A
IGREJA E A QUESTÃO SOCIAL
a) As condições do
proletariado nos primórdios do Século XIX
Dois
fenômenos complementares caracterizam a vida técnica, econômica e social no
decurso do século XIX e nos primórdios do século XX.
1.
De primeira parte, assistimos a um crescimento industrial e comercial, primeiro
nos países europeus, e mais tarde em todos os continentes;
2.
De outra parte, só depois de vários decênios, é que levou a um aumento do bem
estar geral e a uma elevação de vida de todas as classes. O nascimento das
grandes indústrias que se verificou na Inglaterra, na França e na Bélgica, na
Alemanha e na Itália, levou á concentração de imensas riquezas nas mãos de um
restrito grupo de empresários.
Os
operários são quase sempre oprimidos pela miséria e aviltados pelo trabalho desenvolvido
em condições desumanas. Horários que, no início, chegaram a 14 e 17 horas,
durante as quais o operário devia, via de regra, repetir mecanicamente o mesmo
movimento; recrutamento indiscriminado de mulheres e crianças, até abaixo de 6
anos; falta de qualquer segurança diante de acidentes e doenças; salários
apenas suficientes para manter só o operário, não a família; subalimentação,
moradias insalubres e superlotadas nos aglomerados da cidade. Se forem duras as
condições da classe operária, a sorte dos camponeses nos países ainda não
industrializados não é melhor: a subnutrição multiplica as doenças, amontoam-se
promiscuamente irmãos e irmãs, cunhados e cunhadas.
A
esse proletariado industrial e agrícola as classes dirigentes não sabem
oferecer outro remédio senão a paciência e a resignação.
b) Gênesis da questão
social: Liberalismo Econômico e Revolução Industrial
Dois
fatores diferentes determinavam essa situação de exploração:
1.
As grandes descobertas científicas e sua aplicação em grande escala em todos os
setores da técnica, a começar da invenção da máquina a vapor no século XVIII.
2.
As doutrinas econômicas defendidas desde o século XVIII por Adam Smith
(1723-1790) e por David Ricardo (1772-1823). Essas doutrinas deram um estímulo
e um encorajamento eficacíssimo para os empresários, justificando sua ambição e
seu egoísmo.
Podemos resumir em quatro passos essenciais
essa doutrina do Liberalismo Econômico:
b.1)
Amoralismo econômico: Considera a economia como completamente separada da moral
e, portanto, do respeito pelo homem. Nessas perspectivas, vê as leis econômicas
como relações necessárias de causa e efeito, em que não tem sentido falar de
justo ou injusto.
b.2)
A livre concorrência: no plano histórico, constitui a superação e a negação de
todos os vínculos impostos à produção e ao mercado pela economia planificada
dos Estados Absolutos, ou seja, pelo Mercantilismo e pelas velhas cooperações
medievais, que subordinavam a atividade econômica apesar dos controles, muitas
vezes inúteis e interessados. A livre concorrência favorece somente ao
empresário. Quem paga a conta da livre concorrência são, em primeiro lugar, os
operários, cujo salário o empresário, para reduzir custos de produção, tende a
reduzir e cujo horário de trabalho tende a prolongar.
b.3)
A não interferência do Estado[1]: O
Estado ao intervir, faria uma obra inútil, prejudicial e injusta: inútil porque
a natureza restabelece sozinha o equilíbrio; prejudicial, porque sobrepondo-se
ás forças naturais, retardaria sua ação; injusta porque limitaria sem
necessidade a liberdade dos indivíduos. O Estado não pode colocar leis entre
empregador e empregados. Na Prússia, a primeira intervenção estatal em defesa
das crianças e dos jovens empregados nas fabricas é de 1839; proíbe-se o trabalho
das crianças com menos de 9 anos e limita-se a 10 horas o trabalho para jovens de 9 a 14 anos. Na França, somente em 1841, é que
se reduz há 8 horas o trabalho das crianças de 8 a 12 anos, e há doze horas o
dos jovens de 12 a
16 anos.
b.4)
Individualismo: Desvaloriza a função social da propriedade, levam as duas
conseqüências imediatas: a proibição de todo contrato coletivo e de toda
associação profissional. A jurisprudência liberal reivindica, por isso, uma
absoluta liberdade nos contratos de trabalho. Todo acordo realizado entre
empregador e trabalhador, e por este aceito, não viola a justiça e deve ser
respeitado, e o Estado não pode modificar.
