quinta-feira, 10 de março de 2016

América Latina e o encontro cultural

América Latina e o encontro cultural

Introdução

A consideração da América Latina como lugar de encontro cultural indica o encontro com um Novo mundo desconhecido para os europeus e a conquista ou colonização dele pelos espanhóis e portugueses com a conseqüente relação de mestiçagem entre as culturas pré-colombianas aborígines e a Ibérica.
Aqui vamos aclarar o fundo da problemática suscitada pela chegados dos espanhóis, súditos de Dom Fernando de Aragão e D. Isabel de Castela, reis católicos. Tendo também em conta a influência do pensamento teológico e jurista de salamanca no processo desse encontro.
Outra finalidade aqui é evitar anacronismos e atitudes inexatas nos assuntos hoje em voga, sobre o descobrimento, colonização e evangelização do condimente hoje chamado América.

1.                 O Atlântico na mira expedicionária européia

Desde a viagem de Marco Pólo ao Japão e à China (Cipago e Catay), no final do século XIII, despertou na Europa curiosidade e ânsia por dominar os caminhos para o Oriente, unindo interesses econômicos e geográficos.
O domínio do Mediterrâneo por parte dos Árabes e as difíceis negociações marítimas da península Itálica por causa dos muçulmanos, criou incógnitas na consciência européia cristã sobre a possibilidade de novas rotas que pudesse oferecer perspectivas de domínio territorial e econômico.  Mas as duas direções apetecidas pelos europeus, o Oriente e a África, estimulavam a imaginação de muitos que se sentiam atraídos pelas sedas e especiarias da Ásia e pelos tesouros e rios cheios de ouro da África. Embora não faltassem convicções religiosas como as de ganhar novas nações para o catolicismo e, ao menos, contrapor a furiosa expansão do Islã. Fechado o Mediterrâneo se abria o Atlântico, um mar desconhecido, mas não deserto, ou seja, salpicado por ilhas legendárias. Ademais, já se começava a pensar que a terra fosse redonda.
Com resultados positivos se conhecia na Europa, desde o século X, as viagens dos escandinavos à Groenlândia. A presença dos vikingues lá e na Costa do Labrador era um fato tão significativo que no mesmo ano da aventura de Colombo, o papa Alexandre VI lamenta que a sede episcopal da Groelândia esteja vacante por 80 anos, pois muitos haviam apostatado a fé e caído em superstições.
 O fato dessas expedições dos vikingues talvez nos obrigue a repensar as motivações que tiveram os expedicionários do século XV ao aventurar-se em busca de novos caminhos para o Oriente usando a rota do Ocidente pelo atlântico, seguindo o exemplo daqueles que já faziam sucessivas viagens ao norte daquilo que hoje chamamos América.
No que diz respeito a Colombo é certo que não conheceu a aventura dos vikingues. Ademais, não postulava Colombo o problema de uma conquista de novas terras e menos ainda de uma penetração bélica em zona ocupada por outros seres humanos.

