas, que se diziam diaconisas, tentei verificar se existia algum tipo de delito. Mas o que encontrei foi meramente uma superstição, nem mesmo com a tortura confessaram algum delito. Por isto, suspenso o processo, recorro a ti para um conselho, enquanto a coisa me parece digna de consulta, especialmente pelo grande número de acusados, já que muitos de qualquer idade, ordem, sexo são ou serão chamados em juízo, não só pelas cidades, mas também pelas cidadezinhas e pelo campo se difundiu o contágio desta superstição, a qual parece se possa parar ou corrigir. Já se nota o aumento da freqüência nos templos, antes quase desertos, na celebração dos solenes sacrifícios, há muito tempo não freqüentados e da venda das carnes oferecidas nos sacrifícios, cujos compradores eram raríssimos.

Carta 97: resposta de Trajano

            Trajano a Plínio saúde. Tu agiste como devia, ó meu segundo, no examinar as causas daqueles que te foram denunciados como cristãos. Já que não é possível estabelecer uma norma universal  e direi quase invariável, não se devem buscar . Mas se existirem acusados e convictos é importante punir-lhes, mas se alguém negar de ser cristão e o demonstrar com a adoração dos deuses, mesmo que suspeito pelo passado, obtenha, por causa do seu arrependimento, o perdão. Com relação aos livrinhos anônimos de qualquer espécie de acusações não devem ser acolhidos porque é de péssimo exemplo e indigno dos nossos tempos.

            Da carta de Plínio se conhece como os cristãos, na Bitínia e no Ponto, eram denunciados em vários casos, mas também como não se tem a disposição uma lei imperial, pois nem Plínio nem Trajano mencionam. Falta uma legislação geral para os cristãos. Plínio estava na dúvida: o cristão deveria ser julgado pelo nome de cristão ou deveria haver um delito? Era necessário punir um cristão que tivesse renegado a sua fé? As penas eram iguais para todas as classes sociais, idade, sexo? Em todo caso: a confissão da fé cristã feita diante de um tribunal e provada através da não aceitação de sacrificar aos deuses e ao imperador, era igualado ao delito de resistência contra o estado, logo punível, em base da coerção, com a morte.
            Da carta de Plínio sabemos que ele deixou livres aqueles que renegavam Cristo e sacrificavam aos deuses, uma causa de tal comportamento era seguramente a grande quantidade de denunciados. Plínio chega a conclusão, depois de numerosos interrogatórios, que ao cristianismo, mesmo sendo uma superstição, não estavam coligados delitos contra a moralidade ou contra a ordem pública. De fato se tivesse encontrado algum delito, como poderia mandar embora sem uma justa punição aqueles que mesmo tendo professado por um tempo o cristianismo, agora o renegava? Dada a grande difusão da nova religião nas cidades e na área rural, Plínio pensa indispensável a decisão do imperador, apresentando o bom sucesso do seu modo de proceder: muitos retornavam aos cultos tradicionais, confessando-se leais súditos de Roma, oferecendo incenso diante da estátua do imperador. Na sua resposta Trajano aprovou nos pontos essenciais o comportamento e a práticas de Plínio, sem contudo querer dar um regulamento geral, insistia que não se devia buscar os cristãos, mas que se denunciados ou réu-confessos deviam ser condenados e que aqueles que ofereciam sacrificio aos deuses podiam ser deixados livre. Proíbe proceder através de denúncia anônima julgando que tal comportamento é indigno do Estado Romano. A decisão de Trajano interessa, por agora, só aos territórios de Plínio.
            Porque este rescriptum assumiu no futuro tanta importância? Este documento foi inserido no epistolário publicado por Plínio, assim que outros funcionários, lendo-o, tiraram a idéia geral de qual deveria ser o comportamento com relação aos cristãos. Na verdade o documento deveria perder o vigor em 113, ou seja, no momento do final do mandato de Plínio, contudo ainda o encontramos em vigor até a metade do século III, quando em seu lugar entra em vigor a legislação de perseguição organizada substituindo o “não se devem buscar”, com “se devem buscar”.
            O aspecto mais importante foi a confirmação do imperador que o cristianismo afirmado diante de um tribunal merecia a morte. Claramente e pela primeira vez vinha afirmado que ser cristão era delito por si, para ser punido bastava o nomen Christi sem outros delitos. Junto da acusação de sacrilégio, profanação da religião do estado, o motivo principal para uma tal perseguição parece ter sido o delito da laesa maiestatis.




