sábado, 27 de fevereiro de 2016

MARIOLOGIA BIBLICA

A mãe de um judeu marginal

§  Não há notícias históricas a respeito de Maria. Pelas notícias de Jesus (Flávio Josefo e Tácito) podemos nos aproximar de sua figura histórica.
§  Os Evangelhos não possuem intenção de fazer história, mas de apresentar a fé que histórica.
§  Por isso, recorremos a autores não cristãos e historiadores como ponto de partida de notícias históricas sobre Jesus e sua mãe.

I. O Filho de Maria, um judeu marginal

§  Maria é conhecida porque Jesus é conhecido (não da mesma com José). Sua fama crescia à medida que aumentava o número de crentes.
§  Jesus não foi um personagem notório, famoso aos seus contemporâneos. Os historiadores interessaram-se mais pelo movimento cristão que por seu fundador.
§  Foi um judeu marginal de um movimento marginal, de uma província marginal.

1. O testemunho de Flávio Josefo.
§  Se fez famoso na Igreja e na Tradição por causa das citações dos Padres da Igreja. Assim ficou conhecido no Ocidente cristão.
a) Uma testemunha não-cristã.
§  O interesse era apologético: demonstrar que o cristianismo tinha raízes na antiguidade provadas em seus livros Antiquitatis  e Contra Apion.
§  Josefo afirmava que a queda de Jerusalém devia-se ao pecado de Israel, por ter condenado Jesus à morte; assim era como Josefo era lido pelos cristãos.
§  Também transmite dados que corroboram com o Novo Testamento: censo de Quirino, governador da Síria, a crueldade de Herodes, etc.
§  Sua objetividade histórica era afetada por sua aliança com o imperialismo romano, com a aristocracia judaica e por seu oportunismo.
§  Defendia a elite judaica, era pro-romano, anti-revolucionário, etc.
b) A imagem de Jesus na obra de Flávio Josefo
§  Na obra Antiguidades judaicas de 96-98, Josefo dá um testemunho sobre Jesus. O texto é autêntico, embora com interpolações cristãs.
§  Emerge a figura de um Jesus homem sábio que manifesta sua sabedoria em fatos surpreendentes. Possui seguidores e foi morto na cruz.
§  Seus seguidores permanecem fiéis e a tribo dos cristãos continuou. Josefo fala também de João Batista, mas sem nenhuma ligação com Jesus.
c) Dados sobre a família de Jesus.
§  O texto 20 de Antiguidades judaicas narra à morte de Tiago, irmão do Senhor por Ananias, sumo-sacerdote.
§  Este nome era comum. Josefo o especifica como irmão do Senhor, como aparece no Novo Testamento e em Hegesipo (séc. II).
§  Porém, Josefo e Hegesipo se diferem no relato da morte de Tiago: o primeiro afirma que morreu apedrejado e o segundo, a pauladas (+ 70).
2. O testemunho de Tácito.
§  Governador da província da Ásia, historiador (56/57 – 118 d.C), narra a situação da Palestina no tempo de Jesus.
§  Fala de Jesus em sua obra Os anais, citando Nero e suas maldades.
§  Possui um tom anti-cristão. Os cristãos são depreciados por seus vícios abomináveis e perigosa superstição moral.

3. As fontes rabínicas e seu testemunho
§  São várias fontes (Mishna, Talmud, Targuns, Midrashim). A Mishna é o mais antigo. Mas são os rabinos do século II que falam de Jesus em reação à pregação dos cristãos.
a) Jesus, bem Pantera
§  É a história da literatura rabínica onde uma jovem judia manteve relações ilícitas com um soldado romano chamado Pantera e cujo filho era chamado Bem Pantera. (Orígenes, no Contra Celso, 248).
§  Celso (178) refere esta história a Maria: seu marido era carpinteiro que a repudiou após ter dado à luz em segredo; vai para o Egito onde Jesus trabalha como mago (deus).
§  Pode-se supor que esta história já circulava na diáspora judaica do século II. Porém, Justino não a conhecia (+ 150) no  Diálogo com Trifão.
§  Celso relata algumas características de Mateus. Isto quer dizer que os judeus da diáspora do século II conheciam Mt 1,18-25 e quiseram refutar inventando uma paródia.
§  Por ter surgido na diáspora e não na Palestina, questiona-se a historicidade.
§  Vários escritos judeus falam de Jesus Bem Pantera, mas sem referência direta a Jesus.
b) Jesus, mago sedutor
§  O Talmud babilônico fala de Yeshu que enganou Israel e foi apedrejado nas vésperas da Páscoa.
§  Diversos documentos falam que Jesus foi para o Egito e lê aprendeu bruxaria. Tudo para fazer ridícula a figura de Jesus.

