quinta-feira, 10 de março de 2016

A América como Utopia

A América como Utopia

Introdução

O encontro de Espanha e Portugal com o Novo Mundo foi um real descobrimento para os europeus que encontraram um caminho inexplorado para viajar pelo Ocidente ao desejado Oriente, e para os indígenas que começaram a se dar contas de que não estavam sozinhos no mundo. Para ambos, europeus e aborígines, foi algo inesperado.

1.                              Conceito de utopia

Beatriz Fernandez tem a seguinte definição: “Utopia é uma palavra de origem grega que etimologicamente pode ter duas concepções: a) ou-topia: e nenhum lugar ou, b) eu-topia: o país onde tudo esta bem, o Estado perfeito”.
De Roux fala da passagem da outopia para a eutopia.
O termo utopia foi cunhado, segundo Fernadéz, por Tomás Moro, e ele não o chamou nem outopia nem eutopia, deixando o termo em um sentido ambíguo. Mas partindo de uma interpretação cuja base é eutopia, Utopia vem a designar “a melhor das Republicas”.
a) As ancestrais culturas européias imaginaram, sonharam e agiram dentro da UTOPIA de novos mundos que podiam dar-se em um lugar desconhecido em concreto (OUTOPIA) onde se podia realizar os ideais da sociedade perfeita, do paraíso perdido, que tinham que encontrar (EUTOPIA).
b) Também as centenárias culturas aborígines da que se chamou América sofreu o embate dos padrões de vida do conquistador apresentados como EUTOPIA, dentro do qual o cristianismo era elemento insubstituível.


2.                              O ideal de um mais além desconhecido, porém imaginativo.

É um fato que o Oceano Atlântico, “Mar tenebroso”, não foi obstáculo para a imaginação e o desejo de possuir paraísos imagináveis. Sobretudo porque o Renascimento fazia pensar que não havia impossibilidades ante a infinita capacidade que o homem tinha de dominar o mundo criado. Em algum terreno a ser descoberto estava a o Reino das Amazonas, a terra dos gigantes, a fonte da eterna juventude, o paraíso terreno: sonhos pagãos e cristãos em curiosa mescla configurante da utopia.
Pouco a pouco o homem do Renascimento foi indo mais além se convenceu que era possível o que até então se apresentava como impossível. Foram os portugueses que se lançaram na frente, em tempo e tecnologia, à conquista do Atlântico. Depois vieram os espanhóis e os demais, universalizando o fenômeno de ir atrás da utopia americana.
Todos se moviam pelo afã de adquirir riquezas ou estatus social dentro do panorama europeu, ou então pela cristã finalidade de abrir novos territórios para a propagação da fé. O encontro das nações européias com a utopia americana determinou que se trabalhara pela eutopia, para a qual o cristianismo se converteu em elemento substancial de “política” civilizadora, com o qual os inimigos comuns (os muçulmanos) passaram a segundo plano.
Quando Colombo realizou sua terceira viagem (1498-1500), chegou à Ilha da Trindade. Então viu realizada a grande utopia atrás da qual havia empenhado sua aventura. Então escreve: “Do novo céu e terra que dizia Nosso Senhor por São João no apocalipse, depois de ter dito pela boca de Isaias, me fez mensageiro e mostrou aquelas partes”.
Como nota De Roux: “A OUTOPIA (pais imaginário) encontra seu EUTOPOS, seu melhor lugar”.
Os colonizadores pensavam ter descoberto o lugar de suas riquezas e sua promoção social. Os missionários católicos se encontraram com uma terra virgem para seus projetos de evangelização e construir uma sombra ou desenho da primitiva igreja do tempo apostólico. Frei Bartolomé de Las Casas saúda em Colombo o advento de uma era predestinada, eutópica.
A tal grau chega a exaltação pela chegada ao lugar da utopia que Beatriz Fernández não duvida em afirmar que “o que significava a invenção da América se converteu na inversão da América”. Na América se invertem os valores no que diz respeito ao Velho Mundo: o que em um é mau no outro é bom. Assim se valoriza o Novo Mundo frente ao Velho; aquele é o mundo do futuro e da prosperidade e fertilidade, já este é obstáculo de um pretérito, um mundo de pobreza e escassez.