2.                 Os ideais conquistadores da Cristandade Ibérica

Com o renascimento humanista na consciência dos homens seguia existindo a convicção de que era função do estado procurar o bem estar comum dos cidadãos dentro dos postulados evangélicos e de que qualquer avanço no exercício das liberdades exigia padrões de ortodoxia e de moralidade se se queria realizar dentro dos cânones da fé e da reta razão.
Nesta época o ideal de educação era a formação do homem culto e moral, dentro de padrões que, sem deixar de ser cristãos, mostravam á consciência que havia modelos concretos na antiguidade esquecida da Grécia e Roma, que deviam ser imitados.
Em um momento em que se configuram as nacionalidades européias e estas se afirmam em sua própria língua, surge a necessidade de definir os fatores que ainda devem subsistir como aglutinantes imprescindíveis da unidade, num momento em que a Cristandade européia se encontra ameaçada pelo muçulmanos. Esses elementos são: o cristianismo como religião comum e a autoridade pontifícia como continuação e expressão da potestade suprema de Cristo sobre a terra. O século XV esteve caracterizado por uma afirmação da potestade suprema, tanto imperial e real como pontifícia. Que detém o poder deve guardar o bem comum e determina a regime de relações entre os súditos e a autoridade, política ou religiosa.
Para a sociedade do século XV o exercício da autoridade é um imperativo da afirmação do Estado como Estado e da Igreja como Igreja; o contrario seria um perigoso anarquismo. Chegará o momento em que se discuta sobre a potestade sobre a potestade pontifícia para dirimir entre Portugal e Espanha a cerca da conquista e colonização do território americano e será o próprio Francisco de Vitória o que argumenta que “nem a Sagrada Escritura reconhece outra autoridade suprema sobre o Orbe, que não seja a espiritualidade de Jesus Cristo, trasmitida para os crentes em seu Vigário”.
Ao falar de Renascimento na Espanha, tem que se ter em conta os reis católicos D. Isabel e dom Fernando. Sua visão moderna de política e do sistema de alianças, gerou um ambiente propício para a criação de uma autentica monarquia nacional, baseada na conquista da unidade territorial, jurídica e religiosa, que permitiu a abertura rápida da Espanha ao movimento renascentista.
No ano de 1492 coincidem a reconquista de Granada, a chegada de Colombo nas Américas e a publicação de “Artes da língua castelhana” e a composição de “A celestina”, marcando a primeira etapa do Renascimento espanhol.
Duas vezes pelo menos Colombo se encontrou em Salamanca com seus doutores e mestres: a primeira entre 1486-1487 e a segunda em 1491. A junta que o escutou a primeira vez ou não entendeu seus argumentos que soavam utópicos, baseados nos estudos do sábio Toscanelli, ou sensivelmente o genovês entreviu a pouca vontade dos membros da junta, não muito conhecedores das teorias sobre a redondeza da terra. Ele também buscou apoio da Inglaterra para sua sonhada expedição ao “país das especiarias”. O rei da Franca queria participar dos planos de Colombo, mas sua proposta chegou tarde. Colombo presencio a entrega de Granada em janeiro de 1492 e, coincidindo com o grande triunfo da cristandade, recebeu o apoio que precisava dos reis, alguns nobres, dos dominicanos e da própria Universidade de Salamanca. Seus planos eram: desentranhar os segredos do “Tenebroso Mar”, chegar a Catay e Cipago e engrandecer as terras de suas majestades, o reis católicos, e os limites da religião de Cristo e seu vigário na terra, o papa de Roma.

  1. A polêmica Salamantina sobre o Novo Mundo

O descobrimento e a conquista não estavam previstos e, portanto, não se programou nem se supôs. A Coroa se encontra surpresa com o fato consumado, ou seja, encontrar-se ante um novo Mundo que propriamente não era o Oriente, mas todo um continente povoado e com organização própria, quiçá primitiva aos olhos europeus, porém, apropriada para viver em paz, como o próprio Colombo dirá. De fato, os primeiros anos do descobrimento foram todos marcados de surpresas para a Espanha.
A Corte espanhola e a universidade de Salamanca, que era objeto de contínuas consultas, colocaram-se a par dos acontecimentos do Novo Mundo como fatos consumados. O fato é que consumada a transposição do descobrimento à conquista da América, começaram a chegar queixas a Espanha sobre o modo como os expedicionários tratavam os nativos. No entanto, a euforia pelas conquistas de Colombo, que contrapesavam os êxitos de Portugal na África e no Oriente, e estendia as perspectivas de domínio espanhol, além dos mares, fez com que os escritores da primeira geração supusessem a ética da conquista e só se preocupassem com a ética do tratamento que se dava aos índios e a do sistema da “ENCOMIENDA” que tal tratamento se apoiava.
Os prelúdios da polêmica se escutaram na América e foi, segundo o frei Bartolomé de lãs Casas, o dominicano Frei Antonio de Montesinos quem fez a pergunta chave em 511: “Com que autoridade fizestes tão desatáveis guerras a essa gente, que estava em suas terras mansas e pacificas?”
Antes que interviessem os mestres das Universidades da Espanha, diversos autores pleitearam os complexos problemas encontrados nas novas terras, e se perguntavam:
1º) Como se justifica a conquista que deu lugar à “ENCOMIENDA”?
2º) Como se justifica a presença do domínio político da Espanha nas Índias? 
3º) Como se justifica, aplicados ao caso da conquista da América, a famosa doação pontifícia de Alexandre VI e o conseguinte argumento de evangelização da América como cumprimento do mandato de Cristo de ir por todo o mundo e evangelizar os ovos?