II. Maria e a família de Jesus

1. Os nomes familiares
a) Se chamava Maria
§  Maria era um nome comum tanto no Antigo Testamento quanto no Novo. A irmã de Moisés e Aarão assim se chamava (Myriam; Ex 2,4-9) e outra Maria é mencionada em 1Cr 4,17.
§  No século I, nomes como Jesus, Maria e José eram reacionários. Receber um nome de um patriarca era identificar-se como judeu autêntico em meio à helenização.
§  Ao renascimento da identidade nacional e religiosa judaica era forte na Galiléia, que sofria muito de influência pagã, por isso, os nomes patriarcais na família de Jesus.
§  Lutero afirma: “O nome Maria significa mar amargo; de acordo com o ambiente circunstancial em que vivem. O povo encontra-se apenado e amargurado”.
b) Lhe porás o nome de Jesus
§  Jesus era um nome abreviado, derivado do herói Josué. Foi um nome popular até o início do século II d.C. Cristo era usado para distinguir de tantos outros.
§  Yeoshua significa “que Yahweh ajude”, ou “que Deus salve”. É um nome em contraste com a helenização que tem a ver com o desejo de restaurar o povo de Israel.

2. Jesus, filho legítimo?
§  Mateus e Lucas conheciam uma tradição da concepção ilegítima de Jesus. Por seu machismo ocultaram e camuflaram como concepção virginal, afirma Jane Scharberg.
a) O logion 105 do evangelho de Tomé
§  Ela supõe que no evangelho de Tomé contenha frases anteriores aos canônicos.
§  Diz o logion: “Aquele que conhece o pai e a mãe será chamado filho de prostituta?”
§  Parece que este logion não se refere à origem histórica de Jesus e é improvável que contenha dados anteriores aos Evangelhos.
b) Filho de Maria (Mc 6,3)
§  Por falar: “Não é este o filho de Maria?” alguns vêem a negação da legitimidade de Jesus. Outros manuscritos apresentam: “Não é este o filho do carpinteiro?”
§  É provável que esta seja uma acomodação de Marcos a Mateus e Lucas.
§  Chamar um homem de “filho de sua mãe” não indica ilegitimidade no Antigo Testamento e no Novo. É o exemplo da Sérvia, irmã de Davi (1 e 2Sm, 1 e 2Rs).
§  Os nazarenos estranham a novidade de Jesus, diante de um passado que não demonstra nada de extraordinário. Filho de Maria pode referir-se à sua viuvez.
c) Nós não nascemos da fornicação
§  Os judeus afirmam que são filhos legítimos de Abraão, por isso, são livres e não são escravos. Porém Jesus rebate dizendo que não são filhos de Deus porque atuam contra a vontade de seu Pai.
§  Quem ataca é Jesus. Os judeus defendem sua legitimidade espiritual afirmando que não nasceram da fornicação.
§  Portanto, sobre os textos anteriores se projetam questões posteriores hostis ao cristianismo e sobre a concepção ilegítima de Jesus.

3. Mãe de um carpinteiro ou de um camponês?
§  Talvez Jesus e sua família se dedicassem em tempo parcial ao cultivo da terra. Os cristãos palestinos apresentavam a família de Jesus como lavradora.
§  Isto pode explicar porque a maioria das parábolas inspira-se na agricultura.
§  Maria e Jesus viviam em ambiente agrário. Carpinteiro é mencionado em um único versículo (Mc 6,3a) e nunca é mencionado nas pregações de Jesus ou outros pontos do Novo Testamento.
§  Tektwn, além de carpinteiro englobava as funções de pedreiro e ferreiro. Muitas ferramentas se construíam com madeira.
§  Ser Tektwn implicava bastante habilidade técnica e uma boa dose de força muscular.
§  Na Galiléia havia poucos ricos (Herodes Antipas, dignatários da corte...). O grupo médio incluía comerciantes e artesãos e lavradores independentes.
§  Na escala inferior estavam os servos contratados, artesãos ambulantes e lavradores sem terra e por fim, os escravos.
§  O reinado de Herodes Antipas (4-39 d.C) foi próspero e pacífico, permitindo Jesus empreender sua missão itinerante durante vários anos.
§  Alguns afirmam que Jesus e José viajavam muito e trabalhavam ocasionalmente em outras cidades.