A dinastia dos severos


                        Septímio Severo (193-211)
                        Caracala (211-217)
                        Alexandre Severo (222-235)

            Mesmo que não mude a situação jurídica dos cristãos no Império, a relativa tolerância durou ainda sob Septímio Severo, ao menos até 202 d.C. Prova desta tolerância é a possibilidade concedida aos bispos de reunirem-se em sínodos para decidirem a questão da Páscoa. Mas não faltam perseguições individuais já que a situação jurídica existente desde Trajano não tinha sido abolida. Em definitivo podemos dizer que se trata de uma política amigável, mas não de total paz para a Igreja.

Septímio Severo  (193-211)
            Contudo em 202 d.C. notamos uma virada na política imperial: Septímio Severo tinha se convencido que o aumento dos cristãos representava naquele momento uma autêntica ameaça ao império, por isto proibiu as conversões seja ao cristianismo que ao judaísmo. Além dos rumores crescentes do povo em geral e à rigidez dos cristãos montanistas, a nova perseguição poderia explicar-se com a nova polêmica filosófica começada pelos filósofos pagãos. Mais ou menos em 180, Celso, filósofo pagão, tinha feito as suas acusações contra a nova religião, cujo verdadeiro fim, a seu ver, seria a destruição da sociedade e da cultura pagã e do estado romano. Acusações não totalmente gratuitas, já que se referia aos dois grandes princípios da unidade do Império Romano: de um lado o politeísmo na sua interpretação romana que permitia encontrar lugar a todos os deuses no panteão romano, do outro lado a unidade representada pelo imperador. Perdidos estes dois princípios se destrói o Império. As mesmas idéias são colocadas pelo histórico Dion Cássio (morto em 230 d.C.), que na sua obra reflete sentimentos semelhantes: falando dos tempos de augusto ele coloca na boca do famoso Mecenato uma exortação a Augusto para que proíba a difusão das novas religiões (consideradas ateísmo e magia) que do Oriente estão se estendendo por todo o Império e destruindo a religião tradicional; é um apelo moralizante, que deve ser colocado no século III mais que no I.
            Os motivos do Edito de Septímio Severo em 202 d.C. com o qual proíbe as conversões ao judaísmo e ao cristianismo são:
            1. Rigorismos da própria Igreja (o montanismo)
            2. Rumores entre o povo simples contra os cristãos
            3. Os intelectuais que vêem ameaçadas as bases do Império
            Com este edito se atua uma mudança nas formas de proceder jurídico com relação ao cristianismo, passando da normativa da época de Trajano de “não procurar”, a uma mais ativa de Septímio Severo, vigiando através de uma rede policial para evitar o aumento dos cristãos.
            O edito não teve a mesma força em todo o Império, pois dependia de procedimentos regionais, sendo mais forte lá onde era mais forte a adesão ao cristianismo. Contudo algumas conseqüências dele foram:
            - Alexandria: fechamento da Escola Catequética mais ou menos em 202 d.C., os professores fugiram, mas seis estudantes foram justiçados.
            - África: se tem o testemunho do martírio da nobre Perpétua e da sua escrava Felicidade, catecúmena, justiçadas com os companheiros e o instrutor cristão em mais ou menos 203 d.C. Juntos com estas testemunhas se somam outras numerosas deserções por parte do clero.
            - Capadócia: se conhecem mártires.
            Estas perseguições diminuíram no final do governo de Septímio Severo.

Caracala (211-217)
            Devemos admitir uma relativa paz, também porque se sabe pouco das fontes sobre este período. Não se sabe de novos editos como aquele de Septímio. Mas certamente não terminaram as perseguições regionais.

