FÉ E
SACRAMENTOS
INTRODUÇÃO
No mundo secularizado que
tem por deusa a razão e no qual a ciência é quem dita os parâmetros do
cotidiano da humanidade, nos deparamos com situações que muitas vezes são
inexplicáveis, então a única saída é buscar uma resposta por meio da fé. Mas em
que consiste a fé? Qual o conceito que se tem de fé, num mundo que se torna cada
vez mais incrédulo e ateu?
O senso comum define a fé como
acreditar naquilo que não se vê; porém, a fé tem raízes mais profundas, nas
quais desde a antiguidade move povos e nações a manifestar a sua crença numa
divindade ou em vários deuses. No entanto, nos deteremos sobre a fé da Igreja Católica
no âmbito restrito dos Sacramentos.
1. O
QUE É A FÉ?
Na história da salvação, a
fé foi vista por vários âmbitos. O Antigo Testamento compreende a fé como
anseio por uma salvação prometida, ainda obscura, sendo neste caso, objeto de
esperança e de confiança na vinda do Messias, que libertaria todo o Israel. Essa
fé é consumada com a vinda do Salvador, o ungido do Pai: Jesus Cristo.
No Novo Testamento, “crer” é aceitar a pregação (testemunho)
dos apóstolos sobre a paixão, morte e ressurreição de Jesus; é aceitar o
quérigma cristão como verdade de fé (At 2,44; 4,4.32; 8,13).
Na visão Paulina, é pela
fé que se tem acesso ao mistério, ao Evangelho, à palavra pronunciada por Deus.
Para São Paulo, a fé, é a acolhida da palavra (Rm 10,16; Gl 3,5), é a obediência ao Evangelho (Rm 1,5). Assim,
temos como “expressão” da teologia da revelação paulina: a “obediência da fé”
(II Cor 10,5; Rm 16,26).
Na visão dos Padres da
Igreja[1],
que são as primeiras testemunhas da viva tradição, a dimensão da fé esta
relacionada com a visão do Novo Testamento. Para eles a fé “é o ponto inicial
duma penetração sempre mais profunda da verdade recebida, de uma busca da
inteligência, sempre mais intensa e ardente”.[2]
Segundo o Catecismo da
Igreja Católica (CICat), a fé “é a
resposta do homem a Deus que se revela e a ele se doa, trazendo ao mesmo tempo
uma luz superabundante ao homem em busca do sentido último de sua vida”.[3]
Diante de todos esses
conceitos expostos acima, temos um panorama geral sobre a fé. Portanto, fé é a
resposta livre e consciente do homem que aderindo a Deus que se revela e também
aos seus desígnios de salvação e por amor o faz participar de sua vida divina.
Em poucas palavras, a fé é abrir o nosso coração ao amor de Deus, que se
humanizou no Cristo pela encarnação.
2. CARACTERÍSTICAS
DA FÉ
Uma vez sabendo o que é a
fé, como podemos caracterizá-la? As características básicas da fé segundo a
definição do CICat são: é uma graça, é um ato humano, a fé está relacionada à
inteligência, a liberdade da fé, a necessidade da fé, e a fé como começo da
vida eterna.
a)
A
fé é uma graça: é
um dom pelo qual Deus cumula o homem
com uma virtude sobrenatural, para que este volte o seu coração, sua mente para
aquele que o criou. É Deus quem dá a graça de conhecê-lo e com o auxilio do
Espírito da Verdade, move o coração do ser humano e faz com que se converta ao
Criador. O mesmo Espírito “abre os olhos da mente e dá a todos a suavidade no
consentir e crer na verdade”.[4]
b)
A
fé como um ato humano:
não vai de encontro com as faculdades humanas da vontade, liberdade e da
inteligência, pois não impede que o homem acredite em Deus e aceita as verdades
de fé que são inerentes à pessoa que crer. Pelo contrário, estas faculdades
cooperam com a ação da graça divina no homem, fazendo com que este adira com
todo o coração.