c) As tentativas laicas: o Socialismo
Utópico, o Sindicalismo e o Socialismo Científico (três correntes)
c.1) O Socialismo Utópico: São
aqueles escritores dos primeiros decênios do século XIX que propuseram uma
solução da questão social fundamentada quase que exclusivamente em teorias
abstratas, concebidas e desenvolvidas idealmente. Podemos distinguir três tendências:
c.1.1) Sant-Simon
(1760-1825): Propôs a coletivização dos meios de produção
e seu controle por parte dos poderes públicos;
c.1.2) Fourier (1772-1837): Ao
contrário, opondo-se à centralização sonhada por Sant-Simon, sugeriu a formação
de sociedades autônomas chamadas filanstérios, nos quais cada qual encontraria
um trabalho adequado e poria à disposição da comunidade os frutos conseguidos.
c.1.3) Pierre Proudon
(1809-1865): Com uma violenta polêmica que o contrapôs
até a Marx, sustentou que “ propriedade é
um furto” a menos que seja fruto do próprio trabalho. Ele sonhou a abolição
do dinheiro como “valor”, porque o
único valor é o trabalho. Todos haveriam de ter a mesma dignidade e a mesma
riqueza.
c.2) O Sindicalismo[2]: O
movimento sindical nasce nos primeiros anos do século XIX, na Inglaterra, onde
a Revolução Industrial se antecipava em relação aos outros países, e constitui
a natural reação ao isolamento em que tinham caído os operários após a abolição
das velhas associações profissionais.
Pouco
a pouco esses sindicatos foram sendo aceitos pelos estranhos até ganhar um
reconhecimento jurídico no final do século XIX. A responsabilidade dos
sindicatos será: regular os contratos de trabalho e estabelecer quando
necessário à greve.
c.3) O Socialismo Científico: Essa
corrente escolheu decididamente a ação política. Em 1848, é publicado em
Londres, em Alemão, o manifesto do Partido Comunista. Nesse manifesto, Marx e
Engels delineiam uma história da humanidade segundo o esquema da luta de
classes, que na Idade Moderna, justamente pelo sucesso da burguesia com o
desenvolvimento industrial a concentração do capital e o aumento do
proletariado tornam-se exacerbada levando fatalmente à supressão da propriedade
privada, socialização do capital, a abolição da família, da pátria e da
nacionalidade. “Proletários de todo o
mundo, uni-vos!”
A
contribuição essencial de Marx no Manifesto:
1)
A consciência de classe do mundo operário em bases econômicas;
2)
A internacionalização do movimento;
3)
A escolha deliberada da revolução.
Pela
influência de Marx, surgiram no final do século XIX e início do século XX,
vários partidos socialistas dos diversos países europeus. Na Alemanha, o
socialismo se organiza em partido, em 1869. Na França, o partido surge em 1879.
Na Itália em 1882, nasce o Partido Operário Italiano, o qual, depois de ter
dado origem em 1891, ao Partido dos Trabalhadores Italianos, transforma-se em
1892, em
Partido Socialista Italiano.
Nesse
período o sindicalismo vai conseguir as suas reivindicações: para os operários
redução do horário de trabalho, descanso semanal e dominical; férias pagas e
previdência. Irão conseguir porque se somou a eles os partidos do marxismo que
se coloca abertamente contra o Regime Burguês, porém vai distanciar a classe
operária da Igreja[3].
Nos
outros países, ao contrário, o portal socialista foi um dos fatores iniciais
para a melhoria das condições das classes trabalhadoras, sobretudo nos Estados
onde por diversos motivos históricos os católicos estavam ainda ausentes da
luta política.
5.2. O lento despertar dos católicos
diante dos problemas sociais
Enquanto
os liberais demonstraram ser solícitos defensores do “status quo” e os socialistas do partido e sindicatos se
organizavam em vista de uma total reviravolta das estruturas existentes, que
atitude teve a Igreja, ou seja, o laicato católico e a hierarquia eclesiástica?
Os
católicos somente com certa demora tomavam consciência da questão social. Entre
eles se desenvolveram duas tendências às quais persistiram uma ao lado da outra
por mais de um século.
a)
De um lado encontramos os católicos que exaltam à resignação, à paciência, à
aceitação da pobreza, ao reconhecimento de seu valor religioso, acompanhado de
uma ação limitada estritamente ao plano caritativo, ou seja, que exclui todo
reconhecimento de um direito por parte do operário e rejeita como subversivo
qualquer tentativa de modificar as estruturas burguesas, capitalistas e
liberais.
b)
Do outro lado os católicos que a um lento amadurecimento que leva da
consciência caritativo-assistencial a uma ação fortemente impregnada de
paternalismo, depois, gradualmente e não sem dificuldade chega ao
reconhecimento dos direitos do operário e a aceitação da defesa coletiva desses
direitos. “O operário tem direito a
sindicato”.
a) A primeira tendência à
linha conservadora
Os
atos do magistério pontifício, as obras científicas e os opúsculos
apologéticos, refletem bastantemente essa mentalidade e se preocupam por muito
tempo, sobretudo de três coisas:
1°)
Defender o direito de propriedade;
2°)
Condenar em bloco sem um exame cuidadoso as obras e autores das teses do
socialismo e do comunismo;
3°)
Exorta os pobres à paciência e à resignação.