  1. A dúvida indiana

A euforia do descobrimento produziu nos espanhóis um pronunciamento quase geral em favor da conquista: a Providência havia presenteado suas majestades católicas com novas terras para civilizar e, com o apoio da Igreja, para cristianizá-las. Pouco a pouco, porém, tanto na Espanha como na América, começou a não aceitar-se como licitas todas as conquistas, nem tudo quanto se executava em algumas delas. Inclusive, começou-se a duvidar da teoria da guerra justa e até do alcance da “Bula de Doação” de Alexandre VI, que dava pé aos espanhóis para requerer dos nativos o acatamento da fé cristã e às leis da coroa.
Os mais avançados como Bartolomé de lãs Casas, condenavam a legislação que saia para a América e propunha, como única saída ética, a evangelização pacifica e livre e a colonização concernida como sistema para estabelecer um sistema de convivência entre os nativos, donos do solo, e os espanhóis. Ele condena, por exemplo, a maneira selvagem, tirânica e assassina como os espanhóis quiseram se apoderar das riquezas dos incas, destruído uma das maiores civilizações indígenas no Novo Mundo. Também redator ao já imperador Carlos V a “Larguissima relação de denúncias sobre a destruição das Índias” em 1542 e, para talvez para fazer-se mais legível, resumiu no conhecido documento: “Brevíssima relação de denúncias sobre a destruição das Índias”. No que se refere às conquistas, propôs Las Casas, até que se eliminasse o nome.
Houve uma polêmica entre Las Casas e o cronista imperial Juan Ginés de Sepúlveda. O primeiro, com alguns franciscanos propunha a supressão das conquistas e sua substituição pela entrada e penetração pacífica, o segundo defendia em sua obra “Demócrates” não só o direito de conquista, mas também a necessidade dela para conseguir a incorporação dos indígenas americanos aos benefícios da fé cristã e da civilização do Império, o qual era presidido pelo cristianíssimo Carlos V.
É certo que o padre Bartolomé de Las Casas, não apresenta no seu delineamento de 1542, nenhuma idéia de que o Novo Mundo devia ser abandonado. Muito pelo contrário, sua tese é que deve efetuar-se todo um replanteamento com respeito à mecânica utilizada nos descobrimentos, conquistas e colonizações, para que esses se façam de forma pacifica, sobre os princípios da religião e em persecução do objetivo de que o rei domine a longa América, para evitar que outros príncipes estrangeiros o façam.

