segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

ESCATOLOGIA NO ANTIGO TESTAMENTO

A ESCATOLOGIA NO ANTIGO TESTAMENTO: ORIGEM E DESENVOLVIMENTO


Tempo, promessa e história.

A concepção linear do tempo, comum hoje, é uma originalidade bíblica, em contraste com a visão cíclica no ritmo do tempo. Nas concepções pagãs, a divinização da natureza consagra a circularidade do tempo. O movimento circular não tem princípio nem fim, não leva a nenhum lugar e o homem não tem destino. A fé na criação e a esperança da promessa do futuro romperam esse círculo mágico.

O javista insere a história de Israel no conjunto de todos os povos desde Adão. Na obediência a Deus está à vida, na desobediência a morte, uma existência sem futuro. Após o pecado há espaço para a esperança? Qual a atitude divina diante do desencadeamento sem freios do pecado? Deus se mostra constantemente decepcionado pela maldade humana, mas também tenazmente determinado a não deixar a maldade prevalecer sobre a bondade, decidido a realizar uma história que seja de salvação e não de perdição. Com Abraão os cuidados de Deus pela humanidade por um lado se particularizam, mas por outro lado Deus insere na história uma promessa com virtualidades universalistas (Gn 12, 2s). Com Abraão Deus parece apostar numa causa perdida, escolhendo alguém que pode ser visto como o protótipo do homem sem esperança. O despojamento que Deus opera em Abraão é justamente a condição de possibilidade de um futuro mais esperançoso. Em Gn 12, 2s por cinco vezes se fala de ‘bênção’, como que querendo corrigir as cinco maldições da história anterior (Gn 3,14.17; 4,11; 6,7; 11,7). A semente da bênção se implanta em Abraão, cresce em Israel e frutifica para todos os povos. Com o êxodo se repete a história do esperar com confiança o que é naturalmente impossível. Depois dessa epopéia, fica claro que a criação está a serviço da história e que esta é uma história de salvação. Todavia, o cumprimento da promessa da descendência e da terra aponta para uma nova tensão para um objetivo não alcançado: a dinastia davídica  (Nm 24, 17: de Jacó avança uma estrela, um cetro surge de Israel).

O sacerdotal introduz um terceiro elemento à promessa da terra e descendência: o próprio Deus promete a si mesmo como propriedade dos filhos de Israel (Gn 17,7; Ex 6,7) A mútua pertença se torna o núcleo da promessa em Ex 29,43ss. Com isso a promessa aponta para um objetivo incomensurável, por cima e além de suas realizações históricas. Por fim, nessa tradição a promessa passa a abarcar também o cosmos, pois a celebração do sábado é a de toda a criação (Ex 31,16ss; Gn 9,13) e através dos ‘toledot’  (Gn 2,4) se manifesta a continuidade entre o mundo e a humanidade. Aqui, a protologia aponta já para a escatologia, ‘arché’ e ‘télos’ se apelam.

Segundo alguns exegetas, o deuteronomista substitui a promessa com a Lei, e a esperança com a obediência. Correta essa análise? Em Dt 28,1.13 a obediência pedida amplia seu horizonte para perspectivas universalistas. Mais ainda: na profecia de Natã (2Sm 7) aparecem de novo a descendência (12), a terra (10) e a mútua pertença (14), mas tudo isso com um caráter de definitividade (16), anunciando o novo elemento da promessa: a esperança messiânica.

Os textos lembrados contêm uma teologia da história, forma embrionária da escatologia. O círculo, dominante nas representações temporais extra-bíblicas, é substituído pela reta; com isso, espera-se o novo e não a repetição do mesmo; se impõe o futuro, não o passado ou o presente. A salvação não consiste em escapar do círculo, isto é, do tempo, em detê-lo ou em fazê-lo voltar atrás, mas em deixar-se conduzir para frente por ele.

