domingo, 28 de fevereiro de 2016

MARIOLOGIA SISTEMÁTICA

MARIOLOGIA SISTEMÁTICA
Diante dos posicionamentos ora contra ora a favor da verdade sobre Maria, a teologia sente a necessidade de dar respostas e explicar as contradições e harmonias, as definições dogmáticas e as experiências marianas.

I. A mariologia no campo da contradição
Resulta difícil harmonizar os dados que a respeito de Maria procedem da Escritura, da tradição teológica, da tradição patristica e do magistério normativo ou dogmático. A mariologia tem se desenvolvido  parelamente a cristologia e eclesiologia, no entanto nos últimos dois séculos fez-se afirmações dogmáticas sem precedentes, como, o dogma da Imaculada Conceição e o da Assunção de Maria. Um parecer que excede o âmbito do revelado. Não se encontra dados na Bíblia nem na patrística a respeito dos dois dogmas. O magistério traiu e não respeitou as normas elementares de fidelidade e obediência a Escritura e a Tradição?
Hoje se põe em questão a realidade da «concepção virginal» tanto do ponto de vista histórico-crítico como, de sua centralidade no símbolo da fé. Existem teólogos que se pudessem excluiriam do símbolo da fé “incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria virgine”. Tendo como chave de interpretação mero theologumenon ou christologumenon. Desse modo, a virgindade de Maria “antes do parto” seria insustentável teologicamente. O título de Maria mãe de Deus seria uma divinização ilegítima.
Muitos teólogos, inclusive protestantes contestam a mariologia. O magistério da Igreja está vigilante sobre esta questão, para evitar o reducionismo teológico dos contestadores.
Além da questão teológica se vê crescer entre os crentes a indiferença afetiva ante a virgindade de Maria, ante sua maternidade e ante seu mistério.  O mistério de Maria e sua própria vida estão intimamente ligados à existência da Igreja.
Os que contradizem a doutrina mariológica da Igreja optam pelo reducionismo teológico, seja de sinal escético ou dogmático.

II - A verdade sobre Maria
A Igreja se mostrou desde suas origens, interessada em conhecer a verdade sobre Maria. Ela penetrou na zona misteriosa de Maria fazendo dela objeto de sua reflexão teológica e sapiencial. Mateus, Lucas e João dão uma maior relevância e a colocam em importantes contextos teológicos. Os evangelhos apócrifos, em particular o protoevangelho de Tiago, na época patrística serviram como fonte de estudo sobre a virgindade e santidade de Maria. Ela esteve sempre presente na espiritualidade do povo de Deus: no culto e no caminho espiritual. A Igreja a proclamou theotokos. Na concepção virginal de Jesus se descobre o grande símbolo da filiação divina. Ela foi vista como a nova Eva, que recapitula a primeira e se converte em causa de salvação.
a. Os dogmas marianos
            O dogma da virgindade de Maria antes, durante e depois do parto se fundamenta no conhecimento conatural do mistério de Cristo Jesus que o tem sido concedido. Não é a satisfação de uma curiosidade histórica que explica a afirmação dogmática, mas é expressão de uma experiência do mistério de Cristo, o que se deduz que por Ele, Maria foi sempre virgem.
            Maria é proclamada theotokos por uma motivação profundamente cristológica, que se baseia na divindade de Jesus.  O conhecimento místico de Cristo tem como conseqüência conhecer o mistério de sua mãe. A Igreja não tem como referência os dados sobre Maria, mas o conhecimento do mistério de Jesus. Os Padres ligaram a identidade do Filho à identidade da Mãe e que a identidade da mãe se converteu em símbolo da identidade do Filho.
            Os dois últimos dogmas marianos: Imaculada conceição e Assunção de Maria tiveram como motivações: a gloririficação de Deus, a glorificação de Maria e o bem do povo. Nem todos os teólogos estavam de acordo com a proclamação dos dois dogmas, mas o acordo fundamental estava no povo que já celebrava estas festas marianas desde fazia séculos, que se identificava com a liturgia e alimentava nela sua piedade Mariana. O povo cristão contemplava a Maria, desde sua relação materna com seu Filho Jesus e viam nela a fonte humana do “todo Imaculado Jesus”, a primeira pessoa redimida, salva e glorificada totalmente por seu Filho. A devoção mariana, às vezes chegou a excessos, mas a teologia e o magistério trataram de corrigi. Maria não foi idolatrada, mas reconhecida como a dimensão mais acessível ao sagrado. Maria tem sido bem patrimonial mais do povo simples e dos santos que dos teólogos. É uma realidade que se deve levar em consideração quando tratar da hermenêutica das verdades ou definições dogmáticas marianas.
b. A lógica interna dos dogmas marianos
            Os dogmas marianos não são afirmações autoritárias de quatro privilégios de Maria escolhidos aleatoriamente aos quais lhes acrescentaria outros. São resultados de um processo unitário, de um itinerário gnosiológico e espiritual, cheio de complexidade. Trata-se de um processo seguido milhões de comunidades crentes ao longo dezenove ou vinte séculos.
            A Igreja age com prudência antes de proclamar um dogma. É inteligente perguntar-se pela lógica interna dos dogmas marianos, para compreender sua verdade. Eles surgem dentro de um contexto vital, como exigência da vida. A Maternidade divina, a Virgindade permanente, a Imaculada concepção e a Assunção não são quatro privilégios com os quais Maria tem sido agraciada, como se pudesse ter sido agraciada com outros diferentes. Deus a escolheu desde sempre para ser a mãe de Jesus e ela correspondeu com amor. Portanto, a este mistério sacrossanto respondiam as festas marianas iniciadas no primeiro milênio.

