A América como
Utopia
Introdução
O encontro de
Espanha e Portugal com o Novo Mundo foi um real descobrimento para os europeus
que encontraram um caminho inexplorado para viajar pelo Ocidente ao desejado
Oriente, e para os indígenas que começaram a se dar contas de que não estavam
sozinhos no mundo. Para ambos, europeus e aborígines, foi algo inesperado.
1.
Conceito de utopia
Beatriz
Fernandez tem a seguinte definição: “Utopia é uma palavra de origem grega que
etimologicamente pode ter duas concepções: a) ou-topia: e nenhum lugar ou, b) eu-topia: o
país onde tudo esta bem, o Estado perfeito”.
De Roux fala
da passagem da outopia para a eutopia.
O termo utopia
foi cunhado, segundo Fernadéz, por Tomás Moro, e ele não o chamou nem outopia
nem eutopia, deixando o termo em um sentido ambíguo. Mas partindo de uma interpretação
cuja base é eutopia, Utopia vem a designar “a melhor das Republicas”.
a) As
ancestrais culturas européias imaginaram, sonharam e agiram dentro da UTOPIA de
novos mundos que podiam dar-se em um lugar desconhecido em concreto (OUTOPIA)
onde se podia realizar os ideais da sociedade perfeita, do paraíso perdido, que
tinham que encontrar (EUTOPIA).
b) Também as
centenárias culturas aborígines da que se chamou América sofreu o embate dos
padrões de vida do conquistador apresentados como EUTOPIA, dentro do qual o
cristianismo era elemento insubstituível.
2.
O ideal de um mais além desconhecido, porém imaginativo.
É um fato que
o Oceano Atlântico, “Mar tenebroso”, não foi obstáculo para a imaginação e o
desejo de possuir paraísos imagináveis. Sobretudo porque o Renascimento fazia
pensar que não havia impossibilidades ante a infinita capacidade que o homem
tinha de dominar o mundo criado. Em algum terreno a ser descoberto estava a o
Reino das Amazonas, a terra dos gigantes, a fonte da eterna juventude, o
paraíso terreno: sonhos pagãos e cristãos em curiosa mescla configurante da
utopia.
Pouco a pouco
o homem do Renascimento foi indo mais além se convenceu que era possível o que
até então se apresentava como impossível. Foram os portugueses que se lançaram
na frente, em tempo e tecnologia, à conquista do Atlântico. Depois vieram os espanhóis
e os demais, universalizando o fenômeno de ir atrás da utopia americana.
Todos se
moviam pelo afã de adquirir riquezas ou estatus social dentro do panorama
europeu, ou então pela cristã finalidade de abrir novos territórios para a
propagação da fé. O encontro das nações européias com a utopia americana
determinou que se trabalhara pela eutopia, para a qual o cristianismo se
converteu em elemento substancial de “política” civilizadora, com o qual os
inimigos comuns (os muçulmanos) passaram a segundo plano.
Quando Colombo
realizou sua terceira viagem (1498-1500), chegou à Ilha da Trindade. Então viu
realizada a grande utopia atrás da qual havia empenhado sua aventura. Então
escreve: “Do novo céu e terra que dizia Nosso Senhor por São João no
apocalipse, depois de ter dito pela boca de Isaias, me fez mensageiro e mostrou
aquelas partes”.
Como nota De
Roux: “A OUTOPIA (pais imaginário) encontra seu EUTOPOS, seu melhor lugar”.
Os
colonizadores pensavam ter descoberto o lugar de suas riquezas e sua promoção social.
Os missionários católicos se encontraram com uma terra virgem para seus
projetos de evangelização e construir uma sombra ou desenho da primitiva igreja
do tempo apostólico. Frei Bartolomé de Las Casas saúda em Colombo o advento de
uma era predestinada, eutópica.
A tal grau
chega a exaltação pela chegada ao lugar da utopia que Beatriz Fernández não
duvida em afirmar que “o que significava a invenção da América se converteu na
inversão da América”. Na América se invertem os valores no que diz respeito ao
Velho Mundo: o que em um é mau no outro é bom. Assim se valoriza o Novo Mundo
frente ao Velho; aquele é o mundo do futuro e da prosperidade e fertilidade, já
este é obstáculo de um pretérito, um mundo de pobreza e escassez.
