América Latina e o encontro cultural
Introdução
A
consideração da América Latina como lugar de encontro cultural indica o
encontro com um Novo mundo desconhecido para os europeus e a conquista ou
colonização dele pelos espanhóis e portugueses com a conseqüente relação de
mestiçagem entre as culturas pré-colombianas aborígines e a Ibérica.
Aqui vamos
aclarar o fundo da problemática suscitada pela chegados dos espanhóis, súditos
de Dom Fernando de Aragão e D. Isabel de Castela, reis católicos. Tendo também
em conta a influência do pensamento teológico e jurista de salamanca no
processo desse encontro.
Outra
finalidade aqui é evitar anacronismos e atitudes inexatas nos assuntos hoje em
voga, sobre o descobrimento, colonização e evangelização do condimente hoje
chamado América.
1.
O Atlântico na mira expedicionária européia
Desde a
viagem de Marco Pólo ao Japão e à China (Cipago e Catay), no final do século
XIII, despertou na Europa curiosidade e ânsia por dominar os caminhos para o
Oriente, unindo interesses econômicos e geográficos.
O domínio do Mediterrâneo
por parte dos Árabes e as difíceis negociações marítimas da península Itálica
por causa dos muçulmanos, criou incógnitas na consciência européia cristã sobre
a possibilidade de novas rotas que pudesse oferecer perspectivas de domínio
territorial e econômico. Mas as duas direções
apetecidas pelos europeus, o Oriente e a África, estimulavam a imaginação de
muitos que se sentiam atraídos pelas sedas e especiarias da Ásia e pelos
tesouros e rios cheios de ouro da África. Embora não faltassem convicções
religiosas como as de ganhar novas nações para o catolicismo e, ao menos,
contrapor a furiosa expansão do Islã. Fechado o Mediterrâneo se abria o
Atlântico, um mar desconhecido, mas não deserto, ou seja, salpicado por ilhas
legendárias. Ademais, já se começava a pensar que a terra fosse redonda.
Com
resultados positivos se conhecia na Europa, desde o século X, as viagens dos
escandinavos à Groenlândia. A presença dos vikingues lá e na Costa do Labrador
era um fato tão significativo que no mesmo ano da aventura de Colombo, o papa
Alexandre VI lamenta que a sede episcopal da Groelândia esteja vacante por 80
anos, pois muitos haviam apostatado a fé e caído em superstições.
O fato dessas expedições dos vikingues talvez
nos obrigue a repensar as motivações que tiveram os expedicionários do século
XV ao aventurar-se em busca de novos caminhos para o Oriente usando a rota do
Ocidente pelo atlântico, seguindo o exemplo daqueles que já faziam sucessivas
viagens ao norte daquilo que hoje chamamos América.
No que diz
respeito a Colombo é certo que não conheceu a aventura dos vikingues. Ademais,
não postulava Colombo o problema de uma conquista de novas terras e menos ainda
de uma penetração bélica em zona ocupada por outros seres humanos.
2.
Os ideais conquistadores da Cristandade Ibérica
Com o
renascimento humanista na consciência dos homens seguia existindo a convicção
de que era função do estado procurar o bem estar comum dos cidadãos dentro dos postulados
evangélicos e de que qualquer avanço no exercício das liberdades exigia padrões
de ortodoxia e de moralidade se se queria realizar dentro dos cânones da fé e
da reta razão.
Nesta época o
ideal de educação era a formação do homem culto e moral, dentro de padrões que,
sem deixar de ser cristãos, mostravam á consciência que havia modelos concretos
na antiguidade esquecida da Grécia e Roma, que deviam ser imitados.
Em um momento
em que se configuram as nacionalidades européias e estas se afirmam em sua própria
língua, surge a necessidade de definir os fatores que ainda devem subsistir
como aglutinantes imprescindíveis da unidade, num momento em que a Cristandade
européia se encontra ameaçada pelo muçulmanos. Esses elementos são: o
cristianismo como religião comum e a autoridade pontifícia como continuação e
expressão da potestade suprema de Cristo sobre a terra. O século XV esteve
caracterizado por uma afirmação da potestade suprema, tanto imperial e real como
pontifícia. Que detém o poder deve guardar o bem comum e determina a regime de
relações entre os súditos e a autoridade, política ou religiosa.