4. O núcleo familiar de Jesus
§  O indivíduo não era uma pessoa isolada, mas fazia parte de uma unidade mais ampla: a família que dá segurança comunitária e identidade social.
§  Ao cortar estes laços, Jesus entrava num novo contexto de identidade.
§  Em Nazaré havia muitas pessoas parentas. Quando Jesus tinha 30 anos talvez José já tivesse morrido. Maria tinha 14 anos quando Jesus e 48 ou 50 quando morreu.
a) Irmãos e irmãs de Jesus
§  No ocidente a partir de Jerônimo (383) começou-se a dizer que os irmãos eram primos. No oriente se dizia que eram frutos de um matrimônio anterior de José.
§  Em Mt 1,25 fala que José não teve relações com Maria até  que ela deu a luz. “Até que” não indica descontinuidade ou alteração do que se realizou até então (Sl 109).
§  Não precisamos entender que José e Maria tiveram relações após o nascimento de Jesus.
§  Em Mt 13,55 fala dos irmãos de Jesus, levando pensar que Maria e José tiveram outros filhos.
§  Marcos não fala de José como Mateus; e, neste último, a ordem é diferente. Nele dá a impressão que os irmãos estão ligados a sua mãe biológica, formados por laços de sangue.
b) Primos e primas de Jesus
§  Epifânio de Salamina (315/402) afirma que os irmãos
§  de Jesus são filhos de um matrimônio anterior de José, portanto, meio irmãos de Jesus.
§  Jerônimo foi o primeiro Padre a afirmar que os irmãos de Jesus eram seus primos e a defender a virgindade de Maria e de José.
§  Ele argumenta-se na palavra hebraica ‘âh (irmão) que traduz no grego como adelphos (primo). No Antigo Testamento esta palavra algumas vezes, significa primo ou sobrinho (Gn 29,12;24,48).
§  Não está certo que adelphos era usado no Antigo Testamento para indicar primo. Paulo chama a Tiago de irmão do Senhor (Gl 1,19) como também Flávio Josefo. Além disso, primo em grego é aneyios.
§  No Novo Testamento adelphos se usa em dois sentidos:
§  Firgurativo ou metafórico: para os seguidores de Jesus, cristãos primitivos, os judeus, etc.;
§  Real: para irmão de sangue, legítimo ou meio irmão (com um ou dois pais comuns).
§  Diferentes são os argumentos:
§  Para Blinzler Simão e Judas eram filhos de Clopas, um irmão de José e a mãe de Santiago era uma outra Maria, ligados de alguma forma a Jesus.
§  Para McHung, uma Maria, irmã de José, desposada por um desconhecido deu a luz a Tiago e José; Clopas, irmão de José, era casado com outra Maria, da qual nasceu Simão; portanto, todos eram primos de Jesus, que foram criados por José após a morte do pai.
§  Eusébio na História Eclesiástica fala que Hegesipo relata o martírio de Tiago a quem chama “irmão do Senhor” e menciona um tio e um primo de Jesus, Simão, filho de Cleofas, tio de Jesus.
§  Não dá para saber se este Simão é o mesmo identificado em Mateus e Marcos. O mesmo quando fala de Judas, irmão do Senhor, segundo a carne.
§  Tertuliano afirmava que eram irmãos verdadeiros, combatendo Marcião com sua visão doceta da humanidade de Jesus.
c) Perplexidade diante dos dados históricos
§  O dado é complexo, e por isso, muitos aceitam que Jesus teve irmãos, filhos de Maria.
§  Mas, quem assim afirma não percebe que o Novo Testamento usa irmãos do Senhor, mais como título. Flávio Josefo, que não entendia o significado, usou irmãos de Jesus.
§  Também não se diz que são filhos de Maria, nem de José.

III. Na marginalidade

§  Importante para saber quem foi Jesus e Maria.
1. Nazaré: uma aldeia marginal
§  Flávio Josefo e o Talmud não citam nenhuma vez Nazaré. Só aparece pela primeira vez no século III e IV d.C.
§  A arqueologia revela que Nazaré sempre foi muito pequena, judia na época romana e sua atividade principal era a agricultura, sem prosperidade.
§  Está no extremo sul da baixa Galiléia, aldeia isolada dos caminhos mais freqüentados, a 4 ou 6 Km de Séforis.

2. A mãe de um crucificado pelos romanos
§  A crucifixão era uma pena de morte romana. Os romanos queriam acabar com a esperança judia da vinda do Messias rei (anitsemitismo).
§  Maria é uma mulher entre as tantas que compartilham seus sofrimentos.

IV. Conclusão: mãe de um judeu marginal

§  1. Para as histórias profanas e judia Jesus não teve tanta importância. Por isso, elas lhe dedicavam alguns comentários, ainda que negativos.
§  2. Elas falam da morte de seu irmão Tiago e do caso de Maria com Pantera.
§  3. Jesus e Maria forma personagens marginais. Jesus, um marginal do sistema.
§  4. A marginalidade de Jesus explica a marginalidade nas atas dos historiadores oficiais, como também a do seu grupo.
§  5. A mãe e os irmãos de Jesus só são mencionados para ofendê-lo.
§  6. As notícias da família de Jesus são interessantes quando lidas no contexto do século I (nomes patriarcais e matriarcais).
§  7. Não temos dados históricos concretos sobre o nascimento de Jesus, além dos Evangelhos.
§  8. Jesus era carpinteiro ou artesão? Imaginamos num contexto agrário e próspero.
§  9. Quanto aos irmãos de Jesus, não podemos chegar a uma conclusão certa.


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