III - Qual é a verdade e como se chega a ela?
A Igreja tem seguido de modo adequado e legítimo o caminho para conhecer a verdade sobre Maria?
A verdade e a lógica
Para a lógica a verdade evolui à base de silogismo, premissas e conclusões. Considera-se a pessoa como uma máquina pensante e não como inteligência que sente. De acordo com essa visão intelectualista, a evolução da verdade sobre Maria dependeria da capacidade silogística dos cristãos, da sábia utilização de todos os ingredientes teológico-bíblicos que permitiriam um conhecimento mais adequado de sua pessoa.
            Os filósofos clássicos e, cristãos, nos diziam que quando nossa linguagem ou nossa forma de atuar expressa algo que é tal como se comporta na realidade, ou quando nosso entendimento capta adequadamente aquilo que entende então acontece a verdade. Afirmavam que o fundamento da verdade intelectual e moral é a capacidade que tem tudo o que existe de descobrir-se e manifestar-se em si mesmo a mente humana: esta é a verdade que se confunde com tudo o que é. Tudo o que existe é, por sua vez, verdadeiro, porque depende da verdade por antonomásia: o princípio absoluto da verdade.
            Segundo essa perspectiva, a verdade sobre Maria se produz quando a Igreja expressa em sua doutrina ou em seus dogmas algo que coincide com a realidade histórica de Maria, quando a mente da Igreja capta adequadamente o dado objetivo mariano que trata de expor. Sua verdade é necessariamente irradiante, se exterioriza e as faz conhecer.
1.        A verdade e a ecológica
Neste momento do “pensamento débil” da “democracia das verdades”, o tema da verdade não está tão claro como o pensamento clássico suponha. Muitos pensadores colocam a questão em discursão. A partir de Newton se pensou que o objeto da ciência era o conhecimento certo; mas na atualidade, demonstra-se que o conhecimento deve tentar negociar com a incerteza. A lógica aristotélica nos tem ensinado a pensar a partir da conexão entre causas e efeitos. Deus, nós temos concebido como primeira causa, da que tudo mais é efeito.

2.        O acesso à verdade sobre Maria pela lógica da complexidade
A lógica da complexidade requer um acesso múltiplo à verdade de Maria, que abre mil caminhos sem absolutizar nenhum. Pode-se seguir a via da simplificação ou da complexidade. Ela esteve sempre presente na memória da Igreja em seu mistério de vida totalmente transcendente e, sobretudo na vida do povo de Deus.
1.                  A verdade como acontecimento
A verdade é um acontecimento da vida, que se assiste e no qual se participa. Para a filosofia clássica, conhecer consistia em representar uma realidade desde fora, enquanto que para a “ecologia do espírito”, conhecer é construir a realidade que se pensa, que se vai descobrindo.
2.                  As simplificações da verdade sobre Maria
A verdade sobre Maria se vai construindo na medida em que me introduzo no mundo que ela é e representa, no mundo dos testemunhos que se tem dado sobre ela. Os protestantes só aceitam como verdade o que a Palavra de Deus, o N.T. disse sobre Maria. Uma posição reducionista.
Portanto, a verdade sobre Maria é uma realidade que se vai descobrindo na vida comunitária, eclesial, na que colaboram não poucos fatores e, cada vez mais, não poucas comunidades.

V. Critérios para interpretar as definições dogmáticas sobre Maria    
1.                  O magistério da Igreja não está sobre a Revelação
 A Igreja reconhece a revelação. Um dogma é reposta da Igreja à revelação de Deus. Ela está a serviço da Palavra de Deus e não sobre ela (DV 10).

2. Toda afirmação dogmática nos leva a escutar as Escrituras e a compreender em maior profundidade a revelação
            O dogma é um convite a escutar as Escrituras e a Tradição, a descobrir o impacto da revelação na alma da Igreja em todos os séculos, e em cada um de nós.
            A revelação é a proposta de Deus para o encontro com o homem de todos os séculos. A verdade da revelação se vai realizando progressiva e historicamente na medida em que vai sendo acolhida por diferentes gerações e comunidade humanas.

3. Escutar a particularidade na totalidade da Sagrada Escritura
            A verdade sobre Maria é deduzida nos quatro evangelhos e em sua totalidade bíblica, desde Gênesis a Apocalipse.

4. Não são novos dados, mas novas perspectivas.
A chave de interpretação dos dogmas marianos deve ser o conhecimento mais profundo das três dimensões: A Imaculada Conceição (Protológica), Maternidade virginal permanente (histórica) e Assunção (histórica).

5. cada dogma forma parte de um conjunto de verdades e entre elas há uma hierarquia
            A revelação é um acontecimento que culmina em Jesus Cristo. A fonte de todos os dogmas consiste na fé em Deus Pai, em Jesus Cristo, no Espírito Santo e à Igreja.

6. as afirmações dogmáticas e seu significado em distintos ecossistemas teológicos

            As afirmações dogmáticas devem ser entendidas em seu contexto histórico e cultural. Os ecossistemas teológicos estão em constante evolução.
            A Igreja tem se preocupado por descobrir a verdade sobre Maria. Ela faz parte da história da salvação. Mistericamente está presente na memória e coração dos que crêem. A Igreja tem tratado de chamá-la de bem-aventurada nos diversos momentos da história. O Espírito tem concedido um conhecimento mais profundo de sua verdade.



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