Para a
sociedade do século XV o exercício da autoridade é um imperativo da afirmação
do Estado como Estado e da Igreja como Igreja; o contrario seria um perigoso
anarquismo. Chegará o momento em que se discuta sobre a potestade sobre a
potestade pontifícia para dirimir entre Portugal e Espanha a cerca da conquista
e colonização do território americano e será o próprio Francisco de Vitória o
que argumenta que “nem a Sagrada Escritura reconhece outra autoridade suprema
sobre o Orbe, que não seja a espiritualidade de Jesus Cristo, trasmitida para
os crentes em seu Vigário ”.
Ao falar de
Renascimento na Espanha, tem que se ter em conta os reis católicos D. Isabel e
dom Fernando. Sua visão moderna de política e do sistema de alianças, gerou um
ambiente propício para a criação de uma autentica monarquia nacional, baseada
na conquista da unidade territorial, jurídica e religiosa, que permitiu a
abertura rápida da Espanha ao movimento renascentista.
No ano de
1492 coincidem a reconquista de Granada, a chegada de Colombo nas Américas e a
publicação de “Artes da língua castelhana” e a composição de “A celestina”,
marcando a primeira etapa do Renascimento espanhol.
Duas vezes
pelo menos Colombo se encontrou em Salamanca com seus doutores e mestres: a
primeira entre 1486-1487 e a segunda em 1491. A junta que o escutou a primeira vez ou
não entendeu seus argumentos que soavam utópicos, baseados nos estudos do sábio
Toscanelli, ou sensivelmente o genovês entreviu a pouca vontade dos membros da
junta, não muito conhecedores das teorias sobre a redondeza da terra. Ele
também buscou apoio da Inglaterra para sua sonhada expedição ao “país das
especiarias”. O rei da Franca queria participar dos planos de Colombo, mas sua
proposta chegou tarde. Colombo presencio a entrega de Granada em janeiro de
1492 e, coincidindo com o grande triunfo da cristandade, recebeu o apoio que
precisava dos reis, alguns nobres, dos dominicanos e da própria Universidade de
Salamanca. Seus planos eram: desentranhar os segredos do “Tenebroso Mar”,
chegar a Catay e Cipago e engrandecer as terras de suas majestades, o reis
católicos, e os limites da religião de Cristo e seu vigário na terra, o papa de
Roma.
- A polêmica Salamantina sobre o Novo Mundo
O
descobrimento e a conquista não estavam previstos e, portanto, não se programou
nem se supôs. A Coroa se encontra surpresa com o fato consumado, ou seja,
encontrar-se ante um novo Mundo que propriamente não era o Oriente, mas todo um
continente povoado e com organização própria, quiçá primitiva aos olhos
europeus, porém, apropriada para viver em paz, como o próprio Colombo dirá. De
fato, os primeiros anos do descobrimento foram todos marcados de surpresas para
a Espanha.
A Corte
espanhola e a universidade de Salamanca, que era objeto de contínuas consultas,
colocaram-se a par dos acontecimentos do Novo Mundo como fatos consumados. O
fato é que consumada a transposição do descobrimento à conquista da América,
começaram a chegar queixas a Espanha sobre o modo como os expedicionários
tratavam os nativos. No entanto, a euforia pelas conquistas de Colombo, que
contrapesavam os êxitos de Portugal na África e no Oriente, e estendia as
perspectivas de domínio espanhol, além dos mares, fez com que os escritores da
primeira geração supusessem a ética da conquista e só se preocupassem com a
ética do tratamento que se dava aos índios e a do sistema da “ENCOMIENDA” que
tal tratamento se apoiava.