3.                              O encontro com a realidade americana

Houve várias maneiras de demonstrar a exaltação que o encontro com a América produziu na Europa: os descobridores experimentaram o prazer de conseguir o que tanto lhes havia custado; o papa Alexandre VI, graças aos reis católicos, Colombo e sua gente, via abrir novos mundos para o reino de Cristo; os espanhóis viram sua pátria cresce além dos mares e se gabavam de ter uma coroa mais esplêndida que a do Reino de Grana; e exaltação, sobretudo da Rainha Isabel, primeira a captar o que realmente significava ter encontrado o Novo Mundo.
Disse Colombo que “Nosso Redentor deu essa vitória a nossos ilustríssimos rei e rainha, por isso toda a cristandade deve tomar alegria e fazer grandes festas e dar graças solenes á Santíssima Trindade”.
De Roma o papa Alexandre VI faz eco do acontecimento na Bula Inter Caetera, onde faz louvores aos reis católicos de Castela D. Fernando e D. Isabel.
Na Instrução dos reis católicos a Colombo, emanada em 1493, esta contida a emocionada reação da Espanha pelo encontrar das Índias, e os primeiros mandatos para fazer delas uma prolongação providencial da metrópole. A Colombo, seu Almirante, vice-rei e governador delas, mandam e encarregam que, por todas as vias e maneiras que pudesse, procure e trabalhe afim de trazer os moradores de tais ilhas e terras firmes a que se convertam a nossa santa fé católica; e para ajudar nesse serviço mandas o Frei Buyl, juntamente com outros religiosos, afim de que os índios sejam bem informados a respeito das coisas de nossa santa fé.
No Codicilo do Testamento da rainha encontramos a concessão feita pela Santa Sé Apostólica, das ilhas e terra firme do Mar, feita por Alexandre VI. Também nesse texto encontramos as duas condições essenciais para conseguir a EUTOPIA das índias: evangelização católica e trato bom e justo aos indígenas; a elas deveriam se subordinar qualquer outro tipo de interesse, inclusive o econômico e político.
No entanto, nem todos os atores reagiram da mesma forma. A maioria dos conquistadores, vendo convertida a OUTOPIA em realidade, davam graças a Deus por terem chegado ao lugar de suas ambições; no mundo da imaginação utópica tudo era, e tinha que ser, favorável a seus sonhos.
Ademais, aqueles que realizavam a gesta heróica de provar que a OUTOPIA era uma realidade, encontram sua legitimação na carência de personalidade jurídica da população indígena ante os europeus, já que, aos olhos destes, sua infidelidade os priva dela e seu primitivismo cultural lhes situa em plena situação de inferioridade, aponto de que qualquer príncipe cristão que queira convertê-los à fé cristã pode submeter-los, por armas ou pacificamente, à sua autoridade.
Pelo que se vê, a passagem à EUTOPIA sonhada pelos reis, sobretudo por Isabel, gerava necessariamente conflitos: da lei emanada na Corte com a realização dela por parte daqueles que deviam executa-las nas Índias, espanhóis ou portugueses.

4. Os indígenas frente a utopia dos conquistadores

O momento do descobrimento foi o do assombro, do encontro, da exaltação e do juízo prático sobre as possibilidades que oferecia o descobrimento. A etapa da colonização será de acomodamento a uma EUTOPIA que se julga conveniente e necessária.
A conquista significa o momento em que o pensamento utópico desemboca em uma realidade. Neste sentido é necessário analisar até onde os indígenas estavam preparados para entender a mentalidade utópica dos recém chegados e para aceitar a EUTOPIA que lhes apresentavam como única alternativa possível para assimilar o encontro de culturas.
O mundo aborígine do continente americano distava muito de ser homogêneo. As suas culturas poderiam ser tipificadas assim:

a) Agrupações que possuíam uma estrutura social complexa, com uma economia baseada na agricultura e organização de massa em torno da hierarquia política e religiosa (politeísta, estreitamente relacionada como os fenômenos da natureza).