Alexandre Severo (222-235)
            Com Alexandre o cristianismo pode expandir-se novamente, superando as restrições do edito de Septímio, que mesmo ficando em vigor não foram atuados (mas também não foram abolidas).
            A própria mãe do imperador Julia Mamea, em visita em Antioquia, convidará Orígenes a uma discussão privada sobre questões religiosas (Eusébio de Cesaréia).
            Nenhum processo contra os cristãos e nenhum martírio de cristãos pode ser admitido com certeza sob Alexandre, sendo numerosos o número destes na corte e na cidade de Roma.
            A Historia Augusta, uma composição tardia do século IV, de vários autores, que foi escrita com a finalidade de pedir tolerância aos pagãos daquele tempo, exalta a mesma tolerância tida pelo imperador Alexandre com relação aos cristãos.

Os Imperadores Soldados


                        Máximo Trácio (235-239)
                        Felipe o árabe (244-249)

            É um período de extrema instabilidade política: os imperadores duram pouco no poder para poder impor uma política religiosa significativa, mas as perseguições aumentam, sobretudo com Máximo o rastro.

Máximo Trácio (235-239)
            Máximo se caracteríza por se um imperador bastante intolerante por isto as massas aproveitam o caminho livre para fazer uma verdadeira caça ao cristão, favorecidos pela situação jurídica incerta.
            Eusébio de Cesaréia sublinha o fato de ser Máximo o primeiro a atingir não só os cristãos da corte, mas sobretudo a hierarquia. Vítimas ilustres foram o papa Ponciano e o presbítero Hipólito, transportados nas mineiras da Sardenha, onde morreram.
            Continua o estado de insegurança, depende muito do governador da província que pode impunemente cumprir ou não os editos dos imperadores.



Felipe o árabe (244-249)
            Felipe sustenta uma postura favorável aos cristãos. Algumas histórias chegaram até nós por meio de Eusébio de Cesaréia, entre elas uma que falava de existência de uma pequena estátua de Cristo entre os deuses do sacrário privado do imperador. A correspondência do imperador e da sua mulher com Orígenes confirma esta postura favorável aos cristãos.

Reflexões sobre a metade do III século
            1. Desorientação na política religiosa do estado, que oscilando entre perseguições e tolerância torna insegura a posição dos cristãos sempre expostos aos desafogos populares.
            2. A iniciativa de um método na perseguição: Septímio Severo e Máximo o rastro são os primeiros a darem as perseguições um novo tom de organização, atuado posteriormente com Décio plenamente.
            3. Inicia uma tímida convivência: sobretudo com Alexandre e Felipe o árabe se demonstra a possibilidade de uma coexistência pacífica entre o cristianismo e o império, mas somente como perspectiva futura, porque desaparecem muito rápido com a nova perseguição de Décio.

As perseguições metódicas


                        Décio (249-251)
                        Valeriano (253-259)
                        Galieno (260-268)

Décio (249-251)
            Uma revolta do exército junto ao rio Danúbio em 249 d.C. faz surgir o novo imperador Décio. O seu programa é restabelecer o fundamento religioso do estado e levar ao estado a situação de felicidade e de unidade perdidas. A causa desta perda foi a debilidade dos seus predecessores.
            Pouco depois da ascensão ao trono imperial, Décio inicia uma perseguição de uma dureza jamais vista, também pela simultaneidade da atuação em todo o império. Esta perseguição de Décio pode ser colocada no grupo das perseguições sistemáticas (porque muito organizada) e universais (porque atingiu todo o império). Com um edito, no ano 250 d.C., Décio pede a todos os habitantes do império a Supplicatio Deodorum (oração acompanhada de um sacrifício aos deuses), para exprimir a lealdade dos seus súditos com relação ao estado (império) e para aplacar os deuses. Os insucessos militares foram interpretados como resultado da negligência do culto aos deuses, que por isto deveriam ser renovados. Quem sacrificava recebia um libellus, confirmação escrita que era entregue para aquele que tinha feito o sacrifício. Em determinadas ocasiões este documento era exigido pela autoridade judiciária, quem não tivesse o documento deveria sacrificar e quem não aceitasse sacrificar seria levado preso para o início do processo.
            O edito não falava explicitamente dos cristãos mas os tocava em primeira linha, já que deste sacrifício estavam isentos somente os judeus, que gozavam ainda do privilégio conferido por César. Neste momento os cristãos não eram uma minoria e Décio, certamente, se dava conta que os atingiria com o seu edito.
            A perseguição, que se estendeu por todo o Império, fez vítimas em todo lugar, mesmo tendo durado pouco, sobretudo nas regiões mais cristianizadas: Ásia Menor, África, Egito. Também Orígenes foi envolvido na perseguição, como confessor. As modalidades de martírio foram várias: fogueira, decapitação, mas também torturas cruéis, ou a morte por fome na prisão (o estado não se responsabilizava de sustentar os presos; durante as fases de investigação do processo os familiares podiam levar a comida; mas depois da condenação isto era proibido).
            Foi uma invasão dos godos que colocou fim na perseguição, também porque o subsistir dos inimigos externos e das perdas militares não podia ser atribuído a responsabilidade de uma grande parte da população. Décio morreu no campo de batalha (251 d.C.) e isto colocou fim a perseguição. Iniciou uma fase de relativa calma, mesmo se em alguns lugares continuaram perseguições e execuções regionais, como aquela do papa Cornélio em 253 d.C. ou 254 d.C. A perseguição voltará em 257 d.C.

