sábado, 13 de fevereiro de 2016

O NASCIMENTO DA IGREJA

O nascimento da Igreja


As fontes

            As fontes sobre as quais se baseiam o nosso conhecimento dos inícios da Igreja, em grande parte, são determinadas por uma particularidade que as tornam problemáticas; de fato as primeiras notícias sobre Jesus e a primeira Igreja devemos ao Novo Testamento, ou seja, a intenção primeira daqueles que escreveram não era histórica. Em conseqüência é difícil estabelecer uma cronologia absoluta do primeiro cristianismo. São escassas, infelizmente, as fontes de proveniência judia ou pagãs, contudo, mesmo que estas só ocasionalmente façam menção desta nova religião, as notícias que dão completam até certo ponto as notícias que temos da primeira Igreja.
            As fontes não-cristãs são de autores contemporâneos aos acontecimentos ou um pouco posteriores. Entre eles podemos citar como mais famosos: Flávio Josefo foi um escritor judeu que escreveu em Roma no final do século I as Antiguidades Judaicas, que falam de Jesus, João Batista e de Tiago “irmão de Jesus”; Tácito, escritor romano, que escreveu no início do século II (115-120) em seus Annales, sobre a perseguição de Nero aos cristãos; Suetônio, também escritor romano que escreveu na mesma época Vida de Cláudio em que faz alusão a cristãos; Plínio, o moço, delegado na Bitínia que escreveu ao Imperador Trajano sobre a perseguição dos cristãos, esta carta e a sua resposta são de 111-113.
            Mesmo que estas fontes confirmem o fato da existência histórica de Jesus e da Igreja nascente, não aprofundam mais o nosso conhecimento já que nos seus inícios a Igreja era vista como uma seita a mais dos judeus, só pouco a pouco, judeus e pagãos reconhecerão a diversidade do cristianismo.
            A fonte cristã mais importante sobre a qual se baseia o nosso conhecimento dos inícios da Igreja é o Novo Testamento, isto significa, antes de tudo, que a intenção daqueles que escreveram era fazer surgir a fé em Jesus ressuscitado naqueles que lessem, sem querer ser uma documentação histórica, como já dissemos. Contudo a crítica histórica deve distinguir as informações de caráter histórico daquelas de caráter teológico. As duas são preciosas para o historiador mas não podem ser confundidas. Ao lado do Novo Testamento existem textos cristãos muito antigos que são considerados fontes: A Didaqué ou Doutrina dos Doze Apóstolos, é um pequeno livro contendo um catecismo e um manual de liturgia que foi escrito no início do século II, mas com material mais antigo; a Carta de Clemente Romano aos Coríntios, escrita em 95 ou pouco depois, que trata não apenas de divergências entre jovens e anciãos, mas contém uma ampla exortação moral e várias orações; as sete Cartas de Inácio de Antioquia, escritas ao redor de 110.

A primeira comunidade

            A comunidade formada em Jerusalém depois da Páscoa e do Pentecostes se encontrou reunida na fé no Cristo ressuscitado e na consciência de ser o povo eleito por Deus, tendo como guia os doze apóstolos. Esta comunidade formada em Jerusalém não era, contudo, formada somente por judeus (hebreus) nascidos na Palestina. Ali estavam presentes helenistas que eram judeus nascidos fora de Jerusalém e da Palestina, ou seja, judeus da diáspora (mais tarde também serão chamados helenistas os cristãos provenientes do paganismo), que eram atraídos pelo Templo e faziam visitas a cidade santa. Estes dois grupos de cristãos que chamaremos aqui de “hebreus-cristãos” (judeus nascidos na Palestina) e “helenistas-cristãos” (judeus nascidos na diáspora), apesar da mesma origem hebraica, tinham diferentes postura em relação ao cristianismo. Os primeiros eram ligados ao judaísmo tradicional, continuavam freqüentando o Templo, observando a Lei e respeitando o sábado. Já os “helenistas-cristãos”, além da língua grega, tinham assimilado vários elementos da cultura grega, como judeus da diáspora tinham dificuldade de seguir a Lei ao pé da letra. Como cristãos criticavam o Templo e a Lei.
            Esta diferença vai estar presente nesta primeira comunidade. Lucas nos refere nos Atos 6,1-7 os problemas entre “hebreus-cristãos” e “helenistas-cristãos”. Os sete escolhidos para a assistência eram helenistas se for observado que o nome de cada um dos sete era um nome grego. Contudo estes escolhidos não se limitaram a assistência mas foram também ministros da palavra (cf. Atos 6,8; 8,26-40; 21,8). Alguns autores[1] defendem que estes sete homens não fossem apenas os representantes do grupo “helenista-cristão” mas também apóstolos, ou seja, mensageiros, missionários. Assim como os “doze” eram os representantes dos “hebreus-cristãos”, os sete eram os representantes dos “helenistas-cristãos”.
            Além da diferença interna destes dois grupos eles eram visto de forma diferenciada pelos judeus é por isto que a perseguição culminada com a morte de Estevão (cf. Atos 7,1-60, 8,1-8) estivesse relacionada somente com os “helenistas-cristãos”, que logo em seguida deixaram Jerusalém, enquanto que os “apóstolos”, ou seja, os “hebreus-cristãos” ficaram incólumes.
            É mérito de Estevão e de seus seguidores se a comunidade dos discípulos de Jesus não terminou por tornar-se apenas mais uma seita judaica. Podemos nos perguntar se estes “helenistas-cristãos” não entendessem melhor a aspiração universal de Jesus que os “hebreus-cristãos”. A saída deste grupo de Jerusalém estabelece um novo capítulo na história da Igreja, o qual é caracterizado pela fundação de novas comunidades fora de Jerusalém. A separação dos “helenistas-cristãos” de Jerusalém não foi um rompimento ao interno da Igreja, como mostra o posterior desenvolvimento histórico, mas constituiu o primeiro passo do caminho do evangelho no mundo.
A expansão da Igreja

