A
IGREJA E O MUNDO LIBERAL
a) Os Intrasigentes
Diante
do novo mundo que surgiu com a Revolução Francesa, enquanto a luta entre o Antigo
e o Novo estava longe de terminar, e o absolutismo parecia ressurgir vitorioso
das Cruzadas, que atitude os católicos devia seguir?
Em
1830 desenvolve-se entre os católicos uma dupla tendência: os Intrasigentes e
os liberais.
“O
liberalismo é pecado”! O livro publicado em 1884 pelo sacerdote espanhol Savdáy
Salvany é, a começar pelo título, o símbolo da atitude geral dos católicos Intrasigentes
diante das liberdades modernas. Essa corrente dizia que a liberdade é amiga
fiel do demônio porque abre caminhos a inumeráveis e quase infinitos pecados,
qualquer migalha de liberdade deve ser condenada, a liberdade de consciência é
uma loucura, a liberdade de imprensa é um mal que jamais será suficientemente
deplorado.
Vários
elementos concorrem para a formação dessa mentalidade. Está presente, antes de
mais nada, um forte conservadorismo, atitude que encontramos em todas as
épocas, mas que estava agora no estímulo dos horrores da Revolução. Nos Intrasigentes
há um sentido muito forte de autoridade. Tendem a soluções definitivas, válidas
uma vez por todas, que não podem ser mais postas em discussão. Numa
transição espontânea, desconfiava-se de tudo aquilo que se apresentasse como
novo: toda novidade na política é revolução, em filosofia é um erro, em
teologia uma heresia. O absolutismo com sua estreita união entre trono e altar,
parecia o melhor regime político.
Entre
os Intrasigentes estava também vivo o espírito maniqueu. É forte, então, a
tentação de considerar simplesmente mal o que ainda está elevado a ordem
sobrenatural. O bem e o mal estão convenientemente divididos, e as propostas
dos adversários da Igreja ou daqueles que simplesmente afastados dela são
necessariamente considerados sob uma luz desfavorável, ainda que não contenha
nada contra a fé e os costumes. Até mesmo inovações e utilíssimas eram vistas
com desconfiança. A partir de 1831 Gregório XVI não só não quis introduzir em seu Estado as
ferrovias, até por medo de que elas, tornando mais ágeis as comunicações,
facilitassem a infiltração de idéias liberais, como nem sequer a iluminação a
gás.
Os
Intrasigentes combatiam a igualdade e a promoção das classes menos favorecidas,
bem como a difusão da instrução. Deixar as massas sem instrução seria o único
meio eficaz de manter a paz na sociedade.
Na
Itália, divagaram por muito tempo nos ambientes confessionais suspeitas
radicais contra os jardins da infância, iniciados em 1828, pelo abade Fessante
Aporti, que então constituíam um autêntico progresso pedagógico e uma primeira
autêntica ajuda para as classes humildes. Eles foram proibidos nos Estados Pontifícios
até 1847.
A oposição ao liberalismo, porém, nascia de
motivos mais elevados. Os Intrasigentes faziam uma crítica ferrenha às lacunas
e aos erros do Sistema e opunham-se com energia aos esforços de laicização por
parte dos Liberais. O liberalismo, ao menos em suas formas mais radicais, fazia
da razão humana o critério único da verdade, negando-lhe a possibilidade de se
submeter à revelação.
No
campo prático, os Intrasigentes preocupavam-se com a defesa das estruturas
cristãs da sociedade para facilitar aos fiéis o cumprimento de seus deveres
religiosos. Na preocupação de defender a dimensão religiosa e cristã da sociedade,
muitos cristãos se materializavam, porém numa tática descartável e até historicamente
errada, em geral, os Intrasigentes não imaginavam a possibilidade de outra
forma de sociedade cristã diferente do Antigo Regime.