            Esta primeira perseguição sistemática e universal deu origem a um grande problema nas comunidades. Houve um grande números de cristãos que apostataram (negaram) a sua fé durante as perseguições (os lapsi). Terminada as perseguições estes lapsi vão querer voltar para a comunidade para isto deverão se reconciliar passando pela penitência pública, dependendo da modalidade da apostasia será a penitência:
- libellatici: aqueles que pagando conseguiram um libellus, sem contudo sacrificar;
- turificati: o seu sacrifício tinha se limitado a oferta de um pouco de incenso (Thus) para uma imagem sagrada (era muito freqüente naquele período oferecer algum grão de incenso aos Lares familiari quando se entrava em uma casa privada; além disso em todos os tribunais tinha uma imagem onde se podia sacrificar com incenso; era um rito religioso com uma vantagem fundamental: custava pouco, os sacrifícios cruentos eram custosos e necessitavam um templo, do qual nem todos as cidadezinhas eram dotadas).
- sacrificati: aqueles que tinham participado de um verdadeiro sacrifício.
            Muitos foram presos, mas nem todos foram justiçados. Aqueles que mesmo tendo sofrido a prisão e a tortura não foram justiçados e sobreviveram a perseguição, foram chamados de “confessores”; aqueles que perderam a vida, além do termo clássico de martyres (martys = testemunho), receberam os nomes de “consumados” ou “coroados”. É neste contexto que  surge o privilegium martyrium: aqueles que tinham perdido a vida pela fé eram considerados com já estando junto ao Cristo Juiz e logo estavam em grau de interceder pelos pecadores no juízo de Deus; este privilégio era atribuído também aos confessores. Alguns destes mártires, ainda vivos, imediatamente antes da execução tinham conseguido através de alguns confessores, dar para alguns lapsi as litterae communionis (cartas de comunhão), que significava a reconciliação tida sem necessidade de penitência e sem esperar o final das perseguições. Isto posteriormente representará um desafio para a autoridade do bispo, a quem dependia a fixação do modo de reconciliação, e da penitência: se tratou de um desencontro entre os poderes carismáticos e poderes institucionais na Igreja. A intervenção de Cipriano andou no sentido de reduzir os confessores à norma disciplinar eclesiástica sem criar divisões, mas colocando fim ao privilegium martyrum.
            A partir desta problemática a Igreja se deu conta de que a catequese deveria mudar e teve que se responsabilizar pela reconciliação dos lapsi.


