segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O MODERNISMO

O MODERNISMO

Modernismo são as tentativas do final do século XIX e início do século XX para tornar possível uma conciliação entre a doutrina cristã e as ciências modernas, principalmente o método histórico-crítico e, ao mesmo tempo, fazer reformas no âmbito da disciplina eclesiástica.
Não podemos confundir o Modernismo com as idéias do mundo moderno condenadas no “Syllabus”.
Perante a crise do positivismo e um renovado interesse pelos problemas religiosos, sacerdotes inteligentes e sinceramente zelosos percebiam que o vazio de muitos espíritos podia ser preenchido somente por um catolicismo menos ligado a esquemas tradicionais, que causavam uma insuperável desconfiança na mentalidade moderna. As mesmas tendências apareciam nos países alemães, onde Franz Xaver Kraus, se insurgia contra a centralização romana, Hermann Schell ressaltava a urgência de uma maior participação de todos os católicos na vida da Igreja.
Diferentes e mais profundas eram as exigências de homens levados mais ao estudo do que a ações. Eles percebiam as graves lacunas que a cultura eclesiástica italiana e estrangeira do final do século XIX apresentava nos estudos positivos. E a filosofia abusava-se facilmente do método da autoridade, os pensadores modernos eram pouco conhecidos, o sentido histórico muito limitado. Na teologia, a orientação especulativa tinha o predomínio absoluto: basta pensar em Billot e Lsunidade na especulação, mas muito pobres na parte positiva. Em geral, criavam desconfiança em relação a tudo o que viesse de ambientes não estritamente ligados a Roma.
Difundiam-se, portanto nos ambientes católicos no início do século, um sentimento de mal-estar, uma ânsia de atualização, que apresentava todo um amplo leque de atitudes. Os modernistas tendem, no mínimo, a relativizar o momento intelectual das fórmulas da fé e do dogma. Eles sublinham o predomínio de categorias como “vida”, “desenvolvimento”, “experiências religiosas” etc. A fé segundo os modernistas não se apóia na história que pretende nos mostrar a identidade entre o Jesus histórico e o Jesus que é objeto da fé, esquecendo que, com a fé, dá-se um salto para categorias que nos transportam para um terreno diferente. Tende a fazer da religião e da fé a simples expressão das próprias experiências interiores.
Razão e fé não são distintas, mas separadas, dado que se chega à fé com um ato irracional, uma adesão cega. As conclusões históricas, que levam a admitir em Cristo um homem falível, que não operou milagres, não prejudicam a fé em Cristo como Deus, que se baseia em nossa inefável e indizível experiência interior.
Em síntese, a Igreja deve ser completamente renovada, abandonando as vestes já superadas; para atingir esse fim, é preciso agir de dentro da Igreja, não abandoná-la nem separar-se dela, evitando o erro dos protestantes, que tornou estéril a ação deles. É preciso, ao contrário, imitar os Jansenistas, divulgando na Igreja, de modo escondido e sem as trair, as novas idéias, e, se for o caso, é preciso resistir aos superiores, porque há uma desobediência à letra que constitui uma autêntica obediência ao espírito.

6.1.    Principais Protagonistas

a) Alfred Loisy (1857-1940) A tentativa de uma renovação da Igreja em sentido heterodoxo e radical começa com este personagem. Foi ordenado sacerdote depois de muitas incertezas de sua parte, ensinou no Instituto Católico de Paris. Na hipótese de Houtin, Loisy teria vivido por anos e anos, uma comédia, procurando dar de si mesmo uma imagem de sacerdote crente, devoto e respeitoso. Foi destituído de suas funções sacerdotais em 1893 quando sustentou a não autenticidade do Pentateuco como sendo escrito por Moisés e a natureza não histórica-cientifica dos dois primeiros capítulos do Gênesis, ou seja, por suas idéias cada vez mais audaciosas. Com isso, aproveitou o tempo que lhe sobrava, para tentar uma síntese, da qual expôs alguns elementos fundamentais no “Évangile et L Église”, publicado em 1902, provocando imediatamente grande alvoroço nos círculos intelectuais franceses e uma vigorosa resposta por parte do pe. Grandmaison, do pe Lagrange e de D. Batiffal. O estudioso francês procurava resolver o problema da diferença entre o “antes” e o “depois”, entre o Jesus histórico, de um lado, e a Igreja e o dogma, de outro. Tem-se repetido com freqüência esta frase como o núcleo central do pensamento de Loisy: “Jesus pregou o Reino de Deus, ou seja, a salvação oferecida a todos, mas nasceu a Igreja”. Para Loisy, a Igreja era, de fato, a única forma pela qual, depois da morte de Jesus, podia sobreviver o anúncio do Reino pregado por Cristo.
Em 1903 escreveu outra obra chamada: “O autor de um pequeno livro”. No dia 16/12/1903, três meses e meio depois da eleição do novo Papa, foram postas no “Index” as cinco obras de Loisy. No dia 07/03/1908 foi excomungado. Ele continuou até o fim da vida numa orientação cada vez mais racionalista, chegando até a negar qualquer fundamento da religião cristã e a tentar substituí-la por uma religião humanitária, na qual a Sociedade das Nações e o presidente Wilson ocupariam o lugar da Igreja e do Papa. Morreu sem renunciar à sua atitude.

