segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A ESCATOLOGIA BIPOLAR EM PAULO E JOÃO

A ESCATOLOGIA BIPOLAR EM PAULO E JOÃO

            Para PAULO não há dúvida que com o Cristo se fez presente a plenitude do tempo (Gl 4,4; Ef 1,10).  Resulta sumamente ilustrativa a respeito a contraposição adverbial entre o ‘então’ e o ‘agora’ (Gl 4,8s; Rm 6,20-22;; Ef 5,8) ou o uso enfático do ‘agora’ (Rm 3,21.26; 5, 11;7,6; 16,26; 2Co 6,2; Ef 3,5; Cl 1,26). O reiterado ‘agora’ induz o adjetivo ‘novo’: vida nova (Rm 5,4), nova criação (2 Co 5,17; Gl 6,15), homem novo (Cl 3,10),  pois o que era velho passou e tudo é novo (2 Co 5,17).
            Contudo, se o presente supera o passado, ele apresenta forte tensão para um futuro que o qualifica como esperança cristã: 1 Ts 1,9s; Fl 3,20s; Gl 5,5. Essa esperança atinge toda criatura: Rm 8, 20-22. Ela diz respeito à Parusia, quando terá lugar a ressurreição (1Co 15,51s; 1Ts 4,14-17), o juízo (2 Co 5,10) e a história chegará ao seu término (1Co 15,24-28). A expressão ‘maranatha’ de 1Co 16,22 provém da comunidade palestinense de fala aramaica, e foi dela que Paulo recebeu sua doutrina escatológica.
            Os bens salvíficos não estão justapostos, mas se organizam segundo a dialética do ‘já’ e ‘ainda não’. O cristão, embora viva na carne, não caminha segundo a carne (2 Co 10,3; Gl 2,20; Fl 1,22); possui o Espírito, mas como arras (αρραβών: 2 Co 1,22; 5,5) e primícias (απαρχή: Rm 8,23) da existência própria do ‘éschaton’. Por isso “nenhum dom vos falta [o presente], a vós que esperais [o futuro] a revelação (αποκάλυψις) de nosso Senhor JC” (1 Co 1,7). E ainda “aquele que iniciou em vós a boa obra [presente] há de levá-la à perfeição [futuro] até o dia de Cristo Jesus” (Fl 1,6).
            Assim, como para os Sinóticos, também para Paulo se dá a típica articulação entre presente e futuro em volta do eixo que a pessoa de Jesus Cristo.

            JOÃO parece, numa primeira abordagem, ter rompido, em favor do presente, o equilíbrio entre os dois momentos assinalados. O agora do presente se torna absolutamente hegemônico no quarto evangelho. A vida eterna é possuída já agora pela fé (3,15s.36; 5,21.24.40; 11,25s; 17,3; etc.), e até acontecimentos típicos do término da história são antecipados nesse agora: a Parusia (14,3.18-20), a ressurreição (5,25; 11,24s) e o juízo (3,18;12,31). As referências à esperança somem por completo, e até mesmo o termo ελπίς, ausente do evangelho, aparece uma só vez na carta (1Jo 3,3).
            Contudo, há também outros dados no corpus joânico. A primeira carta recupera a dimensão estritamente futura do ‘éschaton’. A Parusia por vir (2,2), a confiança para o dia do juízo (4, 17). No trecho de 3,1-2 aparece claramente a dialética do já e ainda não, do ser e do manifestar-se: somos filhos de Deu, mas ainda não se manifestou o que seremos.
            Além do mais, do próprio evangelho emergem passagens referentes à escatologia futura em relação aos mesmos acontecimentos referidos antes ao presente: a vida eterna (14,2s), a ressurreição (5, 29; 6, 39.40.44.54) e o juízo (12, 8). É possível que 14,3 se refira ao fim dos tempos como em 1Ts 4,17.
            Esses textos futuristas não podem ser interpolações posteriores, mas sem dúvida constituem um aspecto secundário na compreensão escatológica de João: a acentuação prevalente do ‘já’ não induz à supressão do ‘ainda não’. O evangelista demitizou sim toda representação apocalíptica em vista de uma fé atuante no presente, mas não espiritualizou de modo atemporal essa mesma fé que leva à salvação porque fundada no Verbo que se fez carne na história da humanidade.



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