c)
A
fé está relacionada à inteligência: tem como ponto de partida o “crer”, que não significa apenas aceitar as verdades reveladas que
são inteligíveis e compreensíveis pela razão natural. Mas, é crer na revelação
de Deus, como fato verdadeiro, que tem a autoridade de quem se auto-revela e
“que não pode nem enganar-se nem enganar-nos”.[5] A
certeza da fé está fundada na Palavra de Deus, no entanto, as verdades
reveladas podem ser obscuras para a razão e para a experiência humana, por isso
é que “a certeza dada pela luz divina é maior que a que é dada pela luz da
razão natural”.[6] Então a
fé procura compreender, cada vez mais a Revelação divina e todo o seu conteúdo
de Salvação, fazendo de tal modo que quanto mais se conhece mais a fé aumenta.
Nesta busca constante se chega ao conhecimento do mistério central da
Revelação: Cristo, última e definitiva comunicação de Deus.
d)
A
liberdade da fé:
leva o homem espontaneamente a aderir e responder a Deus com seu amor e
gratidão a toda a revelação e a salvação trazida pelo Verbo divino quando se “fez carne e habitou entre nós”[7]
(Jo 1,14). Com efeito, Cristo não obrigou a ninguém para que aceitasse a sua
mensagem, mas livremente convidou a todos para o arrependimento e a conversão
do coração, para que chegassem a salvação e a contemplação da glória celeste.
e)
A
necessidade da fé.
Para que o homem seja salvo é preciso que ele creia firmemente em “Cristo e
naquele que o enviou” (Mc 16,16), o Pai. Mas, não basta só crer, é preciso perseverar
na fé, de tal modo que possamos alimentá-la com a Palavra de Deus e com os
sacramentos. Para isso, basta lembrarmos do pedido dos apóstolos a Jesus,
“Senhor aumenta em nós a Fé!” (Lc 17,5), esta deve ser a nossa atitude de cada
dia, imploremos ao Senhor da Messe que aumente cada vez mais a nossa pouca fé.
f)
A
fé é o começo da vida eterna.
Pois ela nos faz sentir, aqui na terra, a antecipação das alegrias eternas e do
que será a visão beatífica, a contemplação de Deus face a face (I Cor 13,12).
São Basílio referindo-se a visão beatifica produzida pela fé diz: “enquanto desde já contemplamos as bênçãos da
fé, como um reflexo no espelho, é como se já possuíssemos as coisas
maravilhosas que um dia desfrutaremos, conforme nos garante nossa fé”.[8]
Então é preciso gozar das
alegrias celestes nesta vida, buscando estar na presença do Senhor e deixar ser
guiado pelos seus desígnios, abrindo o coração para a sua graça santificante em
todos os sacramentos na esperança de um dia estar diante do Trono aclamando
junto com os Anciãos e todos os Santos “Santo, Santo, Santo Senhor Deus
Todo-poderoso”.[9] (Ap
4,8).
3.
A MINHA FÉ NOS SACRAMENTOS
Para falarmos da fé de quem
recebe o sacramento, e sobre a eficácia do mesmo é preciso esclarecer alguns
pontos que durante a História da Igreja foram motivos de contradições, de
heresias e até mesmo de cisma, como é o caso do Protestantismo.
Diante de tantas
controvérsias em torno dos sacramentos só no séc. XVI, com o Concilio de
Trento, é que vamos ter uma definição clara sobre a doutrina sacramental.
Trento afirma que os sacramentos são eficazes por si mesmos, agem “ex opere operato”, não dependendo do
ministro que administra ou da pessoa que o recebe.
No entanto, podíamos nos
questionar: qual o valor da nossa fé no sacramento? Pela fé nós fazemos com que
a graça recebida pelo sacramento, tenha penhor de salvação, frutifique em nós e
nos leve cada vez a santificação e perfeição. Quanto maior a fé, maior será a eficácia
pessoal em vista de minha santidade.