Os prelúdios
da polêmica se escutaram na América e foi, segundo o frei Bartolomé de lãs
Casas, o dominicano Frei Antonio de Montesinos quem fez a pergunta chave em
511: “Com que autoridade fizestes tão desatáveis guerras a essa gente, que
estava em suas terras mansas e pacificas?”
Antes que interviessem os mestres das Universidades da Espanha,
diversos autores pleitearam os complexos problemas encontrados nas novas
terras, e se perguntavam:
1º) Como se
justifica a conquista que deu lugar à “ENCOMIENDA”?
2º) Como se
justifica a presença do domínio político da Espanha nas Índias?
3º) Como se
justifica, aplicados ao caso da conquista da América, a famosa doação
pontifícia de Alexandre VI e o conseguinte argumento de evangelização da
América como cumprimento do mandato de Cristo de ir por todo o mundo e
evangelizar os ovos?
- A dúvida indiana
A euforia do
descobrimento produziu nos espanhóis um pronunciamento quase geral em favor da
conquista: a Providência havia presenteado suas majestades católicas com novas
terras para civilizar e, com o apoio da Igreja, para cristianizá-las. Pouco a
pouco, porém, tanto na Espanha como na América, começou a não aceitar-se como
licitas todas as conquistas, nem tudo quanto se executava em algumas delas.
Inclusive, começou-se a duvidar da teoria da guerra justa e até do alcance da
“Bula de Doação” de Alexandre VI, que dava pé aos espanhóis para requerer dos
nativos o acatamento da fé cristã e às leis da coroa.
Os mais
avançados como Bartolomé de lãs Casas, condenavam a legislação que saia para a
América e propunha, como única saída ética, a evangelização pacifica e livre e
a colonização concernida como sistema para estabelecer um sistema de
convivência entre os nativos, donos do solo, e os espanhóis. Ele condena, por
exemplo, a maneira selvagem, tirânica e assassina como os espanhóis quiseram se
apoderar das riquezas dos incas, destruído uma das maiores civilizações
indígenas no Novo Mundo. Também redator ao já imperador Carlos V a “Larguissima
relação de denúncias sobre a destruição das Índias” em 1542 e, para talvez para
fazer-se mais legível, resumiu no conhecido documento: “Brevíssima relação de
denúncias sobre a destruição das Índias”. No que se refere às conquistas,
propôs Las Casas, até que se eliminasse o nome.
Houve uma
polêmica entre Las
Casas e o cronista imperial Juan Ginés de Sepúlveda. O primeiro, com alguns
franciscanos propunha a supressão das conquistas e sua substituição pela
entrada e penetração pacífica, o segundo defendia em sua obra “Demócrates” não
só o direito de conquista, mas também a necessidade dela para conseguir a
incorporação dos indígenas americanos aos benefícios da fé cristã e da
civilização do Império, o qual era presidido pelo cristianíssimo Carlos V.
É certo que o
padre Bartolomé de Las Casas, não apresenta no seu delineamento de 1542,
nenhuma idéia de que o Novo Mundo devia ser abandonado. Muito pelo contrário,
sua tese é que deve efetuar-se todo um replanteamento com respeito à mecânica utilizada
nos descobrimentos, conquistas e colonizações, para que esses se façam de forma
pacifica, sobre os princípios da religião e em persecução do objetivo de que o
rei domine a longa América, para evitar que outros príncipes estrangeiros o
façam.
- A Escola de Salamanca e Hispanoamérica
Foi em
Salamanca que se formou uma autentica Escola ao redor do grande mestre
Francisco de Vitória e de temas tão importantes como a guerra justa, a licitude
da conquista, a escravidão dos indígenas e dos negros, em geral, o direito
natural dos povos ao exercício múltiplo de suas liberdades.
No século XVI
esta universidade é consultada pelos papas e pelo reis, e em seus claustros se
formam as figuras brilhantes e ensinam os grandes mestres que deram suas
melhores conquistas e celebridade ao Século de Ouro Espanhol.
