O nascimento da Igreja
As fontes
As
fontes sobre as quais se baseiam o nosso conhecimento dos inícios da Igreja, em
grande parte, são determinadas por uma particularidade que as tornam
problemáticas; de fato as primeiras notícias sobre Jesus e a primeira Igreja
devemos ao Novo Testamento, ou seja, a intenção primeira daqueles que
escreveram não era histórica. Em conseqüência é difícil estabelecer uma
cronologia absoluta do primeiro cristianismo. São escassas, infelizmente, as
fontes de proveniência judia ou pagãs, contudo, mesmo que estas só
ocasionalmente façam menção desta nova religião, as notícias que dão completam
até certo ponto as notícias que temos da primeira Igreja.
As
fontes não-cristãs são de autores contemporâneos aos acontecimentos ou um pouco
posteriores. Entre eles podemos citar como mais famosos: Flávio Josefo foi um
escritor judeu que escreveu em Roma no final do século I as Antiguidades
Judaicas, que falam de Jesus, João Batista e de Tiago “irmão de Jesus”;
Tácito, escritor romano, que escreveu no início do século II (115-120) em seus Annales,
sobre a perseguição de Nero aos cristãos; Suetônio, também escritor romano que
escreveu na mesma época Vida de Cláudio em que faz alusão a cristãos;
Plínio, o moço, delegado na Bitínia que escreveu ao Imperador Trajano sobre a
perseguição dos cristãos, esta carta e a sua resposta são de 111-113.
Mesmo
que estas fontes confirmem o fato da existência histórica de Jesus e da Igreja
nascente, não aprofundam mais o nosso conhecimento já que nos seus inícios a
Igreja era vista como uma seita a mais dos judeus, só pouco a pouco, judeus e
pagãos reconhecerão a diversidade do cristianismo.
A
fonte cristã mais importante sobre a qual se baseia o nosso conhecimento dos
inícios da Igreja é o Novo Testamento, isto significa, antes de tudo, que a
intenção daqueles que escreveram era fazer surgir a fé em Jesus ressuscitado
naqueles que lessem, sem querer ser uma documentação histórica, como já
dissemos. Contudo a crítica histórica deve distinguir as informações de caráter
histórico daquelas de caráter teológico. As duas são preciosas para o historiador
mas não podem ser confundidas. Ao lado do Novo Testamento existem textos
cristãos muito antigos que são considerados fontes: A Didaqué ou Doutrina
dos Doze Apóstolos, é um pequeno livro contendo um catecismo e um manual de
liturgia que foi escrito no início do século II, mas com material mais antigo;
a Carta de Clemente Romano aos Coríntios, escrita em 95 ou pouco depois, que
trata não apenas de divergências entre jovens e anciãos, mas contém uma ampla
exortação moral e várias orações; as sete Cartas de Inácio de Antioquia,
escritas ao redor de 110.
A primeira comunidade
A
comunidade formada em Jerusalém depois da Páscoa e do Pentecostes se encontrou
reunida na fé no Cristo ressuscitado e na consciência de ser o povo eleito por
Deus, tendo como guia os doze apóstolos. Esta comunidade formada em Jerusalém
não era, contudo, formada somente por judeus (hebreus) nascidos na Palestina.
Ali estavam presentes helenistas que eram judeus nascidos fora de Jerusalém e
da Palestina, ou seja, judeus da diáspora (mais tarde também serão chamados
helenistas os cristãos provenientes do paganismo), que eram atraídos pelo
Templo e faziam visitas a cidade santa. Estes dois grupos de cristãos que
chamaremos aqui de “hebreus-cristãos” (judeus nascidos na Palestina) e “helenistas-cristãos”
(judeus nascidos na diáspora), apesar da mesma origem hebraica, tinham
diferentes postura em relação ao cristianismo. Os primeiros eram ligados ao
judaísmo tradicional, continuavam freqüentando o Templo, observando a Lei e
respeitando o sábado. Já os “helenistas-cristãos”, além da língua grega, tinham
assimilado vários elementos da cultura grega, como judeus da diáspora tinham
dificuldade de seguir a Lei ao pé da letra. Como cristãos criticavam o Templo e
a Lei.
Esta
diferença vai estar presente nesta primeira comunidade. Lucas nos refere nos
Atos 6,1-7 os problemas entre “hebreus-cristãos” e “helenistas-cristãos”. Os
sete escolhidos para a assistência eram helenistas se for observado que o nome
de cada um dos sete era um nome grego. Contudo estes escolhidos não se
limitaram a assistência mas foram também ministros da palavra (cf. Atos 6,8;
8,26-40; 21,8). Alguns autores[1] defendem
que estes sete homens não fossem apenas os representantes do grupo
“helenista-cristão” mas também apóstolos, ou seja, mensageiros, missionários.
Assim como os “doze” eram os representantes dos “hebreus-cristãos”, os sete
eram os representantes dos “helenistas-cristãos”.