3.
O encontro com a realidade americana
Houve várias
maneiras de demonstrar a exaltação que o encontro com a América produziu na
Europa: os descobridores experimentaram o prazer de conseguir o que tanto lhes
havia custado; o papa Alexandre VI, graças aos reis católicos, Colombo e sua
gente, via abrir novos mundos para o reino de Cristo; os espanhóis viram sua
pátria cresce além dos mares e se gabavam de ter uma coroa mais esplêndida que
a do Reino de Grana; e exaltação, sobretudo da Rainha Isabel, primeira a captar
o que realmente significava ter encontrado o Novo Mundo.
Disse Colombo
que “Nosso Redentor deu essa vitória a nossos ilustríssimos rei e rainha, por
isso toda a cristandade deve tomar alegria e fazer grandes festas e dar graças solenes
á Santíssima Trindade”.
De Roma o papa
Alexandre VI faz eco do acontecimento na Bula Inter Caetera, onde faz louvores aos reis católicos de Castela D. Fernando
e D. Isabel.
Na Instrução
dos reis católicos a Colombo, emanada em 1493, esta contida a emocionada reação
da Espanha pelo encontrar das Índias, e os primeiros mandatos para fazer delas
uma prolongação providencial da metrópole. A Colombo, seu Almirante, vice-rei e
governador delas, mandam e encarregam que, por todas as vias e maneiras que
pudesse, procure e trabalhe afim de trazer os moradores de tais ilhas e terras
firmes a que se convertam a nossa santa fé católica; e para ajudar nesse
serviço mandas o Frei Buyl, juntamente com outros religiosos, afim de que os
índios sejam bem informados a respeito das coisas de nossa santa fé.
No Codicilo do Testamento da rainha encontramos a concessão feita
pela Santa Sé Apostólica, das ilhas e terra firme do Mar, feita por Alexandre
VI. Também nesse texto encontramos as duas condições essenciais para conseguir
a EUTOPIA das índias: evangelização católica e trato bom e justo aos indígenas;
a elas deveriam se subordinar qualquer outro tipo de interesse, inclusive o
econômico e político.
No entanto,
nem todos os atores reagiram da mesma forma. A maioria dos conquistadores,
vendo convertida a OUTOPIA em realidade, davam graças a Deus por terem chegado
ao lugar de suas ambições; no mundo da imaginação utópica tudo era, e tinha que
ser, favorável a seus sonhos.
Ademais,
aqueles que realizavam a gesta heróica de provar que a OUTOPIA era uma
realidade, encontram sua legitimação na carência de personalidade jurídica da
população indígena ante os europeus, já que, aos olhos destes, sua infidelidade
os priva dela e seu primitivismo cultural lhes situa em plena situação de
inferioridade, aponto de que qualquer príncipe cristão que queira convertê-los
à fé cristã pode submeter-los, por armas ou pacificamente, à sua autoridade.
Pelo que se
vê, a passagem à EUTOPIA sonhada pelos reis, sobretudo por Isabel, gerava
necessariamente conflitos: da lei emanada na Corte com a realização dela por
parte daqueles que deviam executa-las nas Índias, espanhóis ou portugueses.
4. Os
indígenas frente a utopia dos conquistadores
O momento do
descobrimento foi o do assombro, do encontro, da exaltação e do juízo prático
sobre as possibilidades que oferecia o descobrimento. A etapa da colonização será
de acomodamento a uma EUTOPIA que se julga conveniente e necessária.
A conquista
significa o momento em que o pensamento utópico desemboca em uma realidade.
Neste sentido é necessário analisar até onde os indígenas estavam preparados
para entender a mentalidade utópica dos recém chegados e para aceitar a EUTOPIA
que lhes apresentavam como única alternativa possível para assimilar o encontro
de culturas.