Francisco de
Vitória aplica a primeira parte de sua tese para demonstrar a estrutura
doutrinal em que se queria basear a conquista espanhola da América:
a)
Rebate a tese do papa como senhor e dono do orbe e que
sob nenhum aspecto se pode invocar o seu poder como justificativa para a guerra
nem ocupação dos bens que os indígenas possuem.
b)
Refuta a tese do imperador como soberano do universo,
já que nem no direito natural ou positivo, divino ou humano, se encontra uma
base firme para um poder universal do imperador.
c)
Questiona a pretensa livre escolha da soberania
espanhola por parte dos indígenas, visto que estes estavam viciados pela
violência e medo dos colonizadores, e ignoravam qualquer contrato.
d)
Refuta a oposição dos nativos em receber o evangelho e
todos os benefícios da fé cristã e da pertença à igreja. Ele diz que nunca a
Igreja antiga recorreu a armas para converter os gentios. Por causa da guerra
os “infiéis” se sentiriam não motivas à conversão, mas escandalizados diante de
uma religião que prega a sangue e fogo, assim, fugiriam dela antes de
abraçá-la.
São três as linhas de seu
pensamento:
a)
A comunicação
natural, múltipla entre os povos: que se descreve como livre intercâmbio
entre os povos, livre uso dos mares, livre comercio entre as sociedades,
contratos e negociações mútuas sobre intercâmbio de produtos ou exportação de
matérias primas, questões referentes à cidadania, ao direito de migração,
estabelecimento domiciliar e convivência. Mostra como é necessário que, por
meio de tratados, se regulem as condições do que está dentro das fronteiras do
estado.
b) A proteção e defesa dos inocentes:
invoca o direito de solidariedade humana universal que daria pé a uma sociedade
de nações com poderes amplos legislativos e coercitivos.
c) A defesa dos aliados e amigos. O
argumento da amizade entre os homens Vitório o fundamenta no direito natural,
tanto que julga que è contra a natureza evitar o consorcio entre os homens que
não causam dano. Postula uma autoridade supranacional que dirima os conflitos
entre nações e julgue sobre as injurias inferidas e sobre a justiça das guerras.
À propagação
do cristianismo Vitório associa a necessidade da correção fraterna e do amor
que exige levar aos outro a verdade e a superar a situação de pecado. Mas
sempre teve em mente a defesa dos convertidos ao cristianismo e a facilitação
aos indígenas para que fizessem uma livre escolha.
Não podia faltar
na mente de Vitório um argumento educativo: a presença dos europeus na América
seria para a promoção humana e social do Novo Mundo. Educar os indígenas e
criar uma classe dirigente nova mais culta era um argumento muito forte,
contanto que se fizesse tudo pelo bem e utilidade dos índios e não como
pretexto de lucro para os espanhóis.
Em síntese,
duvida indiana teve em Vitório e sua Escola salamantina uma resposta que quis
ser eqüitativa e baseada no direito universal dos povos.
No que diz
respeito à educação, meio século depois da chegada de Colombo, a Hispanoamérica
já tinha universidades estabelecidas em Santo Domingo , Peru
e México. Os indígenas recebiam dos missionários os conhecimentos básicos de
melodia, harmonia e ritmo, como também as destrezas para o uso e construção de
seus próprios instrumentos musicais, uns de origem européia outros de sua
tradição folclórica. Nas reduções jesuíticas do Paraguai se cantava, a toda
orquestra, as missas e as canções dos melhores compositores, ademais grandes
maestros compuseram obras que foram estreadas no Novo Mundo.
Conclusão: o
Novo Mundo é o fruto dialético de culturas autóctones seculares em graus
distintos de desenvolvimento, as dos habitantes pré-colombianos do Continente e
as européias transplantadas a essas terras encontradas por acaso o por uma
providencial coincidência e fundidas em criativa simbiose. Da fusão de raças
(indígena, européia e negra) surgiram a mestiçagem e o mulatismo próprio da
América e isso, desde o principio, foi um fator que possibilitou distinguir
perfeitamente as colônias de suas metrópoles.
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