Valeriano (253-259)
            Valeriano se lançou sobretudo contra as classes dirigentes: hierarquia e leigos influentes. Os presbíteros e os bispos que não sacrificavam eram condenados à prisão até a morte por fome (257 d.C.). Em 258 d.C. um outro edito atingia não só a hierarquia mas também os leigos de classes elevadas. Estes se eram senadores ou eqüestre eram justiçados, enquanto as mulheres eram exiladas e os bens confiscados; se eram oficiais do Império nas províncias, a condenação eram as mineiras (uma condenação que era reservada para as classes inferiores: o que significava que estes oficiais que eram honestiores, eram degradados e se tornavam humiliores) e os bens eram confiscados. Muitos foram os apóstatas principalmente nas classes mais elevadas, mas muitos foram também os confessores e os mártires. As vítimas mais célebres desta perseguição: Cipriano de quem nos chegaram os atos proconsulares, o papa Sisto II com os seus diáconos entre eles Lourenço, o teólogo cismático de Roma, Novaciano. O bispo Dionísio de Alexandria foi exilado.
            Também esta perseguição terminou devido aos acontecimentos militares do Império: Valeriano perdeu contra os persas e caiu vivo em poder de Shapur I. Os cristãos interpretaram o acontecimento como uma punição divina. Apesar da maior duração e maior organização da perseguição e das grandes perdas entre o clero e as classes elevadas, a Igreja resistiu muito bem, preparada pela precedente experiência sob Décio.

Galieno (260-268)
            Galieno sucede ao pai como Imperador. Ele pensa que é oportuno, em vista da pacificação interna do Império, parar qualquer ato de hostilidade, restituir os edifícios de culto e iniciar um tempo de tolerância que durou até 302 d.C. Assim o cristianismo recomeçou a aumentar numericamente e a penetrar de novo também entre as classes dirigentes. Por causa do aumento do número dos cristãos neste momento, se iniciou as construções das basílicas.

            O significado do edito de Galieno: em 260 d.C. foi promulgado um ato jurídico que não apenas colocou fim as perseguições, mas que realizava também um verdadeiro reconhecimento da Igreja por parte do estado. O que não significa que o cristianismo se tornasse religião de estado, mas que a tolerância não era só de fato, mas garantida pelas leis estatais. Esta opinião se baseia em três motivações:
A) O edito de Galério de 311 d.C. que é uma garantia de tolerância, foi escrito usando uma expressão que o coliga com uma situação preexistente. Desta forma o edito de Galério seria uma renovação de uma situação preexistente (antes da perseguição de Diocleciano), ou seja, o tempo a partir do edito de Galieno.
B) Eusébio de Cesaréia reproduz a carta de Galieno aos bispos do Egito. O Egito tinha voltado ao poder de Galieno com dois anos de atraso por causa da presença de um usurpador. Os bispos egípcios escreveram ao imperador perguntando se os privilégios dados aos cristãos no resto do Império valesse também para eles. No endereçamento da resposta imperial se lê que a carta estava endereçada a três pessoas (Dionísio, Pinna e Demétrio) e “aos outros bispos”. Estes não são pessoas privadas, mas representantes legais de uma instituição, a Igreja (egípcia, no caso). A segurança da Igreja é garantida pelo estado que a reconhece como persona iuris.
C) Entre 264 d.C. e 268 d.C. em Antioquia surge o caso do bispo Paulo de Samosata: deposto como herético por dois sínodos, não aceita deixar a igreja (lugar) e o episcopado. Quando o Império, com Aureliano, em 275 d.C. volta a ter posse de Antioquia, a comunidade escreve ao imperador para que resolva a situação (da posse da igreja). Aureliano responde com uma carta onde ele diz que o edifício (igreja) deveria ser dado para quem estava em comunhão com os bispos da Itália e em primeiro lugar com o bispo de Roma. Este fato nos mostra que o estado reconhece a Igreja como dotada da capacidade jurídica de agir em processo (através da igreja de Roma, provavelmente) e de possuir (logo de ser “pessoa jurídica”).

            Estes três argumentos parecem esclarecer com suficiente certeza que com Galieno se tem uma tolerância garantida pelo estado e que inclui a Igreja, seja local, seja para todo o Império, como persona iuris capace di ius publicum. A “virada constantiniana” que é o momento em que o estado romano começa a favorecer a Igreja já se inicia com Galieno quando o estado reconhece à Igreja o seu direito público e garante a sua existência pelas leis do estado.

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