Os profetas mais antigos (Oséias, Miquéias, Amós e o proto-Isaias) anunciam um juízo que parece romper a linha da história. As prevaricações do povo desencadeiam uma série de desgraças que provocam a irrupção do que Amós denomina “o dia de Javé” (Am 5,18-20), que a  partir de Israel atinge todo o gênero humano (Is 24,5s).  E assim chega-se à compreensão de que só depois do juízo irá se cumprir a promessa. Isso porque Deus não julga para destruir, mas para salvar. Para o deuteronomista, bênçãos e maldições eram possibilidades simultaneamente abertas, para os profetas, essas possibilidades são periodizadas, tornadas sucessivas, o elemento negativo é subordinado ao positivo, à terapia que prepara o dom definitivo. Observe-se: Am 5,15; 9,11;  Os 5,3-7; 6,4s; 11,8ss; Mq 5,1s; Is 11,1ss. Pode-se então concluir: “Aguardo o Senhor, que esconde a sua face da casa de Jacó, nele ponho a minha esperança” (Is 8,17).
Com o exílio, os profetas se põem a relançar a esperança, fazendo como que tocar com as mãos o alcance do objetivo. “Eis que dias virão” (Jr 23, 5.7; 30,3; 31,31; 33,14 etc.); “dentro de muito pouco tempo” (Ag 2,6s); várias expressões nesse sentido no deutero-Isaias (40,1ss; 43,19; 52,8). A motivar essa renovada esperança no tempo da maior crise situa-se a recobrada intimidade do homem com Deus, enunciada nas fórmulas do sacerdotal (Jr 31,33; Is 55,3; Ez 36,28 etc.). Ainda: a futura salvação é entendida como nova criação (Is 43,19), sendo que o coeficiente ‘novidade’ adquire uma relevância inédita e se estende à totalidade da realidade: promete-se um novo Davi, uma nova Sião, um novo êxodo, uma nova aliança, um coração e uma humanidade novos, céu e terra novos: Is 65,17s. Enfim, a promessa é vista como santidade e justiça diante de Deus, na interiorização da Lei, não simplesmente na terra e descendência (Os 2,21s; Jr 31,34; Is 54,10; Ez 11,20; 36,27), sendo esta a conseqüência do pacto de mútua pertença que a partir de Deus alcança o íntimo do homem, numa coincidência entre a promessa de Deus e o Deus da promessa.

A apocalíptica se afirma devido ao contraste entre as promessas e a amarga realidade. Daí a suspeita que a estreiteza do tempo não é capaz de conter a plenitude transbordante do cumprimento da promessa. A promessa haverá de se cumprir não no curso da história nem através do curso da história, mas no término dela. O fim será não só a finalidade, mas o término da história e do tempo. Essa suspeita se torna certeza por volta do IIº século a.C. O reino de Deus é transcendente e desce das alturas celestes de sua pré-existência (Dn 2,44; 4,31; 6,27; 7, 9s. 13s.27). Daniel recapitula as sucessivas etapas da esperança de Israel – aliança, reino de Deus, messianismo, oráculos proféticos- em um grandioso quadro sintético que contempla a história passada como um processo histórico previsto por Deus que se encerra com a intervenção decisiva ‘no final dos dias’ (11,40-12,13). O dom de Deus não pertence à história, embora comunicado parcialmente a ela.

O que se espera é a transmutação das realidades terrestres por obra da instauração do Reino de Deus. Não se trata, portanto, de perpetuar ou aperfeiçoar a materialidade do tempo e do mundo presente, mas também não de uma espiritualização e de uma supressão total desse mundo. Há continuidade entre o mundo presente e o futuro, não substituição daquele por este, pois o Deus Criador é também o Salvador de toda a criação. A ruptura que o ‘éschaton’ apresenta, não é espacial, mas temporal. O desenvolvimento das idéias escatológicas não foi na direção de uma espiritualização desmundanizada, e o caráter transcendente da consumação não aboliu a dimensão imanente do consumado. Não há oposição entre o transcendente e o imanente, entre escatologia e história. A esperança de Israel é escatológica porque tende não a uma recuperação ou reinstauração do passado, mas sim à gloriosa densidade de um futuro plenificador apoiada na palavra promissora de Javé.

N.B.: veja-se o tema do Reino de Deus nas apostilas de Cristologia.




2 comentários:

  1. Expandir seus conhecimentos é muito bom,você atinge o alvo 🎯 que é os leitores,eu gostei parabéns,Deus te abençoe continuamente.

    ResponderExcluir