Para que haja a
frutificação da graça santificante em nós, é preciso a abertura do coração e da
alma deixando a graça entrar e abundar o ser. Como efeito da graça recebida nos
sacramentos tem-se a transformação interior e a força para vencer o pecado e
todas as imperfeições, para alcançar à santificação e como fim último à
salvação.
Essa santificação é a
deificação do homem, ou seja, com a graça santificante o homem tem a
participação real na vida divina e assim, como efeito de tão grande mudança
interior ele torna-se um outro Cristo, age como Cristo. Essa deve ser a atitude
de todo cristão, que participa de qualquer sacramento.
CONCLUSAO
Fé e Sacramentos são duas
realidades inseparáveis da vida cristã. Pela fé respondemos a Deus que
amorosamente comunicou-se conosco e nos fez partícipes da sua vida divina.
Também pelos Sacramentos, todos os dias ele nos dá a sua graça santificante e
nos faz mais próximos de si, por isso, devemos estar bem preparados, munidos
com os instrumentos necessários para participar fervorosamente de todos os
sacramentos.
Destes instrumentos quem
nos fala claramente é São Paulo: “cingi
os vossos rins com a verdade e revesti-vos da couraça da justiça ... empunhando
sempre o escudo da fé. E tomai o capacete da salvação e a espada do Espírito,
que é a Palavra de Deus”. (Ef 6,14.16-17).
Portanto, a fé nos
sacramentos é essencial para a nossa salvação, ela é o escudo que nos protege
contra os dardos da infidelidade e da descrença, por isso, tomemo-na sempre
para que cada vez mais sejamos santos ministros e caminho de salvação para as
almas.
BIBLIOGRAFIA
A
Bíblia Sagrada de Jerusalém. 3ª ed. São Paulo: Paulus, 2004.
AQUINO, Santo Tomas de. Suma
Teológica. São Paulo: Loyola, 2000. (II-II, 171,5, obj. 3)
CATECISMO,
Igreja Católica. São Paulo: Ed. Loyola, 2000. p. 49 e 488.
DEZINGER, Schönmetzer. Enchiridion
Symbolorum, definitionum et declarationum de rebus fidei et morum.
Números: 3006-3008.
Documentos do Concílio Ecumênico
Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2001. (Dei
Verbum)
LATOURELLE,
René. Teologia Ciência da Salvação. São Paulo: Paulinas, 1971.
_________________.
Teologia
da Revelação. São Paulo: Paulinas, 1969.
LATOVA, Miguel Paz. Los signos
del encuentro com Cristo. Teologia
dos sacramentos em geral.
Cidade do México: Nova Evangelização, 1999.
MCKENZIE,
John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1983. p. 341-343.
SADA, Ricardo; MONROY, Alfonso. Curso
de Teologia dos Sacramentos. 2ª ed. Lisboa: Reis dos Livros, 1991.
[1] A
expressão “Padre da Igreja” é caracterizada por quatro traços: 1) Antiguidade,
grandes teólogos dos séc. II até o séc. VIII; 2) Ortodoxia do ensinamento; 3)
Aprovação da Igreja e 4) Santidade de vida. Também esta época pode ser chamada
de “Patrística”.
[2]
LATOURRELE, René. Teologia da Revelação.
1970 p. 164.
[3] Cf.
CICat, 26.
[4] Idem,
153.
[5] Conc.
Vaticano I, DF, c. 3: DS 3008.
[6] Tomás de
Aquino, S. Th. II-II, 171,5, obj. 3.
[7] “Et
Verbum, caro factum est. Et habitavit nobis”.
[8] S.
Basílio, Líber de Spiritu Sancto. 15,36:
PG 32,132.
[9]
“Sanctus, Sanctus, Sanctus Dominus Deus Sabaoth”
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