A
condenação do comunismo e do socialismo aparece, desde 1846, na Encíclica “Qui Pluribus” na qual Pio IX traça
algumas linhas fundamentais do Programa que se propunha realizar, e é
reafirmada na “Quanta Cura” e no “Syllabus” de 1864. A Encíclica de Pio IX
critica fortemente também o amoralismo econômico e a negação de todo direito
natural.
Leão
XIII segue a linha de Pio IX com dois documentos: “Quod Apostolici Muneris” de
1878 e “Auspicato Concessum” de 1884. No primeiro documento Leão XIII condena o
socialismo, reafirma o direito de propriedade e recomenda aos ricos que dêem
aos pobres o supérfluo e aos pobres que freiem suas ambições e mantenham a
ordem. No segundo documento aplica a neutralidade ou tendência de que a ordem
das coisas devem ser mantidas, as mudanças radicais não são aceitas: “quem nasceu pobre é pobre; quem nasceu rico
é rico”. Estes documentos expressão o pensamento da época.
b) A segunda tendência à
linha propriamente social
Com
essa mentalidade, delineia-se um comportamento profundamente diferente,
dinâmico e construtivo. Podemos distinguir três fases em sua evolução:
1°)
De 1833 até a morte de Pio IX em 1878;
2°)
Os primeiros anos de Leão XIII, até a publicação da “Rerum Novarum” em 1891;
3°)
Da “Rerum Novarum” aos nossos dias.
A
primeira fase é a dos primórdios, das primeiras reflexões
ainda insuficientes e das primeiras realizações, corajosas, mas limitadas ao
plano caritativo-assistencial.
A segunda trata-se das discussões
fecundas sobre os fundamentos da assim chamada Doutrina Social Cristã, que
começa a se classificar, e das tentativas ainda anacrônicas porque incapazes de
superar o paternalismo e de reconhecer a plena igualdade humana das classes,
bem como o direito do operário de se defender da opressão mediante a coalizão.
A
terceira vê a maturação teórica e o nascimento de iniciativas
eficazes, ainda que tardias, porque já decididamente alinhadas com a nova
realidade histórica, com a aceitação do sindicalismo e da resistência operária
ao Capitalismo.
b.1) O primeiro período até
1878 supera a linha conservadora
Até
1870 assistimos a várias iniciativas assistenciais e caritativas, inspiradas
por um sentimento religioso totalmente desinteressado e realmente voltado para
o alívio dos sofrimentos.
No plano prático,
encontramos na França as Conferências de São Vicente de Paula, fundadas em
Paris, em 1833, por Frederico Ozanam (1813-1853) e a Sociedade São Francisco
Xavier, criada em 1840. Na Itália temos vária obras caritativas e assistenciais
principalmente no Norte: Cotolengo inicia a congregação em 1827; depois temos os
Oratórios e as Escolas Profissionais criadas por Dom Bosco desde os primeiros
anos de seu sacerdócio, entre 1841 e 1845, depois temos Murialdo. Na Alemanha,
encontramos as associações de aprendizes, que desde 1847, sob a direção de um
sacerdote piedoso e competente, Aldolf Kolping, recentemente beatificado,
tiveram logo um rápido desenvolvimento.
No plano teórico,
não falta desde os primeiros anos dos séculos as denúncias contra o aviltamento
da dignidade humana do operário por parte da indústria capitalista, a ambição
desenfreada dos ricos, o escândalo dos baixos salários e da exagerada duração
do trabalho e se concebe com lucidez que em última análise, tudo deriva do amoralismo
econômico sistemático dos economistas liberais.
As
exortações dos economistas católicos e dos Bispos mais inspirados não eram
suficientes para frear os abusos e muito menos para provocar uma reforma das
estruturas. Com maior preparação técnica, Charles de Coux, na “L’Avenir”, em 1831 e Lacordaire, Maret,
Ozanam, em 1848, na “Era Nouvelle”,
já traçam um programa que causa escândalo aos tradicionais e a Montalembert, e
que Venillot julga uma indigna bajulação: legislação em defesa da infância, da
doença, da velhice. A “Era Nouvelle”
chega até a reconhecer o direito ao trabalho, o que para a burguesia parece uma
loucura.