            O passo decisivo fora de Jerusalém ­– e, contemporaneamente, fora do círculo estreito do judaísmo – foi realizado pelos “helenistas-cristãos”, ou seja, por aqueles que pertenciam ao círculo de Estevão e que tiveram que fugir de Jerusalém depois da sua morte. Atos 8,1-4 nos indica que a Judéia e a Samaria foram as regiões para onde se dirigiram estes primeiros missionários, contudo com relação a Judéia não temos maiores detalhes. A atuação de Felipe na Samaria, Azoto, na planura de Saron e de Cesaréia conhecemos pela narração de Lucas nos Atos. Já no início da narração da missão de Felipe veremos que o grupo de Jerusalém (os “hebreus-cristãos”) reconhecerá o sucesso daquela missão ao enviarem Pedro e João para transmitirem o Espírito Santo aos convertidos de Felipe (cf. At 8,14-17). Com esta atitude podemos perceber que a Igreja nascente apesar de ser composta desde o seu início de dois grupos continuava unida.
            Jesus, em Atos 1,8, dá aos seus amigos o seu encargo, ele pede que os discípulos sejam suas testemunhas primeiro em Jerusalém, depois na Judéia e na Samaria e por fim até os confins da terra. Tanto na Judéia e na Samaria, como depois fora da fronteira da Palestina até a chegada em Antioquia os discípulos continuaram pregando somente para os judeus (cf. At 11,19) nas sinagogas. Contudo em Antioquia acontecerá o grande acontecimento do início da pregação aos pagãos (cf. At 11,20). Vai ser também em Antioquia que pela primeira vez os seguidores de Jesus serão identificados com o nome de cristãos (cf. At 11,26).
            É neste momento de expansão do cristianismo que surge uma figura importante para o cristianismo primitivo que é Paulo. De perseguidor de cristãos ele se tornou, depois do acontecimento da estrada de Damasco, em um propagador do cristianismo (Atos 9, 1-30). Muitas das informações que temos da Igreja primitiva chegaram até nós através dos Atos dos Apóstolos e das cartas de Paulo, sendo que estas últimas são os escritos mais antigos do Novo Testamento. Atualmente a crítica reconhece sete cartas como certamente autênticas: 1 Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Romanos, Filipenses, Filemon. As outras cartas atribuídas a Paulo no Novo Testamento foram redigidas por discípulos seus.
            Paulo será o apóstolo dos pagãos e será ele junto com Barnabé e Silas que defenderão a não obrigatoriedade dos pagãos convertidos em se circuncidarem no Concílio de Jerusalém (cf. Atos 15; Gl 2).
            A missão dos “helenistas-cristãos” expulsos de Jerusalém não conduziu somente ao nascimento de novas comunidades na Palestina, mas deu vida sobretudo em Antioquia a um centro de vastíssima atividade missionária.
            O eclipsar-se de Pedro e o crescente influxo de Tiago mostram como a comunidade de Jerusalém se considerasse “hebreu-cristã”, quer dizer uma comunidade que acreditava em Jesus como o Messias, mas ainda tendia a realizar esta fé ao interno do judaísmo. Isto implicava o pleno reconhecimento da Lei, incluindo a circuncisão e as regras alimentares. Paulo sabia que tinha sido chamado para pregar o evangelho ao mundo inteiro, logo, a judeus e pagãos. O apóstolo era convicto que através de Cristo a Lei tivesse sido abolida e destituída do seu significado salvífico. Neste sentido o Concílio de Jerusalém representa uma etapa importante, pois praticamente determina o rompimento do cristianismo com relação ao judaísmo. A partir daí o cristianismo se autocompreende como um movimento separado do judaísmo.



[1] Schneemelcher, Wilhelm, Il cristianesimo delle origine, Bologna 1987.

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