As
discussões entre Católicos Intrasigentes e Católicos Liberais se acirraram
devido ao entrelaçamento de outros elementos:
Na França: a
polêmica entre a confiança na razão e o tradicionalismo (que negava à razão
humana, a capacidade de chegar com suas forças às verdades religiosas fundamentais,
como: a existência de Deus, a imortalidade da alma e semelhantes);
A
polêmica entre o galicanismo sobrevivente e o ultramontanismo;
Na Itália: a
luta entre os seguidores da Filosofia Escolástica do Sistema Josminiano, entre
os que aspiravam à unidade nacional e os que sustentavam os direitos do papa
sobre o poder temporal. A luta entre as duas tendências durou por todo o
século.
Os expoentes mais notáveis
da corrente dos Intrasigentes são:
Joseph de Maistre (1753-1821)→ Diante dos excessos da Revolução,
logo abandonou o racionalismo e a maçonaria, que o tinha fascinado desde jovem,
e, passando para o lado oposto, opôs ao racionalismo de sua geração uma fé
segura na providência.
Diz
que os abusos da sociedade são mais toleráveis que a Revolução. No ano de 1819
escreve um livro exaltando a infalibilidade papal e defendendo e a figura do
papa como guia da Igreja.
Felicité de Lamennais
(1782-1854) → Esse influenciou uma geração inteira de
defensores da Igreja. Lamennais era de temperamento fundamentalmente inquieto e
intolerante, solitário, ainda que cercado de discípulos, sem uma real
religiosidade, e chegava ao sacerdócio em 1816 entre incertezas e depressões,
sem uma autêntica e verdadeira vocação. Foi visto com grande esperança pelo
clero Francês na restauração da sociedade aos moldes de antes da Revolução,
pois defendia o princípio da autoridade, da Tradição e a Monarquia. Porém, Lamennais
passou por uma fortíssima evolução: do catolicismo Intransigente ao catolicismo
Liberal, semelhante nisto a Dollinger, defensor do papado e mais tarde rebelde.
Lamennais
deixou definitivamente a Igreja na última fase de sua vida (1830). Considera
atéia a sociedade em que vive, porque ela admite a liberdade para os outros
cultos, não reconhece oficialmente os votos religiosos.
Louis Veuillot (1813-1883) → Foi verdadeiro chefe da
intransigência francesa, e foi diretor da Revista “L`Univers”. Toda a sua atividade estava voltada para fazer
conhecer e amar a Igreja, mas ao mesmo tempo para atacar de todos os modos o
que ele, sem distinguir entre laicismo e liberalismo, considerava o adversário
capital da Igreja, o liberalismo.
O
catolicismo liberal é um compromisso híbrido, que acaba não sendo nem
catolicismo nem liberalismo. Vê-se em Veuillot de forma extremada aquela
tendência maniqueia que divide de modo adequado os homens bons e maus.
Autoritário e fundamentalmente intolerante, lançava-se com a mesma violência
contra os ante-clericais e contra os escolásticos liberais, ainda que
sinceramente crentes e respeitosos da hierarquia.
O
papa Pio IX, ainda que reconhecesse os defeitos de Veuillot, compartilhava de
sua orientação fundamental, antigalicana e ante conciliatória, participando,
sobretudo nos últimos anos de seu pontificado, da convicção dele, ou seja, de
que os católicos liberais constituíam o mais grave perigo para a Igreja.
No
final do século XIX, com Leão XIII, a polêmica entre as duas correntes
continuou viva na França e o papa teve de intervir várias vezes para moderar,
sobretudo os Intrasigentes.
Na
Inglaterra, os Intrasigentes tendiam afastar os católicos de todo contato com
os protestantes, pois não queriam que os jovens estudassem em Oxford ou em Cambridge,
onde poderiam ficar impregnados de indiferentismo e de liberalismo.
Na
Itália, a intransigência se revela sobretudo na defesa do poder temporal, na
resistência às leis de laicização, na defesa dos direitos tradicionais da Santa
Sé e da hierarquia, e ainda, como sempre, na desconfiança em relação ao Mundo Moderno.