b) George Tyrrel (1861-1909) Nascido e educado no Calvinismo, converteu-se ao catolicismo e entrou para a Companhia de Jesus. A sua atitude cada vez mais impaciente em relação ao clima da Companhia, impregnada no seu modo de pensar, de um mesquinho autoritarismo estranho ao espírito do fundador, convenceu-o e a seus superiores da impossibilidade de ele continuar na Ordem.  Faz uma crítica a Igreja: quando contrasta a Igreja pobre de Cristo e a Igreja rica da instituição. Propõe que a Igreja tenha uma postura mais social. De repente, no dia 01/01/1906, publicou um artigo num jornal da Itália que se intitulava como: “Carta a um Professor de Antropologia”; logo se descobriu que ele era o autor, um mês depois, foi expulso da Companhia, e, não tendo sido aceito em nenhuma diocese, foi automaticamente suspenso das funções sacerdotais[1]. Mais tarde, a um mês da Pascendi”, em Outubro de 1907, sua reação negativa à Encíclica provocou não propriamente a excomunhão, mas a sua exclusão dos sacramentos. Morreu em 1909, Tyrrel exaltava a liberdade de consciência e rejeitava toda autoridade. Loisy é sobretudo um exegeta e um historiador; Tyrrel, um Filósofo  e um Teólogo; um e outro tendem à mesma meta por caminhos diferentes.

c) Friedrich Von Hugel (1852- 1925)→ A sua origem (pai austríaco e mãe escocesa) Devido ao domínio de várias línguas, mas, sobretudo a sua vivíssima inteligência e a sua abertura a todos os diversos círculos nacionais, foi chamado de o “bispo leigo do século XX”. Percebe-se também nele a tentativa de unir, a uma real fidelidade à Igreja, a reivindicação de uma liberdade plena de pesquisa e a inata hostilidade ao que ele chamava de absolutismo curial.
Na Itália, o movimento modernista não teve grande repercussão no público médio, mas formou um grupo restrito de alguns intelectuais e de alguns sacerdotes. Entre eles, podemos lembrar de Tommaso Gallavat; Scotti, Stefano Jacini, Alessandro Casati, reunidos em torno da revista Milanesa “IL Rinnovamento”. Iniciado em Janeiro de 1907, o periódico recebia, em abril, uma advertência por parte do cardeal prefeito da Congregação do “Index”: o cardeal Ferrari; comunicou o aviso aos interessados.

d) Ernesto Buonaiuti (1881- 1946)Professor de história da Igreja no Seminário de Apollinare e depois, desde 1915, na Universidade de Roma, o qual passou rapidamente da moderação inicial à nítida rejeição do intelectualismo estático à dura polêmica da revista “Nova et Vetera” (1908), que reduz a mensagem cristã a uma tentativa de reforma social. Depois de 1920 o seu radicalismo sofreu uma evolução em sentido oposto, para teses menos adversas às tradicionais, ainda que talvez distantes da ortodoxia. Buonaiuti permaneceu no seio da Igreja até 1921. Excomungado, submeteu-se para provocar logo com novas publicações outras excomunhões, em 1924 e em 1926. Depois de 1931, foi completamente afastado da cátedra não em conseqüência do tratado de fidelidade ao fascismo, imposto a todos os professores universitários; e, em 1946, Buonaiuti faleceu, recusando as propostas de reconciliação com a Igreja.
     