Importantes
são os artigos sistemáticos dos jesuítas Curci, Liberatore, Taparelli D’Azeglio
aprovados implicitamente pela Cúria Romana, logo nos primeiros anos da “La Civiltá Cattólica ”.
Esses artigos transpiram uma sincera simpatia pelo operário e começaram a
publicar os princípios da solução da questão social: subordinação da economia
amoral; função social da propriedade, intervenção estatal e associação
profissional.
Repercussão
maior teve os discursos[4] e
as obras de Emanuel Von Ketteler, bispo de Mongúcia desde
1850. Estes discursos que mostram os sinais e as exigências do tempo têm grande
importância para o desenvolvimento social: A Igreja tem o direito e o dever de
intervir na questão moral, propõe uma atividade caritativa partindo da Igreja e
não do Estado. Em 1869 não só vai reconhecer a validade de todos os postulares
dos operários, vai reconhecer como válido: redução do horário de trabalho,
aumento de salário, proteção as mulheres e aos jovens. Ketteler vai se eleger
deputado tratando um programa social aberto a intervenção do Estado dando
origem ao partido do Centro na Alemanha. Em 1864 inicia um projeto de
cooperativa de produção que deveria se desenvolver com a colaboração dos fiéis.
As iniciativas vêm da periferia, Roma não coloca obstáculos, mas não se
manifesta.
b.2. O segundo período, até
1891: problemas e protagonistas
Este
período que inicia com a morte de Pio IX vai até 1891 com a Encíclica “Rerum
Novarum”.
Muitos
católicos vão se dar conta da problemática, em especial um personagem chamado
Gaspard Melliod que diz: “os verdadeiros
responsáveis pela questão social são os ricos que passam com indiferença diante
dos pobres”. A questão social começou a chamar atenção de um grupo cada vez
maior dos católicos.
Nos
anos 1870-1871 assistimos à primeira evolução: o movimento se intensifica. Na
Áustria, as idéias de Ketteler foram retomadas e desenvolvidas pelo Barão Karl
Van Vogelsang, um convertido que exerceu forte influência não só sob os
católicos alemães, mas também sobre os franceses, através de La Tour du Pin, que o havia
conhecido pessoalmente em Viena, em 1877. As teses de Haid escritas pelo barão,
publicadas em 1883, resumiam o pensamento da Escola Austríaca orientada para o
corporativismo. Na França, os elementos mais conservadores tinham seu porta-voz
na Escola de Angers, dirigida pelo Bispo Freppel. Na Bélgica, prevalecia ainda
a tendência conservadora, ou seja, católico-liberal, defendida por Charles
Périn, professor de economia política em Louvain. Na Itália
tem-se um grupo chamado “Opera Dei Congressi” e desenvolveu-se também depois de
1889, não sem algum atrito, a “União Católica
para os Estudos Sociais”, sob a presidência efetiva de um insigne
sociólogo, professor na Universidade de Pizza, Giuseppe Toniolo. Em Roma, o
padre Liberatore, publicava os seus “Elementos
de Economia Política” (1889) sob o estímulo de Leão XIII.
Em
1864 tem-se nos Estados Unidos da América a “Associação
dos Cavaleiros do Trabalho” aprovado pelo cardeal Gibrons.
Em
torno do Mons. Gaspard na Suíça temos a União de Friburgo.
Enquanto
se discutia vivamente sobre o esquema de corporação, fazia-se em alguns lugares
as primeiras tentativas de uma associação só de operários (sindicatos). O
exemplo veio primeiro da América, onde nasceu, em 1869, um primeiro esboço de
sindicalismo cristão com os “Cavaleiros
do Trabalho”. Na França, o sindicalismo cristão apresentou-se timidamente
por volta de 1887; firmou-se na Bélgica com maior facilidade a partir de 1886,
mesmo depois de movimentos operários que tinham mostrado a desconfiança dos
trabalhadores em relação a toda forma de cooperativismo. O problema geral
continuava, porém, ainda em aberto, sobretudo pela falta de posicionamento de
Roma.
Não foi fácil chegar a um acordo com os católicos,
para duas intervenções estatais. Com estreita conexão com o problema da
intervenção estatal, vinha a questão do Salário, sobre o qual, em síntese,
repetia-se o mesmo posicionamento: enquanto uns afirmavam que o salário era
determinado pela Lei da Oferta e da Procura, pela utilidade produzida, outros
retrucavam que o salário mínimo deve levar em conta as exigências do operário e
da sua família e a alguns
chegavam a incluir no salário inclusive a proteção contra acidentes e para a
velhice.
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