Pertencem a essa tendência o grupo de cardeais chamados “zelosos”, em oposição a seus colegas propensos a uma conciliação
com o Mundo Moderno, chamado “políticos”. O sacro colégio jamais teve uma
conformidade, mais tarde, porém, especialmente com Pio IX, prevaleceu à
intransigência, ao menos nos cardeais da cúria. O episcopado era em sua maioria
intransigente, e enfrentou duas lutas na Questão Romana.
A
oposição católica na Itália, na segunda metade do século XIX, teve sua máxima
expressão na “Civiltá Cattolica”, que
trabalhou, sobretudo em quatro direções: a crítica dos princípios liberais,
desenvolvida pelos padres Tapareli, Liberatore, Cusci e por outros, chegou a
uma extraordinária profundidade captando os pontos essências da dissensão entre
as duas concepções da vida e da sociedade.
Não
pode ser esquecido, todavia, os erros em que invade a Corrente Intransigente,
que acabou muitos cristãos por condenar em bloco o Liberalismo, sem as
necessárias distinções. Nas aspirações do mundo nascido do Iluminismo e da Revolução,
justas exigências uniam-se ao laicismo anticlericalismo: maior apelo à
dignidade da pessoa humana e a necessidade de uma participação da vida política
em condições de efetiva igualdade. Ao ataque ao trono unia-se, porém, o ataque
ao altar. Católicos como Veuillot e Lambruschini, não souberam distinguir os
dois aspectos da situação histórica e, para defender a Igreja, julgavam dever
se opor à liberdade com todas as suas forças.
b) Os Católicos Liberais
Enquanto
os Intrasigentes se enfureciam em sua oposição radical aos ideais modernos, os
católicos liberais iniciavam e prosseguiam seu difícil e fatigante trabalho de
esclarecimento e de aceitação dos princípios de 1889. Em suma, o encontro da fé
tradicional com o novo clima surgido com a Revolução Francesa revelava-se
fecundo e estimulante.
Havia
no liberalismo aspectos positivos, que podem ser resumidos num mais claro
reconhecimento da dignidade da pessoa humana e num maior respeito por ela.
Características
marcantes dos Liberais:
-
Possibilidade de aliança entre cristianismo e a liberdade;
-
Separação entre Igreja e Estado: renúncia do subsídio pago pelo Estado aos
padres;
-
Livre nomeação dos bispos por parte da Igreja;
-
Reinvidicam todas as liberdades: de consciência e de culto, de ensino, de
imprensa e de associação;
-
São contra o sistema Elitivo Sensitório (divisão da sociedade em cidadãos
ativos e passivos);
-
Contra o excesso de centralismo do Estado;
-
Defendem a nacionalidades oprimidas: Belgas e Poloneses.
Os
expoentes mais notáveis da corrente dos Liberais são:
Felicité Lamennais
(1782-1854) → Com as revoluções de 1830 passa a ser
católico liberal e com seus 2 amigos funda a Revista L’Avenir.
Henri Dominique Lacordaire
(1802-1861) → É um personagem que ainda jovem perdera a fé
e em 1824 se reaproxima da fé católica quando vai a Paris. , onde já adulto
entra no seminário e posteriormente é ordenado sacerdote.
Charles René de Montanlembert
(1810-1870) → Leigo de família nobre; convenceu-se da
importância da Igreja para a França voltar ao caminho da moral e do papel
significante da liberdade na religião e na política. Herdado do pai a cadeira
do parlamento foi o grande defensor dos ideais liberais no parlamento francês.
c) A Revista L`Avenir, seus editores e o
documento de Gregório XVI: “Mirari Vos”
Devido
ao tom polêmico desta revista, os bispos franceses começavam a proibi-la em
suas dioceses. Ela tinha um insuficiente aprofundamento doutrinal, os bispos
eram criticados e malvistos por serem nomeados pelo rei.