e) Romolo Murri (1870-1944)→ Foi um dos principais animadores do movimento da Democracia cristã. Murri; em 1905, colaborou ativamente para o nascimento e o desenvolvimento da liga democrática nacional, logo desautorizada por Pio X. As divergências disciplinares e doutrinais levaram à suspensão “a divinis” (1907) e à excomunhão de Murri (1909), que ressaltou na “Revista Cultural” o tom anti-hierárquico de sua campanha. Morreu reconciliado com a Igreja. O afastamento da Igreja aconteceu essencialmente pela reivindicação de uma autonomia dos católicos no campo político, que acabara por se transformar em revolta disciplinar, justificada pela distinção dos planos e das competências.
Muito importante foi a ação de três cardeais, o secretário de Estado Merry del Val; o prefeito da Congregação Consisterial, De Lai; o prefeito do Index, o capuchinho Vives y Tutó. Merry del Val era conhecido por sua profunda piedade, por sua severa ascese, mas também por seu temperamento batalhador e seu zelo intransigente.
No final de Abril, a Congregação do “Index” advertia os redatores da revista “IL Rinnovamento”.
Pio X viu o Movimento modernista como algo perigoso e a atuação da Igreja foi muito forte para combater esses perigos. Antes de 1907, a partir de 1905, temos as decisões da comissão bíblica; vários documentos foram publicados, documentos relativos àquilo que os exegetas estavam tentando manter, isto é, a exegese tradicional:
- Autenticidade Mosaica do Pentateuco;
- O sentido literal histórico dos três primeiros capítulos do Gênesis[2];
- Autenticidade das cartas pastorais;
- Uniformidade do livro de Isaias.
Em 03/07/1907, o Decreto “Lamentabili” condenava 65 proposições, tiradas em geral das obras de Loisy, relativas à autoridade do Magistério Eclesiástico, à inspiração da Sagrada Escritura, à objetividade e imutabilidade dos dogmas, à divindade de Cristo, à origem divina da Igreja e dos sacramentos.
Em 08/09/1907, foi publicada a Encíclica “Pascendi Dominici Gregis”. Ela se divide em duas partes: teórica e prática, mas é idêntica em ambas a dureza de tom e expressões, que lembra a “Mirari Vos” e a “Quanta Cura”. Por exemplo, os motivos que impulsionavam os estudiosos a formular novas teorias são para o Papa, apenas soberba ignorância e vã curiosidade; o modernismo é definido com uma fórmula que se tornou celebre: “soma de todas as heresias”. A encíclica condenava a rejeição das provas clássicas tradicionais sobre a existência de Deus; a redução da revelação a uma experiência religiosa interior; a concepção dos dogmas como simples instrumentos para comunicar aos outros a própria experiência religiosa; a separação radical entre ciência e fé.
Os modernistas, todavia, logo protestavam por não terem sido compreendidos. Buonaiuti, com algumas sugestões de Fracassini e de Simeria, publicou imediatamente, de forma anônima, O programa dos modernistas, no qual, declarava que o pensamento deles tinha sido adulterado. O autor foi excomungado.
A segunda parte da Encíclica tem várias posições severas destinadas a reprimir a infiltração modernista:
→Vigilância dos professores dos seminários e das universidades, com o afastamento de quem introduzir novas idéias;
→Seleção rigorosa dos ordenandos;
→Aumento da censura.
→Proibição de Congressos de Sacerdotes.
→Instituição da primeira Comissão Especial em cada Diocese para indagar sobre eventuais indícios de Modernismo, com obrigação de enviar periódicos relatórios a Roma.
Dois meses depois, em novembro de 1907, o Motu Próprio “Proestantia Scripturae” comunicava a excomunhão de todo àquele que se opusesse à Encíclica: em dezembro, era condenada a Revista “IL Rinnovamento”. O Motu Próprio “Sacrorum Antistitum”, de 17/07/1910, impôs aos religiosos na pastoral e no ensino um especial juramento anti-modernista. Na Alemanha este juramento suscitou várias discussões entre os docentes universitários, estes foram dispensados dessa obrigação. O Moto proibia também aos seminaristas e aos estudantes dos institutos religiosos a leitura de qualquer jornal.
Marie Joseph Lagrange (1855-1938)- Dominicano, fundou a revista bíblica francesa e vai ser fundador da  Ecole Biblique de Jerusalém. A partir daí a Santa Sé vai fazer com que os Jesuítas fundem uma Escola Bíblica em Roma em 1909 para se contrapor a escola dos Dominicanos em Jerusalém.
Grave foi a atividade desenvolvida por Umberto Berigni, professor de história no Apollinare. Trabalhou na Cúria Romana e nos anos críticos do modernismo, ele fundou, em 1906, La Corrispondenza Romana, que se tornou em 1906, La Correspondance de Rome”, e reuniu em torno de si os seus correspondentes numa associação secreta, o “Sodalitium Pianum”, composta de 50 membros que tem como objetivo recolher informações daqueles que eram vistos como suspeitos de modernismo (até cardeais ou gerais de ordens religiosas), e de transmiti-los diretamente ao Papa.  Vai ser instituído por Pietro Gasparine secretário de Estado de Bento XV e em 1921 Bento XV vai dissolver o “Sodalitium Pianum”.
Ao mesmo tempo, proibiam-se nos Seminários o texto de história de Funk, foi posto no “Index” a “Storia della Chiesa” de Duchesne (1843-1922), então diretor da “Ecole Francaise de Rome”. Contemporaneamente, repetiam-se as visitas apostólicas nos Seminários e nas Dioceses. O próprio Ângelo Roncalli, recebeu claras advertências do cardeal De Lai, por estar lendo um livro, cujo o autor era suspeito de Modernismo.



[1] Suspensão “a divinis”.
[2] Formação da mulher a partir do homem e o diabo na imagem da serpente.

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