b) Povos de organização multifamiliar, com uma economia agrária incipiente (caçadores e pescadores).
c) Povos nômades

Enquanto os espanhóis tiveram contato com grandes núcleos indígenas (mayas, asteca, incas, muiscas) os portugueses só encontraram pequenos núcleos. Pode-se afirmar que os indígenas americanos, nem mesmo os das grandes culturas, não estavam preparados para entender a UTOPIA dos europeus, e isso em primeiro lugar, porque, por séculos, haviam vivido dentro de padrões culturais que não tinham a política dos espanhóis e portugueses. Ademais, em sua tranqüila posse de deuses e terra e sua maneira de conceber as relações sociais, cifravam seu orgulho de nação e fundamentavam sua organização como estado.
Não é lógico pensar que estivessem dispostos aceitar que seus deuses não eram deuses, mas demônios e que suas terras e trabalhos não lhes pertencia, mas que pertenciam a um rei que era dono de tudo e a ele deviam se submeter. Que podia significar para eles a novidade de aceitar um Deus e um Rei que lhes traziam, bem como aceitar que um papa, desde Roma, confiava aportuguese e espanhóis a missão de evangelizar-los? E tudo isso usando da força e ameaças.
A situação melhora só depois da segunda viagem de Colombo, pois começaram a chegar outros homens desarmados, os missionários. Estes expressavam uma atitude diferente da ameaça e do bélico requerimento. 
Pode-se dizer que os indígenas reagiram, e expressaram a recusa o quanto puderam, por causa dos métodos empregados pelos conquistadores. As coisas mesmas da fé sofreram gravíssimos danos como conseqüência da violência e excessiva permissividade para fazer danos. Las Casas fala da entrada dos colonizadores como sendo eles lobos e tigres, leões crudelíssimos de muitos dias famintos, que outra coisa não fizeram senão desprezar, matar, angustiar, afligir, atormentar e destruir as culturas indígenas, com tamanha crueldade.

5. O que ficou da Utopia

Começado o processo de colonização e emanação de leis para as índias, também se viu claramente que não se podia considerar o aborígine como um inefável “bom selvagem” (totalmente submisso), nem se podia ver o europeu colonizador como depositário de uma política civilizadora que se devia impor, pela cruz e pela espada, como única possível EUTOIA para a América.
Não obstante, a crise que desencadeou o encontro americano deu lugar a uma polemica doutrinal sobre a irracionalidade dos indígenas, sobre a capacidade jurídica dos antigos povoadores do Continente, sobre os direitos reais para possuir as novas terras e inclusive sobre a potestade do Papa sobre o mundo.
Em algo estavam todos de acordo: na vontade isabelina, plasmada no seu testamento, da evangelização e bom trato para como s indígenas como base do que temos chamado a EUTOPIA para a América.
Muitas vezes a vontade dos governantes e as leis eram acatadas, mas não eram cumpridas. Porém, há muitos protuberantes que provam que existiu a vontade de buscar um ótimo estado para as Índias ou a EUTOPIA.
As leis das índias, as bulas papais e as contínuas intervenções pontifícias, a aguda reflexão da universidade de Salamanca com Vitória à cabeça, a árdua polemica de Bartolomé de Las Casas com Ginés de Sepúlveda, os concílios Americanos, as obras dos historiadores e polemistas da época: são alguns exemplos da maneira como se buscou a EUTOPIA.
Porém, as obras missionárias de tantos bispos, sacerdotes e religiosos, leigos e dos próprios indígenas, foi o melhor testemunho de que se cumpriu o plano de Dona Isabel, Dom Fernando e do Papa Alexandre VI de estabelecer um EUTOPIA na qual a mensagem de Cristo fosse o eixo da política civilizadora e o laço de união do difícil encontro com a realidade que se escondia atrás da UTOPIA americana,






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