Depois
da Revolução de junho de 1830, que tinha deposto Carlos X é elevado ao trono Luiz
Felipe, no momento em que os antigos princípios da legitimidade e da
intervenção internacional contra os revolucionários liberais era pela primeira
vez derrotados.
Felicité, Montanlembert e Lacordaire fundaram
a L `Avenir, com a divisa: “Dieu et
liberte”. O jornal seguiu uma linha clara: alianças do cristianismo com
a liberdade; separação entre Igreja e Estado, ou seja, denunciação da
concordata, renúncia ao subsídio estatal concedido ao clero como compreensão do
ofício dos bens feito pela Revolução e recuperação da livre nomeação dos bispos
por parte da Igreja; reivindicação de todas as liberdades: de consciência, de
culto, de ensino, de imprensa.
Os
redatores esperavam uma explícita aprovação da Santa Sé e a anunciavam como
eminente. Desiludidos em suas esperanças, Montalembert, Lacordaire e Lamennais
decidiram suspender as publicações em novembro de 1831 e partem para Roma a fim
de obter mais facilmente o consentimento do papa. Os três peregrinos da
liberdade não se deram conta da inoportunidade de sua atitude. O Sumo pontífice
recebeu os três peregrinos somente depois de cinco semanas (13 de março de
1832). Durante a audiência o papa não fez menção nenhuma vez sobre o que tinha
levado os três a Roma. O silêncio era eloqüente, embora implícita fosse à desaprovação.
Lacordaire compreendeu logo e partiu de Roma, os outros dois esperavam ainda
por alguns meses um final de benevolência e somente em meados de julho deixaram
Roma.
No
dia 15 de agosto de 1832, foi
publicada a Encíclica “MIRARI VOS”. Em tom áspero, Gregório
XVI condenava todos os princípios do liberalismo religioso e político. Não se
atingia somente o indiferentismo, mas também “aquela absurda e errônea opinião,
ou antes, delírio, de que se deva assegurar e garantir a todos a liberdade de consciência...”
É igualmente condenada “a péssima e detestável liberdade de imprensa” e é
finalmente rejeitada a tese “daqueles que desejam ver separados Estado e Igreja
e rompida a mútua concórdia do Império com o sacerdócio (...) que sempre traz
vantagens ao governo espiritual e temporal”.
O
cardeal Pacca enviou uma carta aos três redatores, informando-os de que o papa
não havia mencionado o nome deles na Encíclica por delicadeza, mas que ele
condenava as teses do periódico e desaprovava a atitude dos escritores que
tinham provocado discussões sobre assuntos de competência da Santa Sé.
Em
1834 Lamennais escreveu um livro chamado: Palavras de um Crente que foi
condenado na Encíclica “Singularis Vos”. Em
1836 se coloca definitivamente fora da Igreja e morre em 1854.
Lacordaire
voltou para a França pregando na Igreja de Notedrame e em 1836 foi estudar em
Roma; em 1839 decide entrar na Ordem Dominicana com a intenção de restaurar a
Ordem na França, onde volta em 1841. Em
1848 se elegeu ao parlamento, mas não vendo compatibilidade com o catolicismo,
voltou a defender os princípios liberais do catolicismo.
Depois
da morte de Gregório XVI, a Revolução de 1848, que deu a França um regime
republicano, viu uma retomada do catolicismo liberal. Entre seus expoentes destaca-se
Charles de Montalembert que continuou defendendo no parlamento francês, os
princípios liberais do catolicismo.
Em
geral, podemos distinguir entre os católicos liberais franceses, uma dupla
tendência:
1°)
De um lado, os que, ao defender as liberdades modernas, defendiam o poder
temporal do papa e lutavam contra os resíduos galicanos;
2°)
De outro, os que, ao contrário, união a abertura ao mundo contemporâneo uma
desconfiança em relação a autoridade romana e uma resistência, ora aberta, ora
velada, aos esforços centralizadores de Roma.
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