Além
da diferença interna destes dois grupos eles eram visto de forma diferenciada
pelos judeus é por isto que a perseguição culminada com a morte de Estevão (cf.
Atos 7,1-60, 8,1-8) estivesse relacionada somente com os “helenistas-cristãos”,
que logo em seguida deixaram Jerusalém, enquanto que os “apóstolos”, ou seja,
os “hebreus-cristãos” ficaram incólumes.
É
mérito de Estevão e de seus seguidores se a comunidade dos discípulos de Jesus
não terminou por tornar-se apenas mais uma seita judaica. Podemos nos perguntar
se estes “helenistas-cristãos” não entendessem melhor a aspiração universal de
Jesus que os “hebreus-cristãos”. A saída deste grupo de Jerusalém estabelece um
novo capítulo na história da Igreja, o qual é caracterizado pela fundação de
novas comunidades fora de Jerusalém. A separação dos “helenistas-cristãos” de
Jerusalém não foi um rompimento ao interno da Igreja, como mostra o posterior
desenvolvimento histórico, mas constituiu o primeiro passo do caminho do
evangelho no mundo.
A expansão da Igreja
O
passo decisivo fora de Jerusalém – e, contemporaneamente, fora do círculo
estreito do judaísmo – foi realizado pelos “helenistas-cristãos”, ou seja, por
aqueles que pertenciam ao círculo de Estevão e que tiveram que fugir de
Jerusalém depois da sua morte. Atos 8,1-4 nos indica que a Judéia e a Samaria
foram as regiões para onde se dirigiram estes primeiros missionários, contudo
com relação a Judéia não temos maiores detalhes. A atuação de Felipe na
Samaria, Azoto, na planura de Saron e de Cesaréia conhecemos pela narração de
Lucas nos Atos. Já no início da narração da missão de Felipe veremos que o
grupo de Jerusalém (os “hebreus-cristãos”) reconhecerá o sucesso daquela missão
ao enviarem Pedro e João para transmitirem o Espírito Santo aos convertidos de
Felipe (cf. At 8,14-17). Com esta atitude podemos perceber que a Igreja
nascente apesar de ser composta desde o seu início de dois grupos continuava
unida.
Jesus,
em Atos 1,8, dá aos seus amigos o seu encargo, ele pede que os discípulos sejam
suas testemunhas primeiro em Jerusalém, depois na Judéia e na Samaria e por fim
até os confins da terra. Tanto na Judéia e na Samaria, como depois fora da
fronteira da Palestina até a chegada em Antioquia os discípulos continuaram
pregando somente para os judeus (cf. At 11,19) nas sinagogas. Contudo em
Antioquia acontecerá o grande acontecimento do início da pregação aos pagãos
(cf. At 11,20). Vai ser também em Antioquia que pela primeira vez os seguidores
de Jesus serão identificados com o nome de cristãos (cf. At 11,26).
É
neste momento de expansão do cristianismo que surge uma figura importante para
o cristianismo primitivo que é Paulo. De perseguidor de cristãos ele se tornou,
depois do acontecimento da estrada de Damasco, em um propagador do cristianismo
(Atos 9, 1-30). Muitas das informações que temos da Igreja primitiva chegaram
até nós através dos Atos dos Apóstolos e das cartas de Paulo, sendo que estas
últimas são os escritos mais antigos do Novo Testamento. Atualmente a crítica
reconhece sete cartas como certamente autênticas: 1 Tessalonicenses, 1 e 2
Coríntios, Gálatas, Romanos, Filipenses, Filemon. As outras cartas atribuídas a
Paulo no Novo Testamento foram redigidas por discípulos seus.
Paulo
será o apóstolo dos pagãos e será ele junto com Barnabé e Silas que defenderão
a não obrigatoriedade dos pagãos convertidos em se circuncidarem no Concílio de
Jerusalém (cf. Atos 15; Gl 2).
A
missão dos “helenistas-cristãos” expulsos de Jerusalém não conduziu somente ao
nascimento de novas comunidades na Palestina, mas deu vida sobretudo em
Antioquia a um centro de vastíssima atividade missionária.
O
eclipsar-se de Pedro e o crescente influxo de Tiago mostram como a comunidade
de Jerusalém se considerasse “hebreu-cristã”, quer dizer uma comunidade que
acreditava em Jesus como o Messias, mas ainda tendia a realizar esta fé ao
interno do judaísmo. Isto implicava o pleno reconhecimento da Lei, incluindo a
circuncisão e as regras alimentares. Paulo sabia que tinha sido chamado para
pregar o evangelho ao mundo inteiro, logo, a judeus e pagãos. O apóstolo era
convicto que através de Cristo a Lei tivesse sido abolida e destituída do seu
significado salvífico. Neste sentido o Concílio de Jerusalém representa uma
etapa importante, pois praticamente determina o rompimento do cristianismo com
relação ao judaísmo. A partir daí o cristianismo se autocompreende como um
movimento separado do judaísmo.
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