O mundo
aborígine do continente americano distava muito de ser homogêneo. As suas culturas
poderiam ser tipificadas assim:
a) Agrupações
que possuíam uma estrutura social complexa, com uma economia baseada na
agricultura e organização de massa em torno da hierarquia política e religiosa
(politeísta, estreitamente relacionada como os fenômenos da natureza).
b) Povos de
organização multifamiliar, com uma economia agrária incipiente (caçadores e
pescadores).
c) Povos
nômades
Enquanto os
espanhóis tiveram contato com grandes núcleos indígenas (mayas, asteca, incas,
muiscas) os portugueses só encontraram pequenos núcleos. Pode-se afirmar que os
indígenas americanos, nem mesmo os das grandes culturas, não estavam preparados
para entender a UTOPIA dos europeus, e isso em primeiro lugar, porque, por
séculos, haviam vivido dentro de padrões culturais que não tinham a política
dos espanhóis e portugueses. Ademais, em sua tranqüila posse de deuses e terra
e sua maneira de conceber as relações sociais, cifravam seu orgulho de nação e
fundamentavam sua organização como estado.
Não é lógico
pensar que estivessem dispostos aceitar que seus deuses não eram deuses, mas
demônios e que suas terras e trabalhos não lhes pertencia, mas que pertenciam a
um rei que era dono de tudo e a ele deviam se submeter. Que podia significar
para eles a novidade de aceitar um Deus e um Rei que lhes traziam, bem como
aceitar que um papa, desde Roma, confiava aportuguese e espanhóis a missão de
evangelizar-los? E tudo isso usando da força e ameaças.
A situação
melhora só depois da segunda viagem de Colombo, pois começaram a chegar outros
homens desarmados, os missionários. Estes expressavam uma atitude diferente da
ameaça e do bélico requerimento.
Pode-se dizer
que os indígenas reagiram, e expressaram a recusa o quanto puderam, por causa
dos métodos empregados pelos conquistadores. As coisas mesmas da fé sofreram
gravíssimos danos como conseqüência da violência e excessiva permissividade
para fazer danos. Las Casas fala da entrada dos colonizadores como sendo eles
lobos e tigres, leões crudelíssimos de muitos dias famintos, que outra coisa
não fizeram senão desprezar, matar, angustiar, afligir, atormentar e destruir
as culturas indígenas, com tamanha crueldade.
5. O que ficou
da Utopia
Começado o
processo de colonização e emanação de leis para as índias, também se viu claramente
que não se podia considerar o aborígine como um inefável “bom selvagem”
(totalmente submisso), nem se podia ver o europeu colonizador como depositário
de uma política civilizadora que se devia impor, pela cruz e pela espada, como
única possível EUTOIA para a América.
Não obstante,
a crise que desencadeou o encontro americano deu lugar a uma polemica doutrinal
sobre a irracionalidade dos indígenas, sobre a capacidade jurídica dos antigos
povoadores do Continente, sobre os direitos reais para possuir as novas terras
e inclusive sobre a potestade do Papa sobre o mundo.
Em algo
estavam todos de acordo: na vontade isabelina, plasmada no seu testamento, da
evangelização e bom trato para como s indígenas como base do que temos chamado
a EUTOPIA para a América.
Muitas vezes a
vontade dos governantes e as leis eram acatadas, mas não eram cumpridas. Porém,
há muitos protuberantes que provam que existiu a vontade de buscar um ótimo
estado para as Índias ou a EUTOPIA.
As leis das
índias, as bulas papais e as contínuas intervenções pontifícias, a aguda
reflexão da universidade de Salamanca com Vitória à cabeça, a árdua polemica de
Bartolomé de Las Casas com Ginés de Sepúlveda, os concílios Americanos, as
obras dos historiadores e polemistas da época: são alguns exemplos da maneira
como se buscou a EUTOPIA.
Porém, as
obras missionárias de tantos bispos, sacerdotes e religiosos, leigos e dos
próprios indígenas, foi o melhor testemunho de que se cumpriu o plano de Dona
Isabel, Dom Fernando e do Papa Alexandre VI de estabelecer um EUTOPIA na qual a
mensagem de Cristo fosse o eixo da política civilizadora e o laço de união do
difícil encontro com a realidade que se escondia atrás da UTOPIA americana,
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