O
JUÍZO
São
dois os sentidos do termo juízo.
1-
O juízo escatológico
O
hebraico ‘safat’ ( שׁפט ) significa
tanto julgar como governar, pois no mundo antigo não havia distinção dos
poderes, sendo que o rei legislava, dirigia e julgava. Quando Deus intervém na
história, ele julga e governa, salva e condena. Mas seu juízo tem em vista
sobretudo a salvação; é com intenção de salvar que ele julga, é para poder
salvar que ele julga. As vitórias do povo de Deus são juízos de Deus (Jz 11,27;
2 Sm 18,31; Dt 33,21;etc.). Por isso, no Novo Testamento a vitória definitiva
de Cristo sobre os poderes hostis é denominada juízo, realização do poder régio
(Mt 25,31ss; Lc 10,18; 2 Ts 2,8; 1 Co 15, 24-28; etc.). Nesse âmbito, também os
mandamentos do Deus legislador são chamados de julgamentos ( משׁפּט ): Sl 119,
30.43.52.62.75.91.102108.120.149.160.
164.175.
Quando
a Igreja primitiva confessava a sua fé no Cristo venturus judicare o que ressoava no fundo desse artigo de fé era a
mensagem reconfortante da graça vencedora, que leva a termo a iniciativa
salvadora com uma intervenção que conclui e consuma os juízos de Deus, seus
atos salvíficos que iam pontuando a história.
Mais
tarde, talvez sob a pressão da mentalidade forense latina, esta atitude
esperançosa frente ao juízo de Deus como ato de salvação, irá ceder o terreno à
idéia de um juízo como ato de decisão, como sentença jurídica. O Dies Domini se transformará no Dies irae. Essa mentalidade não espelha
mais a confiança presente em 1 Jo 4,17s, mas a angústia e a insegurança diante
de uma sentença incerta. A confiança e a esperança cederam o lugar ao moralismo
de um comportamento absolutamente irrepreensível para escapar do juízo severo
de Deus.
A
Parusia como juízo é a justificação da história ao revelá-la finalizada. A
desconexão e a falta de sentido, as constantes contradições e os impulsos
irracionais presentes na história, sua opacidade e ambigüidade, não nos levam a
admitir a presença de um destino cego e absurdo, a assumirmos a postura de um
determinismo fatalista ou de uma resignação desencantada, pois a Parusia faz
justiça à história, dando um desfecho positivo ao devir. O Deus criador é o
Deus que não deixa o mundo fugir de seus desígnios de sabedoria. O Cristo que
julga é o Deus que vem justificar a história e o mundo em sua globalidade, não
vem para justiçá-la dentro de um processo judicial. O juízo não é um
contencioso judicial, mas o acabamento do sentido total que redime,
sobrepujando com sua plenitude os sem-sentidos parciais.
2-
O juízo-crise
Este juízo é a
discriminação e a fixação da sorte definitiva de cada um de nós em decorrência
de nosso comportamento ético-religioso. Ele tem lugar durante a existência
terrena. A decisão respeito à sorte final depende do uso da liberdade pessoal,
e não de uma sentença judicial emitida no último dia. No juízo, denominado
tradicionalmente juízo particular, a pessoa é levada ao seu lugar não por um
fator externo, mas por seu próprio peso. A Palavra de Deus constata e publica
essa situação, não a constitui.
Rm 8, 31-34: “...Quem não
poupou seu próprio Filho...como não haverá de nos agraciar..? Quem acusará os eleitos de Deus? É Deus quem
justifica. Quem condenará?
Cristo Jesus...morreu...ressuscitou...intercede por nós?”.
Jo 3, 17-19: “Deus não
enviou seu Filho para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem nele crê, não é condenado;
quem não crê, já está condenado...”
Jo 5,24: “...quem escuta a minha palavra e
crê..., tem a vida eterna e não vem a juízo..”
Jo 12, 47-48: Cristo não julga, pois o juízo se dá na não
aceitação de sua palavra.
Mt 25, 31ss: o rei se
limita a constatar que uns são benditos e outros malditos. Ao chegarmos ao ato
final a sorte já foi lançada.
Para João o decisivo é a
fé, para Mateus é a caridade. Para ambos o juízo depende da posição assumida
diante de Cristo ou frente ao sacramento de Cristo, o próximo. Fé e amor se
completam. Para sermos reconhecidos pelo Cristo futuro, é preciso reconhecer já
agora o Cristo presente nos outros. A epifania do Cristo glorioso verifica sua
identidade com o Jesus servo, identificado por sua vez com os menores. Crentes
são os que selaram sua fé com obras de amor. Se Deus não foi reconhecido em sua
debilidade histórica, não será acolhido em seu poder.
No fundo, somos julgados
não pelo confronto com uma norma impessoal, mas pelo confronto com a imagem de
Cristo. Ele, o homem por antonomásia, é a medida de toda genuína humanidade.
Viver responsavelmente cada hora como hora da decisão pela permanente
confrontação com a presença interpelante do Senhor. A perspectiva do juízo dá à
responsabilidade seu último fundamento; sem isso, é fácil entender a liberdade
como irresponsabilidade.
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