  1. A Escola de Salamanca e Hispanoamérica

Foi em Salamanca que se formou uma autentica Escola ao redor do grande mestre Francisco de Vitória e de temas tão importantes como a guerra justa, a licitude da conquista, a escravidão dos indígenas e dos negros, em geral, o direito natural dos povos ao exercício múltiplo de suas liberdades.
No século XVI esta universidade é consultada pelos papas e pelo reis, e em seus claustros se formam as figuras brilhantes e ensinam os grandes mestres que deram suas melhores conquistas e celebridade ao Século de Ouro Espanhol.
Francisco de Vitória aplica a primeira parte de sua tese para demonstrar a estrutura doutrinal em que se queria basear a conquista espanhola da América:
a)                          Rebate a tese do papa como senhor e dono do orbe e que sob nenhum aspecto se pode invocar o seu poder como justificativa para a guerra nem ocupação dos bens que os indígenas possuem.
b)                          Refuta a tese do imperador como soberano do universo, já que nem no direito natural ou positivo, divino ou humano, se encontra uma base firme para um poder universal do imperador.
c)                          Questiona a pretensa livre escolha da soberania espanhola por parte dos indígenas, visto que estes estavam viciados pela violência e medo dos colonizadores, e ignoravam qualquer contrato.
d)                         Refuta a oposição dos nativos em receber o evangelho e todos os benefícios da fé cristã e da pertença à igreja. Ele diz que nunca a Igreja antiga recorreu a armas para converter os gentios. Por causa da guerra os “infiéis” se sentiriam não motivas à conversão, mas escandalizados diante de uma religião que prega a sangue e fogo, assim, fugiriam dela antes de abraçá-la.

São três as linhas de seu pensamento:
a)      A comunicação natural, múltipla entre os povos: que se descreve como livre intercâmbio entre os povos, livre uso dos mares, livre comercio entre as sociedades, contratos e negociações mútuas sobre intercâmbio de produtos ou exportação de matérias primas, questões referentes à cidadania, ao direito de migração, estabelecimento domiciliar e convivência. Mostra como é necessário que, por meio de tratados, se regulem as condições do que está dentro das fronteiras do estado.
b)      A proteção e defesa dos inocentes: invoca o direito de solidariedade humana universal que daria pé a uma sociedade de nações com poderes amplos legislativos e coercitivos.
c)      A defesa dos aliados e amigos. O argumento da amizade entre os homens Vitório o fundamenta no direito natural, tanto que julga que è contra a natureza evitar o consorcio entre os homens que não causam dano. Postula uma autoridade supranacional que dirima os conflitos entre nações e julgue sobre as injurias inferidas e sobre a justiça das guerras.

À propagação do cristianismo Vitório associa a necessidade da correção fraterna e do amor que exige levar aos outro a verdade e a superar a situação de pecado. Mas sempre teve em mente a defesa dos convertidos ao cristianismo e a facilitação aos indígenas para que fizessem uma livre escolha.
Não podia faltar na mente de Vitório um argumento educativo: a presença dos europeus na América seria para a promoção humana e social do Novo Mundo. Educar os indígenas e criar uma classe dirigente nova mais culta era um argumento muito forte, contanto que se fizesse tudo pelo bem e utilidade dos índios e não como pretexto de lucro para os espanhóis.
Em síntese, duvida indiana teve em Vitório e sua Escola salamantina uma resposta que quis ser eqüitativa e baseada no direito universal dos povos.
No que diz respeito à educação, meio século depois da chegada de Colombo, a Hispanoamérica já tinha universidades estabelecidas em Santo Domingo, Peru e México. Os indígenas recebiam dos missionários os conhecimentos básicos de melodia, harmonia e ritmo, como também as destrezas para o uso e construção de seus próprios instrumentos musicais, uns de origem européia outros de sua tradição folclórica. Nas reduções jesuíticas do Paraguai se cantava, a toda orquestra, as missas e as canções dos melhores compositores, ademais grandes maestros compuseram obras que foram estreadas no Novo Mundo.  

Conclusão: o Novo Mundo é o fruto dialético de culturas autóctones seculares em graus distintos de desenvolvimento, as dos habitantes pré-colombianos do Continente e as européias transplantadas a essas terras encontradas por acaso o por uma providencial coincidência e fundidas em criativa simbiose. Da fusão de raças (indígena, européia e negra) surgiram a mestiçagem e o mulatismo próprio da América e isso, desde o principio, foi um fator que possibilitou distinguir perfeitamente as colônias de suas metrópoles.


Nenhum comentário:

Postar um comentário